Por 
                                  Maria Luíza Filgueiras, Ana Paula Ragazzi                              
              
(Heudes Regis/Revista EXAME)
 
São Paulo – Às vésperas do carnaval, a cervejaria 
Ambev
 instalou uma roda-gigante numa praça da zona oeste de São Paulo, um 
tobogã não menos gigante numa das mais movimentadas avenidas de Belo 
Horizonte e roubou a cena como 
cerveja
 oficial na Bahia depois de três anos de reinado da concorrência. Todo 
esse aparato leva a marca Skol, carro-chefe da empresa no Brasil e que 
responde por quase 5% de todo o volume de cerveja vendido no mundo.
 
No Rio de Janeiro, onde a marca principal da Ambev é a 
Antarctica, a empresa patrocina quase 400 blocos de rua. Parece a 
pujante Ambev de sempre, desfilando sua hegemonia no Carnaval. Mas por 
trás da agressividade típica da maior cervejaria brasileira esconde-se 
uma fraqueza. No terceiro trimestre do ano passado, a companhia teve a 
pior margem de lucro em 12 anos, o volume de cervejas vendido voltou ao 
patamar de 2009 e a empresa avisou que não cumpriria a meta de fechar o 
ano com o mesmo faturamento de 2015.
Pela primeira vez em mais de cinco anos, a Ambev não conseguiu reajustar os preços em linha com a 
inflação,
 e a companhia, que chegou a ser a terceira mais rentável das Américas, 
caiu para o 22o lugar no ranking. Com sua (ainda monumental) 
participação de 
 em queda, a Ambev terá agora de enfrentar um novo incômodo — sua maior 
concorrente no mercado global, a Heineken, assumiu a vice-liderança no 
Brasil ao comprar a Brasil Kirin, controlada pela japonesa Kirin 
Holdings, em fevereiro. Nunca, em suma, foi tão difícil ser a Ambev.
  
Falar de “má fase” na Ambev exige uma senhora relativização.
 No mundo, a AB InBev, controladora da Ambev, é líder de mercado com 31%
 de participação, fatia alcançada com a compra da SAB Miller no ano 
passado. A AB InBev sobra na turma. No Brasil, a Ambev tem 67% do 
mercado de cervejas. Sua rentabilidade caiu para longe do pico, quando 
mais da metade da receita virava lucro, mas continua acima dos 35% — 
melhor do que quase todas as empresas listadas na bolsa brasileira e do 
que as grandes cervejarias globais (a margem média é de 16%, segundo 
levantamento da empresa de análise Morningstar).
Mas a sucessão de notícias mostra que há algo de novo. A 
Ambev sempre foi a queridinha do mercado financeiro graças a anos 
consecutivos de valorizações expressivas das ações e resultados que 
mostravam uma inesgotável capacidade de espremer dinheiro daquela 
participação de mercado. Nos últimos 12 meses, enquanto o principal 
índice da bolsa subiu 64%, as ações da Ambev mal se mexeram. “Os 
investidores questionam qual será a taxa de crescimento ‘normalizada’ da
 Ambev no médio prazo”, escreve a analista Isabella Simonato, do Bank of
 America Merrill Lynch.
Uma das principais razões para a queda nos resultados e para
 o menor ânimo com a Ambev é a combinação de economia brasileira fraca 
com um mercado considerado maduro. Isso porque o consumo per capita de 
cerveja no Brasil hoje é de 68 litros, acima do consumido em mercados 
emergentes e da América Latina, como México (59), Colômbia (47), Peru 
(45) e Argentina (43), e mais próximo dos números registrados em países 
desenvolvidos, como Estados Unidos (77), Reino Unido (73) e Canadá (67).
Segundo o Bank of America, há uma preocupação entre os 
investidores em relação ao fato de os volumes consumidos de cerveja 
terem atingido seu pico em 2012 — um sinal de esgotamento. Em 
teleconferência com analistas, o diretor-geral da Ambev, Bernardo Paiva,
 admitiu que as vendas de cervejas populares estão mais fracas do que a 
empresa esperava. O cenário faz com que a disputa seja cada vez mais 
pelos mesmos clientes ou para tentar fazê-los migrar de cervejas mais 
baratas para cervejas mais caras.
Por isso, todas as cervejarias estão tentando fazer a mesma 
coisa. Esse é um fenômeno global, e a resposta da AB InBev tem sido 
sempre a mesma: comprar um 
concorrente.
 Implementar seu choque de gestão. Melhorar os resultados. Repetir. No 
Brasil, a Ambev não pode se dar a esse luxo, já que os órgãos antitruste
 não a deixam comprar ninguém. A empresa tem de se virar com o que tem.
 
Falta criatividade
 
Quando foi feita a fusão da Brahma com a Antarctica, em 
1999, a Ambev abocanhou 70% do mercado de cervejas no Brasil. De lá para
 cá, vem perdendo espaço lentamente. Na medida da consultoria Nielsen, 
feita por amostragem, a empresa tem 67% do mercado — mas, na medida do 
Sistema de Controle de Bebidas (Sicobe), da Receita Federal, que tem 
informações sobre tudo o que sai das fábricas e é preferido por alguns 
analistas, a companhia aparece com 60% do mercado, uma queda 
considerável nos últimos seis anos e seu menor patamar desde a fusão. “A
 avaliação da Nielsen não considera, por exemplo, as vendas em 
‘atacarejo’, um canal de vendas que se tornou importante hoje”, diz 
Rodrigo Furtado, analista da gestora de investimentos XP.
Na crise, quem mais ganhou espaço foi a brasileira 
Petrópolis, dona da marca Itaipava, que até agora ocupava a 
vice-liderança do mercado brasileiro com 12% de participação. A Brasil 
Kirin, dona da Schin, vinha em terceiro, com presença relevante no 
Nordeste; em quarto estava a holandesa Heineken. Em fevereiro, a 
Heineken comprou a Brasil Kirin das mãos dos japoneses e saltou de 9% 
para 19% (a compra ainda tem de ser aprovada pelo Cade, órgão federal 
antitruste).
É um cenário competitivo novo para a maior cervejaria 
brasileira. Diante desse quadro, a Ambev sofre com o que os analistas 
chamam de “comoditização” do setor de cerveja — fenômeno, aliás, para o 
qual a própria Ambev contribuiu decisivamente. Como o consumidor acha 
Skol, Brahma, Kaiser e Itaipava a mesmíssima coisa, acaba escolhendo a 
que estiver mais barata no ponto de venda. Sair desse enrosco requer 
criatividade, e a Ambev parece ainda estar no início de um processo de 
adaptação ao novo cenário.
Muito do que acontecerá daqui para a frente depende da 
estratégia da Heineken para sua anabolizada subsidiária brasileira. Nos 
últimos anos, enquanto perdia dinheiro no Brasil, a Kirin ficou 
conhecida por uma agressiva estratégia de preços, reforçando o cenário 
descrito no parágrafo anterior. No ano passado, a empresa reajustou o 
portfólio. A Eisenbahn, que era classificada como super premium, passou a
 concorrer um degrau abaixo com marcas como Stella Artois. A Devassa, 
que era premium, veio para a briga de marcas principais.
Para especialistas, a Heineken pode reverter essa mudança de
 portfólio para fortalecer as marcas, repetindo a estratégia que adota 
globalmente. Além disso, a Heineken pretende usar a força dos canais de 
venda da Kirin no Nordeste — a Schin é forte em vendas e marca na região
 — para fabricar e emplacar sua atual marca do segmento de entrada, a 
Amstel. Na distribuição, a Kirin tem a própria rede, enquanto a Heineken
 tem um acordo comercial com os distribuidores da Coca-Cola.
Adquirir uma rede própria pode fazer a diferença para a 
Heineken. “Uma operação própria de distribuição voltaria toda a atenção 
para a cerveja, em vez de compartilhar com os produtos da Coca, e 
poderia potencializar o negócio da Heineken”, diz Andrew Holland, 
analista de bebidas do banco francês Socié-té Générale. Na prática, isso
 significa que o vendedor não fica metade do tempo vendendo 
refrigerantes.
Os analistas são cautelosos para estimar os possíveis ganhos
 dessa mudança porque desconhecem os termos do contrato com a Coca-Cola —
 e, consequentemente, o tamanho da possível multa de rescisão. Com a 
Kirin, a Heineken dobra sua capacidade de produção no Brasil e o país 
passa a ser o principal mercado da empresa (até então, o maior país em 
volume para a Heineken era o México). Os executivos da Ambev e da 
Heineken não deram entrevista.
No curto prazo, no entanto, o impacto da fusão para a Ambev 
pode até ser positivo, pois os holandeses não têm fama de rasgadores de 
dinheiro. “A compra da Brasil Kirin pela Heineken deve levar a um 
ambiente mais racional de preços, o que beneficiaria a Ambev num 
primeiro momento”, diz Edward Mundy, analista da corretora americana 
Jefferies.
Em 2016, somente Brasil Kirin e Petrópolis conseguiram 
aumentar o volume vendido de cerveja no país, graças aos preços mais 
baixos das cervejas mais populares e ao reposicionamento de marcas 
premium. Segundo a corretora Evercore, a Schin chegou a ser vendida com 
desconto de 25% em relação aos itens da mesma da categoria da Ambev, 
diferença que não costuma passar de 10% (a Kirin nega que faça guerra de
 preços e diz que o preço médio por litro de seu portfólio aumentou).
Para reduzir seus custos e oferecer um produto mais barato 
sem ficar refém da concorrência, a Ambev tem adotado como principal 
estratégia tentar fazer com que o consumidor retome um velho hábito da 
década de 80: há dois anos a empresa vem ampliando a distribuição de 
garrafas de vidro retornáveis. Depois de comprar o frasco uma vez, o 
cliente o devolve ao supermercado e paga menos pela nova garrafa.
Na teoria, esse modelo também tende a favorecer as margens 
da empresa, que gasta menos com embalagens (o alumínio das latas 
responde por cerca de 20% dos custos da Ambev). Mas na prática não tem 
sido tão fácil. Como leva tempo para que os consumidores adotem o hábito
 de levar as garrafas ao supermercado, o preço precisa ser mais atraente
 — hoje, a diferença de preço é de cerca de 30% entre as latas de Skol e
 garrafas retornáveis da própria marca em grandes supermercados.
Mas, em estabelecimentos menores, as concorrentes 
contra-atacam reduzindo o preço das latas de Amstel, da Heineken, e 
Itaipava, da Petrópolis. Aí a diferença de preço cai para apenas 7%. 
“Por que esse consumidor se daria ao trabalho de trocar pelo retornável 
se a diferença de preços é tão pequena?”, diz o veterano analista Carlos
 Laboy, do banco HSBC, que classificou um encontro recente com a 
administração da Ambev como o “mais desanimador em 25 anos”. Segundo 
ele, essa estratégia traz desafios logísticos.
Em visita a lojas, Laboy diz ter encontrado caixas de 
garrafas cheias ao lado de garrafas vazias, que estavam sujas. “Isso não
 ajuda a imagem de uma empresa líder nem dá ao consumidor o desejo de 
comprar o produto”, afirma. As garrafas retornáveis são a principal 
estratégia da Ambev para suas vendas em supermercados, que respondem por
 cerca de 40% de seu volume e onde a empresa mais tem sofrido (a 
liderança em restaurantes e bares sofre menos ameaça).
Hoje, as retornáveis  respondem por 25% do volume de vendas 
em supermercados e, nas projeções de analistas, podem chegar a 40%. A 
estimativa é que a estratégia reduza o custo final do produto para a 
empresa em pelo menos 30%. Mas isso ainda não aconteceu e a estratégia 
está pesando sobre o crescimento de receita.
“Quase cerveja”
 
Para depender menos de um mercado tão competitivo, a Ambev 
tem diversificado suas frentes de atuação. Nos últimos dois anos, a 
empresa adquiriu duas marcas de cervejas artesanais — a mineira Wäls e a
 paulistana Colorado. À medida que o mercado de consumo fica mais 
maduro, esse tipo de cerveja ganha espaço. Atualmente responde por 10% 
do volume total no Brasil, o triplo de dez anos atrás. Outra aposta da 
empresa é o que ela classifica de near beer, ou “quase cerveja”. São 
bebidas como a Skol Beats Spirit, mistura de cerveja com suco de limão e
 de maçã. Quanto menos cerveja, mais rentável o produto.
Lançado há três anos, o segmento responde por 2% do volume 
de vendas. Há dois anos, a empresa iniciou no Brasil a ZX Ventures, uma 
aceleradora de ideias, para estudar novos produtos e adequá-los ao gosto
 do consumidor. Saiu da ZX Ventures brasileira o serviço de pedido de 
cerveja gelada para entrega em casa em até 1 hora, que usa a rede de 
parceiros (supermercados, bares, padarias).
No ano passado, a Ambev entrou no segmento de sucos 
naturais, com a aquisição da fabricante carioca Do Bem, e em 2017 vai 
lançar uma marca de água mineral. Outra aposta de Bernardo Paiva é 
aumentar a venda de cervejas sem álcool — de 1% para 20% das vendas no 
país em oito anos. Para os especialistas, desde a fusão, a Ambev nunca 
precisou tirar tantas ideias da cartola quanto hoje. Os investidores, de
 forma geral, continuam acreditando na capacidade de gestão da companhia
 — mesmo com a estagnação recente, a Ambev ainda é a maior empresa do 
país em valor de mercado. Num país com tantas companhias encalacradas em
 dívidas impagáveis, é até maldade descrever o momento vivido pela Ambev
 como uma crise. Mas que incomoda, incomoda.