quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Mais do que reunião de geeks, Comic Con se firma como um negócio

 

 

Evento deve reunir entre 180.000 e 200.000 pessoas em uma área de 150.000 metros no centro de exposições São Paulo Expo






Para aqueles que não estão dispostos a passar o dia andando com roupas pretas invocando a voz rouca de Darth Vader, ou com o corpo inteiro pintado de verde para criar um Hulk não tão incrível assim, a Comic Con Experience, que acontece a partir desta quinta-feira em São Paulo, pode parecer apenas uma estranha reunião de geeks com obsessões por quadrinhos e filmes de ficção científica. Mas os quatro dias de evento têm se mostrado um negócio cada dia mais promissor para a indústria do entretenimento no país.

A Comic Con deve reunir entre 180.000 e 200.000 pessoas em uma área de 150.000 metros no centro de exposições São Paulo Expo. Com um público desse tamanho, a Comic Con é a oportunidade ideal para estúdios, quadrinistas e marcas promoverem seus produtos. Este ano, entre os 150 expositores da feira, estarão os famosos estúdios americanos Warner, Disney, Sony e Universal, o canal HBO e o serviço de streaming de vídeos Netflix. Para atrair o público, esses expositores promovem palestras com a participação de atores como Natalie Dormer (Game of Thrones e Jogos Vorazes), Neil Patrick Harris (How I met your Mother), Vin Diesel (Triplo X e Velozes e Furiosos) e Milla Jovovich (Resident Evil).

O evento também conta com um espaço para os quadrinhos. No espaço Artists’ Alley, mais de 460 artistas lançam e vendem suas HQs durante os quatro dias. Nomes consagrados do mundo dos quadrinhos também marcam presença com palestras e autógrafos. Entre eles estão o americano Frank Miller (autor de Batman: O cavaleiro das Trevas), o escocês Frank Quitely (de HQs como Novos X-Men e Batman & Robin) e o americano Arthur Adams (co-criador de histórias com ícones como Batman, Superman, Homem-Aranha, X-Men, Hulk e Godzilla).

A Comic Con também atrai um público disposto a comprar roupas e acessórios e produtos colecionáveis de super heróis. “No ano passado tivemos um espaço de 50 metros quadrados no evento e ficamos impressionados. Nunca tínhamos vendido tantas camisetas em um único dia. Assim que o evento terminou, já fechamos o contrato para participar este ano”, diz Filipe Rossetti da fabricante de camisetas Piticas.

Inspirado na tradicional Comic Con de San Diego, na Califórnia, o evento no Brasil em sua terceira edição já está entre os três maiores do mundo – juntamente com San Diego e Nova York. O sucesso brasileiro, os organizadores do evento, está no fato deles serem geeks assumidos que há anos frequentam Comic Cons organizadas no exterior. “Os eventos que existiam no Brasil até então eram nichados, ou sobre quadrinhos ou sobre filmes. A gente viu que dava pra unir consumo e público”, diz Ivan Costa, um dos sócios do evento brasileiro.

Os sete sócios do evento do Brasil vêm de três companhias: o site de cultura pop Omelete, a agência de quadrinistas Chiaroscuro Studios (da qual Costa faz parte) e a distribuidora de produtos colecionáveis PiziiToys. “Nós criamos a Comic Con que nós gostaríamos de participar”, diz Marcelo Forlani, um dos criadores do Omelete.

O rápido desenvolvimento da Comic Con no Brasil também está ligado ao fato de no país a indústria do entretenimento faturar quase 36 bilhões de dólares no país ( mais de 118 bi de reais), segundo a consultoria PWC. Os filmes hollywoodianos têm no Brasil uma de suas maiores bilheterias. Este ano, por exemplo, nos filmes Batman vs Superman e Capitão América: Guerra Civil, o Brasil esteve entre os cinco maiores países em faturamento. De acordo com estudo da PWC, o mercado aqui deve crescer mais do que no restante do mundo entre 2016 e 2020 – 6,4% ao ano até 2020, chegando a 48,7 bilhões de dólares.


Comic Cons pelo mundo


Índia, Filipinas e até a Romênia estão na lista de locais onde hoje existem eventos que carregam o nome Comic Con. Este ano, até o Vale do Silício teve sua primeira edição, criada pelo co-fundador da Apple Steve Wozniak, em San Jose, na California.

O primeiro encontro com o nome aconteceu entre um grupo de fãs e profissionais de quadrinhos em 1968 em um hotel em Birmingham, na Inglaterra. Alguns anos depois o formato chegou a San Diego e reuniu, em sua primeira edição, pouco mais de 300 pessoas. Hoje, há pelo menos 50 edições espalhadas pelo mundo que carregam o nome. Apesar disso, nenhum desses eventos é afiliado da Comic-Con de San Diego, realizada na cidade há 42 anos. A edição de San Diego detém os direitos da marca Comic-Com, com hífen. Já o nome Comic Con sem hífen é de domínio público e qualquer um pode usá-lo.

A maioria difere do evento em San Diego em um ponto principal: enquanto o evento original permanece sendo organizado por um pequeno grupo sem fins lucrativos, os demais têm receitas milionárias. O caso mais famoso é do grupo ReedPOP, responsável pela Comic Con de Nova York, Déli, Bangalore, Viena e Paris. Apenas com estes eventos, a companhia tem um faturamento estimado de 50 milhões de dólares por ano.

Apesar de não ter fins lucrativos, o evento de San Diego gera um impacto econômico de 150 milhões de dólares na cidade. Em média, cada um dos 130.000 participantes anuais gasta 600 dólares apenas no evento, totalizando 78 milhões de dólares.

“O evento se tornou tão grande que não tem mais para onde crescer em San Diego. Os hotéis ficam sempre lotados, os ingressos acabam em minutos. Estúdios e empresas realizam eventos gratuitos e paralelos à Comic Con pela cidade e muita gente que não consegue o ingresso vem para aproveitar essas outras atividades”, diz Rob Salkowitz, autor do livro Comic-Con and the Business of Pop Culture.

Originalmente um evento para fãs de quadrinhos, a Comic Con começou a angariar mais fãs no início dos anos 2000, quando Hollywood iniciou a grande produção de filmes baseados em quadrinhos, como o X-Men e Homem Aranha.

Hoje, a indústria dos quadrinhos vive seu melhor momento em 20 anos — as vendas físicas e digitais passaram de 1 bilhão de dólares no ano passado, crescendo 31% desde 2011. A popularidade das HQs ainda é alimentada pelo sucesso das adaptações para o cinema. Entre os títulos lançados este ano, Capitão América: Guerra Civil teve uma bilheteria de mais de 1,15 bilhões de dólares; Batman vs Superman arrecadou 873 milhões de dólares e Esquadrão Suicida teve receita de 746 milhões de dólares.

A dependência de todo um mercado em torno desses filmes levanta dúvidas sobre até onde sua expansão é sustentável. “Essa dependência [dos filmes] existe há quase 20 anos. Temos uma nova geração de consumidores vindo e os filmes parecem estar perdendo a qualidade em roteiro, são cópias atrás de cópias de uma mesma história. Se isso continuar, as pessoas vão parar de acompanhá-los”, diz Salkowitz.

“O mercado dos quadrinhos está mais forte do que nunca. Mas se os filmes falharem, alguns grandes eventos falharão em fazer o dinheiro que esperam. Não será possível atrair 150.000 pessoas por ano para uma Comic Con”, completa.

Qualquer sinal de que os filmes hollywoodianos já não tem a mesma eficiência em atrair o público afetaria em cheio a Comic Con brasileira, que tem como uma de suas atrações principais os atores americanos. “O mercado brasileiro ficou muito tempo só consumindo o que vinha de fora, faltava um incentivo para a produção. Isso aos poucos está mudando, prova disso é a série brasileira 3%, que estreou no Netflix”, diz Forlani, do site Omelete.

Para tentar fomentar o mercado nacional, a Comic Con realiza uma conferência nos dias 30 de novembro e 1 de dezembro. Com o nome CCXP Unlock o evento para 150 pessoas tem palestras sobre empreendedorismo no mercado de entretenimento com, por exemplo, produtores da Warner Bros, da série Supernatural e do filme 300. “A Comic Con ajudou a nos entender mais o potencial do mercado, quem é o nosso público. O CCXP Unlock quer ajudar a profissionalizar mais o mercado”, diz Ivan Costa.

Empolgados com o sucesso da Comic Con em São Paulo, os organizadores vão realizar em abril de 2017 uma edição do evento em Recife. “Será um teste. Estamos olhando vários mercados interessantes na América Latina”, diz Costa.



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