Desde 2013, quando assumiu a presidência da Mercedes-Benz na
América Latina, o alemão Philipp Schiemer se reúne com jornalistas na
sede da empresa, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, com dois
objetivos principais: fazer um balanço do desempenho da empresa e traçar
cenários para o futuro. Excluindo o encontro de seu ano de estreia,
quando a montadora ainda desfrutava de números recordes, os três
seguintes foram carregados de reclamação e pessimismo. Com razão.
Desde que entrou, as vendas do setor desabaram 70%, a reboque da
maior recessão da história da economia brasileira. Mas o tradicional
encontro deste ano, na segunda-feira 9, mostrou um clima diferente.
Sorridente, Schiemer anunciou investimento de R$ 2,4 bilhões e afirmou
que o pior da crise ficou para trás e que suas vendas neste segundo
semestre endossam as teses de que a economia está em trajetória de
recuperação. “O Brasil voltou a ter uma chance de estabelecer um caminho
para crescer de forma gradual e sustentável.”
DINHEIRO – Não é cedo para afirmar que a crise acabou?
PHILIPP SCHIEMER – Estamos cautelosos, mas
otimistas. Pela primeira vez em mais de três anos, temos motivos para
comemorar. O segundo semestre está mais aquecido do que o primeiro, num
claro movimento de recuperação das vendas. Poderíamos fechar o ano com
números bons, se esse reaquecimento tivesse começado mais cedo.
DINHEIRO – O crescimento é consistente?
SCHIEMER – Sim, mas gradual. Entre 2013 e a
primeira metade de 2017, o setor de caminhões viveu uma das fases mais
dramáticas da história. As vendas acumularam uma queda de cerca de 70%.
As quedas de alguns setores importantes da economia puxaram para baixo
nosso setor também. Agora que toda a economia começa a se recuperar,
recuperamos junto.
DINHEIRO – Mas alguns setores, como o agronegócio, conseguiram se segurar na crise…
SCHIEMER – A agricultura tem apresentado
um desempenho muito positivo, sim. Além disso, as empresas do
agronegócio conseguiram, graças a uma situação financeira melhor,
preservar seu acesso ao crédito. O mercado de caminhões é muito
dependente do crédito. Os bancos só emprestam para quem comprova
condições de pagar. A combinação de bom desempenho do setor e a bom
acesso a financiamento mantém o agronegócio com perspectivas muito
otimistas.
DINHEIRO – O agronegócio não tem sido o único, certo?
SCHIEMER – Sim, o setor de logística
também dá sinais de recuperação. Temos percebido uma alta de cerca de
25% nos negócios para essa atividade. Além disso, acredito que 2018 será
o ano do início da recuperação da construção civil, uma indústria que
demanda investimentos em veículos pesados e extrapesados. Há no
horizonte também boas perspectivas para a renovação das frotas urbanas
de ônibus, as frotas rodoviárias e até de ônibus escolares. Estamos
observando com atenção cada um deles para poder suprir as demandas
específicas de cada atividade.
DINHEIRO – Além da queda nas vendas, como a crise afetou os números da operação brasileira?
SCHIEMER – O volume de vendas despencou,
mas conseguimos avançar em participação de mercado. Em 2013, quando a
crise começou para valer, a Mercedes-Benz respondia por 19% das vendas
nacionais. Neste ano, nosso market share está em 25,4%. Outro bom
indicador é o volume de emplacamentos diários, que cresce mês a mês. A
nossa média em outubro está maior do que a média registrada em setembro.
A recuperação é gradual, mas está acontecendo.
DINHEIRO – Quais são os indicadores macroeconômicos que sustentam esse otimismo?
SCHIEMER – Acredito que a estabilidade do
câmbio é um sinal de que a economia está no caminho certo. Quando há
pouca variação do dólar, é possível ter mais previsibilidade e,
consequentemente, isso ajuda a restaurar a confiança. Somos sempre
cautelosos, mas não temos dúvidas de que o crescimento do setor de
caminhões em 2018 será impulsionado pela combinação positiva dos fatores
macroeconômicos.
DINHEIRO – A crise não gerou um trauma nas empresas?
SCHIEMER – Se a confiança voltar, as
empresas voltam a investir. O potencial do Brasil é enorme. O caminho da
recuperação não está andado, mas estamos na rota certa.
DINHEIRO – Mas, para compensar a queda interna, o setor apostou na exportação. A Mercedes fez isso?
SCHIEMER – As exportações aceleraram 25,9%
no acumulado deste ano. É um resultado muito bom. A Argentina tem nos
surpreendido, com um aumento significativo das compras. Lá, a economia
ainda tem grandes desafios pela frente, mas está no caminho certo. Houve
estabilidade nos últimos dois anos. Estamos com boas exportações também
para Chile, Peru, Colômbia e Equador. Vamos exportar motores M460 para a
Alemanha. Enfim, precisamos ser competitivos não apenas no Brasil, mas
também lá fora. Temos concorrentes muito fortes, como a China e a Índia,
e há grandes oportunidades no mercado internacional.
DINHEIRO – O que é preciso fazer para resgatar a confiança?
SCHIEMER – A gente tem que comprar a ideia
das reformas para crescer de verdade. O Brasil voltou a ter uma chance
de estabelecer um caminho para crescer de forma sustentável.
DINHEIRO – Mas os investidores levarão tempo para se convencerem de que o Brasil é um bom local para investir…
SCHIEMER – O investidor internacional só
coloca dinheiro em alguma empresa brasileira se ele tem confiança de as
contas serão pagas. Por isso, as reformas são essenciais para criar um
ambiente de confiança no futuro. Nesse contexto, os juros precisam cair.
Com uma Selic alta, o investimento deixa de ser atrativo. É melhor
deixar o dinheiro render em títulos do governo, sem nenhum trabalho e
quase nenhum risco. Quando a Selic cair mais, o dinheiro que está parado
em papéis entra na economia para reativar a produção e o consumo.
DINHEIRO – Os novos investimentos da Mercedes-Benz simbolizam esse movimento?
SCHIEMER – Com certeza. Conseguimos
aprovar junto ao board da Mercedes, na Alemanha, um investimento de R$
2,4 bilhões para o período de 2018 e 2022. Esse dinheiro, complementar
aos R$ 750 milhões do ciclo 2015 e 2018, será direcionado à modernização
das fábricas em São Bernardo do Campo e em Juiz de Fora, em Minas
Gerais, além de lançamento de novos produtos. Entre 2010 e 2015, já
havíamos investido outros R$ 2,5 bilhões. Está muito claro na cabeça de
todos nós que não adianta termos as melhores fábricas, se não temos os
melhores produtos. Temos de ter classe mundial em processos de produção e
produtos.
DINHEIRO – A fábrica de São Bernardo está defasada em termos tecnológicos e de produtividade?
SCHIEMER – A unidade de São Bernardo, com
7.700 funcionários, já é considerada uma das mais modernas da
Mercedes-Benz no mundo, mas há o que melhorar. A unidade foi inaugurada
em uma época em que o País não oferecia uma cadeia completa de
fornecedores. Por isso, muitas partes do caminhão, além do nosso ‘core
business’ eixo, motor e câmbio, era produzida internamente. Hoje, não
faz mais sentido. Tínhamos 56 armazéns. Agora, unificamos para apenas 6.
Com a implementação de várias mudanças, desde o início da crise,
aumentamos em 15% nossa produtividade em São Bernardo.
DINHEIRO – Está nos planos antecipar a produção de motores Euro 6 no Brasil?
SCHIEMER – Não adianta ter o Euro 6 (a
mais rígida norma europeia de emissão de poluentes), se metade da frota
brasileira é ‘Euro Zero’. O custo de se trazer esse motor será pago por
todos, e não acho que seja o momento mais apropriado para fazer isso.
DINHEIRO – A reclamação do setor, nos últimos anos, não foi exagerada?
SCHIEMER – Nós todos reclamamos muito nos
últimos anos, é verdade. Mas não era uma reclamação sem causa. Havia
problemas reais que resultaram na maior recessão de todos os tempos.
Mas, agora que enxergamos que o caminho está correto, precisamos falar e
demonstrar confiança.
DINHEIRO – E se o País der marcha à ré?
SCHIEMER – Existem riscos, é claro. Não há
garantias de que a recuperação será real pelos próximos anos. Mas
existe uma postura de clareza da equipe econômica. O déficit fiscal é
conhecido. O plano de reação também é amplamente divulgado. A caixa
preta do governo foi aberta e, mesmo que os números não sejam aqueles
que gostaríamos, o jogo é mais claro e aberto.
https://www.istoedinheiro.com.br/economia-esta-no-caminho-certo/
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