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A
primeira delação de executivos, funcionários e acionistas da Odebrecht
(entre as mais de 70 que os empregados da empresa prometeram) já
estremeceu o governo de Michel Temer, uma vez que acusa o presidente de
pedir e receber R$ 10 milhões. Outros tantos teriam sido distribuídos a
partidos e políticos, sendo que pelo menos R$ 17 milhões com um objetivo
específico: comprar a aprovação de leis e medidas provisórias.
Tudo
ainda está no campo da acusação. As denúncias feitas pelo delator da
vez na operação "lava jato", Claudio Melo Filho, ex-diretor de relações
institucionais da Odebrecht, ainda precisam ser apuradas, apresentadas à
Justiça e devidamente julgadas, para que tenham algum efeito legal. Mas
se forem confirmadas, pelo menos 15 MPs, projetos de lei e resoluções
do Senado têm claro vício de iniciativa. Com isso, podem ser anulados,
ou ter seus efeitos declarados nulos, afirmam especialistas ouvidos pela
ConJur.
As explicações de Melo Filho sobre os
bastidores do Congresso são explícitas. Ao falar de sua relação com o
senador Romero Jucá (PMDB-PE), ex-ministro do Planejamento, afirma: “Eu e
o senador tínhamos a convicção de que os apoios aos pleitos da empresa
seriam posteriormente equacionados no valor estabelecido para
contribuição a pretexto de campanha eleitoral, fosse ela realizada de
forma oficial ou via caixa 2”. E complementa que já participou de tantos
pagamentos ao senador que, somados, superam R$ 22 milhões.
É com
Jucá que Melo Filho diz ter tratado da maioria dos projetos
legislativos, mas tendo no senador um intermediário para atingir outros
membros do partido e do governo, como o ex-ministro da Justiça e atual
presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL): “O fato de o senador
Romero Jucá representar também o senador Renan Calheiros era tão notório
que, em uma oportunidade, procurei tratar com o senador Renan Calheiros
sobre um tema de interesse que já havia tratado antes com o senador
Jucá, e Renan Calheiros me interrompeu logo no início, afirmando já
estar ciente e garantindo que eu não me preocupasse”.
Também o
ex-presidente da Câmara dos Deputados, o deputado cassado Eduardo Cunha
(PMDB-RJ) é apontado como corrupto, recebendo para facilitar a
tramitação de projetos de interesse da construtora. O executivo lista
repasses de propinas que somam mais de R$ 10 milhões a Cunha e diz que
os pagamentos criavam uma “situação confortável” e seriam “um elemento
de atendimento às questões da Odebrecht”. “Utilizei, portanto, esta
força”, garante o executivo.
Normas citadas na delação | |
---|---|
MP 252/05 | |
MP 255/05 | |
MP 449/08 | |
MP 460/09 | |
MP 470/09 | |
MP 472/09 | |
MP 544/2011 | |
MP 563/12 | |
MP 579/12 | |
MP 613/2013 | |
MP 627/2013 | |
MP 651/14 | |
PLC 32/07 | |
PLC 6/09 | |
Projeto de Resolução do Senado 72/2010 |
As normas cuja tramitação teria sido azeitada com o
dinheiro da Odebrecht são listadas na delação. Da MP 627/2013, criada
por Dilma Rousseff, que alterou a tributação da pessoa jurídica
domiciliada no Brasil, com relação ao acréscimo patrimonial decorrente
de participação em lucros obtidos no exterior, ao Projeto de Lei da
Câmara 32/2007, que buscava alterar a Lei de Licitação (Lei 8.666/1993).
Veja o quadro ao lado.
Lupa necessária
Identificar todas as normas onde a corrupção teve impacto seria “o
mínimo exigível” para a anulação das leis, ressalta o constitucionalista
Eduardo Mendonça. Cumprida essa etapa, ele crê ser possível declarar inconstitucional a legislação em debate.
“Com
a confirmação de que a delação relata fatos verdadeiros, não tenho
dúvida em dizer que será necessário olhar essas leis debaixo de lupa. A
sociedade tem o direito de examinar isso com muito cuidado e atenção,
para tentar identificar qual pode ter sido o impacto desse lobby. E, no
limite, se ficar constatado que o lobby foi decisivo para a aprovação,
acho normal que se precise discutir se isso é um vício de formação na
lei que justifique uma declaração de inconstitucionalidade”, pondera
Mendonça.
Para o advogado Pedro Estevam Serrano,
professor de Direito Constitucional da PUC-SP, caso fique comprovado que
houve compra de Medidas Provisórias, elas deveriam ser anuladas. Para
efeito de comparação, argumenta que “se um presidente produz um decreto
com revolver na cabeça, o decreto é nulo. Uma MP nessa situação colocada
na delação é nula e está contaminado pela ilegalidade”.
Sobre os
efeitos das MPs, Serrano afirma que se foram obtidos de boa-fé, devem
ser preservados pela segurança jurídica. Caso contrário, não. "O
corruptor que se beneficiou da corrupção precisa devolver tudo aquilo
que ganhou com o caso. Mas quem, de boa-fé, se beneficiou com uma lei
aprovada de forma ilegal, não pode ser punido. Cada caso vai ter que ser
analisado, para ver se o que prevalece é legalidade ou segurança
jurídica", afirma o professor.
Já Renato Ribeiro de Almeida,
advogado e professor de Direito Constitucional e Eleitoral, pensa que
seria exagerado anular uma lei, já que isso colocaria os 513 deputados e
81 senadores sob suspeita. “As MPs, como se sabe, têm vigência
precária, de 60 dias, e podem ser prorrogadas uma única vez, por igual
período. Ou seja, coube ao Congresso Nacional emendar e deliberar sobre
o mérito”, lembra. Ele ainda acha que a anulação geraria ainda mais
insegurança jurídica e problemas ao mercado em recessão.
Pelo contexto que por enquanto se pode vislumbrar com a delação, o jurista Lenio Streck também
não vê condições de anulação de leis. "Para que se pudesse anular
alguma das leis, teríamos que fazer uma pesquisa empírica, espiolhando
todos os detalhes para comprovar se a compra se efetivou, isto é, se a
compra foi condição de possibilidade de a lei ter sido aprovada. Pela
simples delação não é possível fazer uma espécie de "controle abstrato
de compra de voto". Além do mais, do mesmo modo que os atos de um juiz
que é demitido por demência não são nulos, do mesmo modo em tese os atos
do parlamento, nas circunstância em que se apresentam, também não o
são. Somente concretamente demonstrando. Lembro do escravo Barbarius
Phillipus, que foi nomeado pretor em Roma. Escravo não podia ser pretor.
Os atos dele foram nulos? Não. Já houve tentativa de anulação de
emenda constitucional em face do mensalão", disse.
Mensalão como precedente
O Supremo Tribunal Federal chegou a analisar uma questão semelhante
depois do julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão. Após
condenar membros do Partido dos Trabalhadores pela compra de apoio
político no Congresso, a corte foi provocada a analisar a possível
nulidade da Reforma da Previdência feita pelo governo petista.
O Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL), a Confederação dos Servidores Públicos
do Brasil (CSPB), a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil
(Adepol) e associações de juízes
ajuizaram Ações Diretas de Inconstitucionalidade no nas quais pediam
que fosse declarada a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional
41/2003 (da reforma).
“Os 108 votos obtidos dos partidos cujos
líderes foram condenados por corrupção passiva na Ação Penal 470, por
terem recebido dinheiro em troca de votar a favor dos interesses do
governo, se revelaram essenciais para a aprovação da PEC 40/2003, no
primeiro turno de votação”, afirmava a ação do PSol.
A
Procuradoria-Geral da República, ao se manifestar sobre o caso, afirmou
que se há a comprovação de que uma lei foi aprovada com uso de
corrupção, o STF deve, sim, declará-la inconstitucional. No entanto, ao
levar em conta apenas os votos dos condenados no mensalão, afirmou que o
número de parlamentares não seria suficiente para mudar o resultado da
votação.
As ações ainda tramitam no STF, sob relatoria da atual
presidente da corte, ministra Cármen Lúcia, e do vice-decano da corte,
ministro Marco Aurélio.
Clique aqui para ler a delação de Melo Filho, publicada pelos jornalistas Fernando Rodrigues e Fausto Macedo.
*Texto aletrado às 17h47 deste domingo (11/12) para acréscimo de informações.
http://www.conjur.com.br/2016-dez-11/compra-leis-citada-delacao-odebrecht-gera-inseguranca
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