sexta-feira, 1 de março de 2013

SE NÃO TEMOS MÃO DE OBRA, TEMOS QUE IMPORTÁ-LA

O presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), Luis Alberto Moreno, disse à BBC Brasil que os países latino-americanos carecem de mão de obra qualificada e devem estimular a imigração de estrangeiros para alavancar seu crescimento econômico.

Moreno deu entrevista à BBC Brasil durante a última cúpula entre países latino-americanos, caribenhos e a União Europeia, no fim de janeiro, em Santiago do Chile. O ex-diplomata colombiano diz que a região tem sofrido com a defasagem de conhecimento em alguns setores.

“Se nós não temos mão de obra, temos que importá-la”, afirma. “Essa também é uma oportunidade para ganhar conhecimento e, como consequência, ter maior integração com países da Europa (origem provável da maioria dos futuros imigrantes)”.
Para Moreno, elevar a qualidade da mão de obra deve ser uma prioridade dos governos latino-americanos, assim como ampliar a integração regional, investir em infraestrutura e inovação. As ações, diz ele, são essenciais para que a região possa competir com as economias asiáticas.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil -Na América Latina, enquanto membros da Aliança do Pacífico, entre os quais México e Chile, vêm firmando acordos de livre comércio com os Estados Unidos e a União Europeia, o Mercosul tem adotado um modelo comercial mais fechado e voltado à região. Qual modelo é melhor?

Luis Alberto Moreno – É importante ter em conta que um país grande como o Brasil, que tem um comércio exterior pequeno como porcentagem de seu PIB, vai focar naturalmente seu mercado interno, que é muito grande. Os países menores, como Chile, Colômbia e Peru, têm que se voltar à exportação, têm que buscar mercados de outras partes.

É verdade que a construção do Mercosul é diferente da Aliança do Pacífico. Os países respondem a demandas do setor privado, e as diferenças nos dois blocos refletem as visões distintas de seus setores privados.

Na Aliança do Pacífico, esses setores estão pensando todos os dias em maneiras de ter uma integração em torno de cadeias de valor – essa é a mesma forma de integração da Ásia.

BBC Brasil -Existe margem para uma integração maior dentro do Mercosul, levando em conta as assimetrias entre seus membros?

Moreno – Os governos têm de tomar decisões fortes, sabendo que a integração é nossa oportunidade para crescer mais. Nos próximos cinco anos, o mundo não vai crescer tanto como antes.
Esse menor crescimento tem duas origens: um, a crise internacional; outro, a necessidade de que os países encarem reformas estruturais. Nossa possibilidade de conseguir maior crescimento é pela integração, que exige vontade política e também uma integração física muito maior.

BBC Brasil – Mas há crescente oposição de comunidades locais a grandes obras de integração física na América Latina.

Moreno – Isso pode fazer com que a integração física demore mais, mas não pode travá-la. Ela é uma necessidade que todos os países têm. E há também a necessidade de aumentar o investimento em infraestrutura.

No Brasil, a presidenta anunciou no ano passado investimentos de cerca de US$ 60 bilhões em parcerias publico-privadas. Todos os países estão procurando maneiras de acelerar os investimentos em infraesteutura, porque eles se traduzem em maior competitividade.

BBC Brasil -No Brasil, em resposta à crescente fragilidade da indústria, que não tem conseguido fazer frente à competição externa (especialmente asiática), o governo tem adotado políticas de isenção fiscal e barreiras a produtos importados. Qual o caminho para fortalecer a indústria sem viciá-la e considerando nossas desvantagens competitivas em relação à Ásia?

Moreno – Esse é um tema não só do Brasil, mas de toda a América Latina. A América Latina tem um risco relativamente baixo para investidores, mas o custo dos países é muito alto em comparação com o de países asiáticos.

Temos um problema muito grande de produtividade, que envolve custos de energia, telecomunicações, capital humano, qualidade de educação, treinamento técnico, investimentos em ciência e tecnologia, infraestrutura e inovação. Os nossos países têm que focar esses temas.

BBC Brasil –Isso implica uma participação maior do Estado na economia?

Moreno – Os investimentos em infraestrutura dependem do setor público, não importa o modelo. O mesmo vale para as decisões sobre educação e capacitação de mão de obra.
Começamos a ter uma defasagem de conhecimento em alguns setores. Nossa força de trabalho é insuficiente e deve haver uma resposta importante dos governos.

BBC Brasil – Estimular a imigração é um caminho?

Moreno – Se nós não temos mão de obra, temos que importá-la. O programa Brasil Braços Abertos (em elaboração pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência e que visa facilitar a entrada de mão de obra estrangeira qualificada) trata disso.

Essa também é uma oportunidade para ganhar conhecimento e, como consequência, ter maior integração com países da Europa. As pessoas que vêm da Europa para cá podem abrir empresas, criar novos laços entre as regiões.

No passado, a imigração foi boa para o Brasil, que tem gente do Japão, Alemanha, Itália… Ela criou o caldeirão cultural brasileiro.

BBC Brasil –Alguns analistas dizem que o modelo de bem-estar social que vem sendo adotado no Brasil, com crescentes gastos com programas de transferência de renda, tem engessado a capacidade do Estado de investir em outros setores. Há incompatibilidade entre esses tipos de investimento?

Moreno – É normal que haja essas tensões. Mas acredito que o crescimento deve ser inclusivo e beneficiar a maioria das pessoas. O Brasil tem grande sucesso nisso, com as milhões de pessoas que deixaram a pobreza extrema.

Hoje há uma grande discussão, que eu acompanho de fora, sobre como o Brasil se posicionará diante das reformas estruturais necessárias para que possa aumentar sua produtividade, e que implicam todas as reformas em áreas de capital humano, investimento em infraestrutura, inovação, e mercados laborais.

BBC Brasil – Alguns países têm se queixado do que consideram uma escalada protecionista na América do Sul. A premiê alemã, Angela Merkel, disse recentemente que Brasil e Argentina não podem adotar as mesmas políticas protecionistas que levaram o mundo à crise várias décadas atrás. A crítica procede?

Moreno – A escalada do protecionismo começa pelos países industrializados. O mais importante para nós, agora, é uma maior integração da América Latina. Essa é a grande pendência que temos.
João Fellet

(BBC Brasil – 23/02/2013)

Nenhum comentário:

Postar um comentário