terça-feira, 17 de outubro de 2017

A economia está no caminho certo

 
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Desde 2013, quando assumiu a presidência da Mercedes-Benz na América Latina, o alemão Philipp Schiemer se reúne com jornalistas na sede da empresa, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, com dois objetivos principais: fazer um balanço do desempenho da empresa e traçar cenários para o futuro. Excluindo o encontro de seu ano de estreia, quando a montadora ainda desfrutava de números recordes, os três seguintes foram carregados de reclamação e pessimismo. Com razão.

Desde que entrou, as vendas do setor desabaram 70%, a reboque da maior recessão da história da economia brasileira. Mas o tradicional encontro deste ano, na segunda-feira 9, mostrou um clima diferente. Sorridente, Schiemer anunciou investimento de R$ 2,4 bilhões e afirmou que o pior da crise ficou para trás e que suas vendas neste segundo semestre endossam as teses de que a economia está em trajetória de recuperação. “O Brasil voltou a ter uma chance de estabelecer um caminho para crescer de forma gradual e sustentável.”

DINHEIRO – Não é cedo para afirmar que a crise acabou?

PHILIPP SCHIEMER – Estamos cautelosos, mas otimistas. Pela primeira vez em mais de três anos, temos motivos para comemorar. O segundo semestre está mais aquecido do que o primeiro, num claro movimento de recuperação das vendas. Poderíamos fechar o ano com números bons, se esse reaquecimento tivesse começado mais cedo.

DINHEIRO – O crescimento é consistente?

SCHIEMER – Sim, mas gradual. Entre 2013 e a primeira metade de 2017, o setor de caminhões viveu uma das fases mais dramáticas da história. As vendas acumularam uma queda de cerca de 70%. As quedas de alguns setores importantes da economia puxaram para baixo nosso setor também. Agora que toda a economia começa a se recuperar, recuperamos junto.

DINHEIRO – Mas alguns setores, como o agronegócio, conseguiram se segurar na crise

SCHIEMER – A agricultura tem apresentado um desempenho muito positivo, sim. Além disso, as empresas do agronegócio conseguiram, graças a uma situação financeira melhor, preservar seu acesso ao crédito. O mercado de caminhões é muito dependente do crédito. Os bancos só emprestam para quem comprova condições de pagar. A combinação de bom desempenho do setor e a bom acesso a financiamento mantém o agronegócio com perspectivas muito otimistas.

DINHEIRO – O agronegócio não tem sido o único, certo?

SCHIEMER – Sim, o setor de logística também dá sinais de recuperação. Temos percebido uma alta de cerca de 25% nos negócios para essa atividade. Além disso, acredito que 2018 será o ano do início da recuperação da construção civil, uma indústria que demanda investimentos em veículos pesados e extrapesados. Há no horizonte também boas perspectivas para a renovação das frotas urbanas de ônibus, as frotas rodoviárias e até de ônibus escolares. Estamos observando com atenção cada um deles para poder suprir as demandas específicas de cada atividade.

DINHEIRO – Além da queda nas vendas, como a crise afetou os números da operação brasileira?

SCHIEMER – O volume de vendas despencou, mas conseguimos avançar em participação de mercado. Em 2013, quando a crise começou para valer, a Mercedes-Benz respondia por 19% das vendas nacionais. Neste ano, nosso market share está em 25,4%. Outro bom indicador é o volume de emplacamentos diários, que cresce mês a mês. A nossa média em outubro está maior do que a média registrada em setembro. A recuperação é gradual, mas está acontecendo.
Declaração de Philipp Schiemer sobre a política económica conduzida por Henrique Meirelles, ministro da Fazenda (Crédito:José Cruz/Agência Brasil )
DINHEIRO – Quais são os indicadores macroeconômicos que sustentam esse otimismo?

SCHIEMER – Acredito que a estabilidade do câmbio é um sinal de que a economia está no caminho certo. Quando há pouca variação do dólar, é possível ter mais previsibilidade e, consequentemente, isso ajuda a restaurar a confiança. Somos sempre cautelosos, mas não temos dúvidas de que o crescimento do setor de caminhões em 2018 será impulsionado pela combinação positiva dos fatores macroeconômicos.

DINHEIRO – A crise não gerou um trauma nas empresas?

SCHIEMER – Se a confiança voltar, as empresas voltam a investir. O potencial do Brasil é enorme. O caminho da recuperação não está andado, mas estamos na rota certa.

DINHEIRO – Mas, para compensar a queda interna, o setor apostou na exportação. A Mercedes fez isso?

SCHIEMER – As exportações aceleraram 25,9% no acumulado deste ano. É um resultado muito bom. A Argentina tem nos surpreendido, com um aumento significativo das compras. Lá, a economia ainda tem grandes desafios pela frente, mas está no caminho certo. Houve estabilidade nos últimos dois anos. Estamos com boas exportações também para Chile, Peru, Colômbia e Equador. Vamos exportar motores M460 para a Alemanha. Enfim, precisamos ser competitivos não apenas no Brasil, mas também lá fora. Temos concorrentes muito fortes, como a China e a Índia, e há grandes oportunidades no mercado internacional.

DINHEIRO – O que é preciso fazer para resgatar a confiança?

SCHIEMER – A gente tem que comprar a ideia das reformas para crescer de verdade. O Brasil voltou a ter uma chance de estabelecer um caminho para crescer de forma sustentável.

DINHEIRO – Mas os investidores levarão tempo para se convencerem de que o Brasil é um bom local para investir…

SCHIEMER – O investidor internacional só coloca dinheiro em alguma empresa brasileira se ele tem confiança de as contas serão pagas. Por isso, as reformas são essenciais para criar um ambiente de confiança no futuro. Nesse contexto, os juros precisam cair. Com uma Selic alta, o investimento deixa de ser atrativo. É melhor deixar o dinheiro render em títulos do governo, sem nenhum trabalho e quase nenhum risco. Quando a Selic cair mais, o dinheiro que está parado em papéis entra na economia para reativar a produção e o consumo.
Construção de edifícios comerciais em São Paulo (Crédito:iStock)
DINHEIRO – Os novos investimentos da Mercedes-Benz simbolizam esse movimento?

SCHIEMER – Com certeza. Conseguimos aprovar junto ao board da Mercedes, na Alemanha, um investimento de R$ 2,4 bilhões para o período de 2018 e 2022. Esse dinheiro, complementar aos R$ 750 milhões do ciclo 2015 e 2018, será direcionado à modernização das fábricas em São Bernardo do Campo e em Juiz de Fora, em Minas Gerais, além de lançamento de novos produtos. Entre 2010 e 2015, já havíamos investido outros R$ 2,5 bilhões. Está muito claro na cabeça de todos nós que não adianta termos as melhores fábricas, se não temos os melhores produtos. Temos de ter classe mundial em processos de produção e produtos.

DINHEIRO – A fábrica de São Bernardo está defasada em termos tecnológicos e de produtividade?

SCHIEMER – A unidade de São Bernardo, com 7.700 funcionários, já é considerada uma das mais modernas da Mercedes-Benz no mundo, mas há o que melhorar. A unidade foi inaugurada em uma época em que o País não oferecia uma cadeia completa de fornecedores. Por isso, muitas partes do caminhão, além do nosso ‘core business’ eixo, motor e câmbio, era produzida internamente. Hoje, não faz mais sentido. Tínhamos 56 armazéns. Agora, unificamos para apenas 6. Com a implementação de várias mudanças, desde o início da crise, aumentamos em 15% nossa produtividade em São Bernardo.

DINHEIRO – Está nos planos antecipar a produção de motores Euro 6 no Brasil?

SCHIEMER – Não adianta ter o Euro 6 (a mais rígida norma europeia de emissão de poluentes), se metade da frota brasileira é ‘Euro Zero’. O custo de se trazer esse motor será pago por todos, e não acho que seja o momento mais apropriado para fazer isso.

DINHEIRO – A reclamação do setor, nos últimos anos, não foi exagerada?

SCHIEMER – Nós todos reclamamos muito nos últimos anos, é verdade. Mas não era uma reclamação sem causa. Havia problemas reais que resultaram na maior recessão de todos os tempos. Mas, agora que enxergamos que o caminho está correto, precisamos falar e demonstrar confiança.

DINHEIRO – E se o País der marcha à ré?

SCHIEMER – Existem riscos, é claro. Não há garantias de que a recuperação será real pelos próximos anos. Mas existe uma postura de clareza da equipe econômica. O déficit fiscal é conhecido. O plano de reação também é amplamente divulgado. A caixa preta do governo foi aberta e, mesmo que os números não sejam aqueles que gostaríamos, o jogo é mais claro e aberto.


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