Empresas como Google, Mercado Livre, Facebook, Paypal, Samsung e Alibaba tomam de assalto mercado de pagamentos e começam a incomodar as empresas tradicionais da área
Há pouco mais de cinco meses, executivos do Google procuraram
empresas de comércio eletrônico no Brasil. Buscavam parceiros para fazer
a estreia mundial de uma solução de pagamento. Na segunda-feira 23, o
movimento foi concretizado. A rede varejista Magazine Luiza, o
aplicativo de entrega de comida iFood, o site de viagens Hotel Urbano e o
portal de ofertas e de cupons Peixe Urbano fazem parte de um seleto
grupo que deu o pontapé inicial no recurso “Pagar com Google”. Trata-se
de um botão que aparece no final da compra. Ao clicar nele, o consumidor
que tem um cartão de crédito associado a uma das plataformas da
companhia de Mountain View, como Google Play ou YouTube, paga sua compra
de forma simples. Se não tem, basta cadastrá-lo e não precisa digitar
mais nada. “Em poucos dias, 4% das nossas compras foram realizadas com o
botão do Google”, afirma Marcelo Zeferino, responsável pela área de
produtos de mobilidade do Peixe Urbano.
O Google não é uma exceção entre as empresas de tecnologia. Ao
contrário. Nesse caso, a inovadora companhia fundada pelos americanos
Larry Page e Sergei Brin é praticamente uma retardatária. Seus pares do
Vale do Silício estão anos à frente. A PayPal, fundada por Elon Musk, é a
pioneira nessa área. No fim dos anos 1990, ela criou um meio de
pagamento digital, tornando-se a primeira fintech do planeta, época em
que o termo nem sequer existia. Hoje, está em mais de 200 países e conta
com 218 milhões de contas ativas – apenas 3 milhões delas no Brasil.
Depois da PayPal, muitas se aventuraram pelos serviços financeiros. A
Apple, de Tim Cook, conta com o Apple Pay. A Samsung criou recurso
similar ao da empresa da maçã para equipar seus smartphones. A Amazon
desenvolveu o Amazon Pay.
O Facebook, de Mark Zuckerberg, está testando transferência de
dinheiro pelos aplicativos de mensagens Messenger e WhatsApp. O gigante
varejista chinês Alibaba é dono do Alipay, que alcançou incríveis 400
milhões de consumidores registrados e realiza 175 milhões de transações
por dia. O PagSeguro, do UOL, apostou em uma máquina para transações com
cartões que já rivaliza com Cielo e Rede, as duas maiores empresas
dessa área. E, por fim, o latino-americano Mercado Livre conquistou 191
milhões de consumidores com o Mercado Pago. No segundo trimestre deste
ano, sua solução de pagamento digital movimentou US$ 3,1 bilhões. “O
Mercado Pago poderá ser ainda maior do que o Mercado Livre”, afirmou
Stelleo Tolda, cofundador do Mercado Livre, em entrevista ao programa
MOEDA FORTE, na TV DINHEIRO (assista ao vídeo abaixo).
Essas soluções de pagamentos estão crescendo porque não estão
restritas ao seu próprio ambiente digital. Elas são aceitas pelos mais
diversos varejistas. O Mercado Pago, por exemplo, é aceito no Mercado
Livre, mas diversos varejistas a usam também em seus sites de comércio
eletrônico. Em São Paulo, quem paga a Zona Azul pelo aplicativo Zul
Digital nem percebe que está usando o meio de pagamento do maior
marketplace da América Latina. Mas isso, de forma isolada, não explica o
avanço das empresas de tecnologia na seara dos serviços financeiros. A
pesquisa Millennials Disruption Index, realizada pela consultoria
americana Scratch com mais de dez mil americanos, dá uma série de
pistas.
De acordo com ela, 71% dos jovens que nasceram a partir de 1985 preferem ir ao dentista a uma agência bancária.
Mais: 73% deles gostariam de gerenciar seus serviços financeiros no
Google, Amazon, Apple e PayPal. Não bastasse isso, quando os millennials
tentam abrir uma conta em um banco tradicional, boa parte deles é
rejeitado. “As pessoas mais jovens têm mais confiança em marcas de
tecnologia do que nos bancos”, afirma Marcelo Coutinho, coordenador do
mestrado profissional da FGV, em São Paulo. “Em um mundo movido a dados,
essas marcas saem na frente para gerenciar diversas peças da vida dos
consumidores e as transações financeiras são apenas um desses aspectos.”
O que se observa, neste momento, são apenas os primeiros passos
desses titãs do setor de tecnologia no mercado brasileiro. “Esse é um
movimento muito mais interessante do que o da moeda virtual Bitcoin”,
diz Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e conselheiro da
Nubank, uma fintech que tem um cartão de crédito roxo e está lançando um
conta corrente digital (saiba mais aqui).
O Google, por exemplo, deve trazer para o Brasil o Android Pay, seu
aplicativo que permite pagamentos com o smartphone. Segundo DINHEIRO
apurou, o recurso estará disponível até o fim deste ano. A Apple deve
lançar o Apple Pay em 2018.
Os dois são rivais do Samsung Pay, que está no Brasil desde meados do
ano passado e funciona em 15 smartphones da fabricante coreana de
celulares. De forma resumida, os três recursos permitem que um celular
se transforme em um cartão de crédito apenas aproximando-o das
tradicionais maquininhas de pagamento. “Mais de 90% dessas máquinas
aceitam o Samsung Pay”, afirma Renato Citrini, gerente-sênior de
produtos área de dispositivos móveis da Samsung Brasil. A chegada do
Android Pay e do Apple Pay não deve ser a única novidade nessa área nos
próximos meses.
Assim como fez as varejistas Amazon, Alibaba e Mercado Livre, o
Magazine Luiza estuda também entrar na área de pagamentos digitais.
Durante uma apresentação em São Paulo, em meados de outubro, o
presidente da rede varejista, Frederico Trajano, mostrou uma tela em que
dava pistas de como ele enxergava a evolução do marketplace da
companhia, que já conta com 500 vendedores e um milhão de itens a venda.
Entre as novidades que ele prevê que entrarão no ar em 2018 estão a
integração de seus parceiros de vendas com as lojas físicas, o
gerenciamento de inventário de terceiros e um meio de pagamento próprio.
Trajano não quis dar detalhes sobre esses planos ao fim da palestra.
CARTEIRA DIGITAL A batalha dos pagamentos digitais
conta com um protagonista: o smartphone. Ele deve ser a carteira digital
do século 21. O celular, não há dúvida, é a aposta de quase todos os
atores desse mercado, em especial Apple e Samsung, que fabricam os
aparelhos, e do Google, que desenvolve o sistema operacional Android.
Mas, no caso da Paypal, é quase que uma religião. “O celular é o futuro
dos meios de pagamentos”, afirma Paula Paschoal, diretora geral da
PayPal no Brasil. A companhia joga todas as fichas no aparelho,
reforçando parcerias com varejistas tradicionais e online. No Brasil,
quem abastece o carro em postos Shell pode pagar o combustível com o
smartphone desde que tenha uma conta PayPal. É fácil pagar um táxi
usando os aplicativos Uber, 99 e Cabify, se for usuário do aplicativo da
companhia americana, que vale U$ 85,7 bilhões na Nasdaq, bolsa
eletrônica na qual são comercializadas as principais ações de empresas
de internet e tecnologia.
Mas não pense que tudo se resume ao celular. Os banqueiros
tecnológicos também estão incomodando nichos tradicionais, como o dos
adquirentes, nome dado às empresas que vendem os equipamentos e realizam
as transações de pagamentos nos pontos de vendas. Quem está se saindo
bem nessa batalha é o PagSeguro, do UOL, dono da máquina que batizou de
Moderninha. Um levantamento realizado pelo banco de investimento UBS com
70 pequenos varejistas na cidade de São Paulo mostrou que a solução do
UOL está ganhando tração. Ela foi citada por 24% das empresas
entrevistadas, ficando atrás apenas de Cielo e Rede. “O preço virou a
prioridade número um nesse mercado”, afirma Frederic De Mariz, diretor
executivo de análise de empresas financeiras do UBS. A vantagem do
PagSeguro sobre seus rivais tradicionais é seu modelo de negócio. Ele
vende a Moderninha, em vez de alugar. O Mercado Livre também tem
avançado bastante nessa área, desde que lançou o equipamento batizado de
Point, em 2015. “Se fôssemos uma adquirente, o Mercado Pago estaria
entre as seis principais do Brasil”, afirma Túlio Oliveira, diretor do
Mercado Pago no Brasil.
Apesar de competirem entre si, a cooperação é a regra do jogo em
muitos casos. Tome como exemplo do Facebook. Neste mês, a rede social de
Mark Zuckerberg começou a testar a transferência de dinheiro por meio
do aplicativo Messenger em parceria com a PayPal. A bandeira de cartão
de crédito Mastercard criou sua carteira virtual batizada de MasterPass,
mas fez acordo com Google e Samsung para oferecer suas soluções de
pagamentos aos usuários dos Estados Unidos. “Trata-se de uma relação
benéfica a todos os atores do ecossistema de pagamentos digitais”,
afirma João Pedro Paro Neto, CEO da Mastercard no Brasil e no Cone Sul. A
Visa, que lançou seu programa batizado de Checkout no Brasil em 2015,
acredita também que os competidores apenas ajudam a desenvolver o setor.
“Vale lembrar que dentro do Pagar com Google, o consumidor poderá usar o
cartão Visa”, diz Percival Jatobá, vice-presidente de produtos da Visa
no Brasil.
É difícil imaginar essas empresas substituindo os bancos tradicionais
no curto e médio prazo. Mas assim como boa parte das fintechs, elas têm
potencial de ganhar espaço no mercado financeiro. Um relatório de 45
páginas do banco de investimento Goldman Sachs estima que as empresas de
tecnologia de serviços financeiros brasileiras podem gerar uma receita
conjunta de US$ 24 bilhões nos próximos 10 anos. “Acreditamos que as fintechs podem ter um grande impacto Brasil, muito maior do que em outros mercados desenvolvidos”,
diz um trecho do texto, escrito pelos analistas Carlos Macedo, Marcelo
Cintra, Steven Goncalves e Nelson Catala. Muitas vezes, o valor gerado
pelos serviços de Google e Facebook não pode ser medido apenas pelas
taxas que são cobradas nas transações.
O Pagar com Google, por exemplo, é gratuito. “Ele não nos cobra
nada”, confirma João Ricardo Mendes, fundador e CEO do Hotel Urbano.
“Sua grande vantagem é que o usuário consegue concluir a compra com
apenas um clique.” Seria ingênuo imaginar que esse clique está saindo de
graça. Com o recurso, o Google passa a deter dados de comportamento
desses usuários, como os lugares que gostam de comprar, os itens que
adquirem e seus gastos médios. Na era do Big Data, essas informações são
tão valiosas como o petróleo no século 20. É com elas que os banqueiros
tecnológicos vão fazer tanto dinheiro quanto os banqueiros de tijolo e
argamassa.
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