Para Paulo Leme, ex-presidente do Goldman Sachs no Brasil, investidores desconsideram falta de habilidade política para aprovar reformas no Congresso
Ao preferir o candidato Jair Bolsonaro
(PSL) ao petista Fernando Haddad (PT), o mercado financeiro está
“grosseiramente subestimando os riscos futuros”, diz o economista Paulo
Leme, professor visitante na Universidade de Miami. Para ele, os
investidores estão desconsiderando a falta de habilidade política de
Bolsonaro, que deverá pesar na hora de aprovar reformas no Congresso.
O economista, ex-presidente do Goldman Sachs no Brasil, afirma que
ambos os candidatos são “péssimos” e a tendência é de deterioração ainda
maior do cenário econômico e político brasileiro. “Em resumo, eu
vendo”, diz, o economista, usando um jargão do mercado financeiro, que
faz referência à aposta de que os ativos vão se desvalorizar. A seguir,
trechos da entrevista.
Em abril, o sr. disse que a probabilidade de um candidato do
establishment ser eleito era de 60%. O que ocorreu que os 40%
prevaleceram?
O mesmo fenômeno que vimos nos EUA e no mundo inteiro. Os formadores
de opinião e de preços de mercado não estão conectados com a realidade
do País. O Brasil está dividido mais para a esquerda e para a direita do
que no centro. E foi nessa leitura que errei grosseiramente. Eu achava
que dois terços (da população) estavam no centro. Mas, na realidade, não
passa de 20%.
Não houve também uma confusão no mercado entre desejo e realidade?
Acho que sim. Uma coisa é o que você gostaria e outra é a realidade.
Mas houve um viés. Esse foi o passado. E o futuro será igual. O mercado
está precificando o Haddad como o cenário ruim e, goste ou não goste do
Bolsonaro, acha que ele não é tao ruim. Novamente o mercado está
grosseiramente subestimando os riscos futuros.
O que tem de ser feito no País de ajuste fiscal e reformas para
retomar crescimento e distribuição de renda precisa de habilidade
política, o que não vejo nesse candidato. Espero estar errado. O mercado
está recaindo em um novo erro ao subestimar a dificuldade de governar,
da mesma maneira que superestimou o PIB no começo do ano, superestimou a
chance do centro ganhar as eleições e de ter um candidato reformista.
Haddad seria uma opção melhor? Teria capacidade política e interesse em reformas?
Não estou dizendo que seria melhor. O mercado está achando que
Bolsonaro seria melhor que Haddad. Eles são péssimos, cada um por suas
razões.
Há quem veja o Haddad como um petista moderado…
Acho difícil. Acho que serão as mesmas pessoas (dos governos petistas
anteriores) fazendo as mesmas coisas e com resultados piores, porque o
País está em condições piores.
Há então uma responsabilidade dos políticos de centro, que não se uniram para lançar uma candidatura competitiva?
Acho que há uma desconexão. As lideranças não fizeram as escolhas
acertadas, não só de candidatos como também de coalizões. Há também a
questão de que a correia de transmissão está quebrada. Não há formações
de novos líderes na velocidade suficiente para preencher esse vácuo
deixado penosamente pela Operação Lava Jato.
O sr. está pessimista com os dois candidatos com maior intenção de votos. Acha que a situação vai se deteriorar ainda mais?
Em resumo, eu vendo. Dados os desafios, que são enormes, e que existe
uma dificuldade de representatividade política, vai ser uma surpresa
para mim, se der certo.
O sr. já falou da necessidade de se fazer ajuste fiscal, mas cuidando do crescimento. Como o novo governo pode fazer isso?
O equilíbrio fiscal tem de ser (buscado) muito rápido e com corte de gastos. Não tem mais ajuste gradual viável.
Com aumento de imposto também?
Tem de ser muito mais na parte de corte de gastos, de subsídios, de
transferências. Você vai preencher o outro lado (de receitas) via
crescimento da economia. Tem de cuidar de toda a parte estrutural para
aumentar a produtividade, o investimento e o consumo privado. Pelo lado
da produtividade, você pode fazer no dia zero: cortar barreiras
alfandegárias. Isso barateia importação de máquinas.
Tem de ter uma reforma bancária abrangente para aumentar o volume de
crédito e reduzir o seu custo. Vai ter de atacar um problema grave de
falta de concorrência do setor privado brasileiro. Por último, tem de
ter um esforço em mecanismos que atraiam segurança jurídica,
regulatória, investimento privado estrangeiro para um grande aumento de
obras de infraestrutura, para poder estimular investimento.
Na Argentina, quando Macri chegou ao poder, o mercado comemorou. O
projeto dele era estabilizar a economia para atrair investimento
estrangeiro, que não chegou. Isso pode ocorrer aqui? A Argentina é um
excelente exemplo de que só papo não cola. Lá, não teve ajuste fiscal
nenhum. Ele não fez absolutamente nada do que prometeu. O setor privado,
o investidor estrangeiro, vai querer ver para crer, não o contrário.
As
informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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