REUTERS/Bruno Kelly
São Paulo – Em um processo marcado por controvérsias e questionamentos ao Supremo Tribunal Federal (STF), decisão do Senado de manter os direitos políticos de Dilma Rousseff (PT) mesmo após impeachment leva a crise política de volta para a mais alta corte do país.
Desde ontem, ao menos seis mandados de segurança pedindo
a anulação da segunda parte da votação do julgamento final da petista
foram protocolados no Supremo. A expectativa é de que PSDB, DEM e PMDB
entrem com outra ação nesta sexta (2).
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A princípio, o Senado faria apenas uma votação para determinar o
impeachment e a inabilitação de Dilma Rousseff, conforme previsto na
Constituição. No entanto, aliados da petista no Congresso entraram com
um pedido para fatiar a votação em duas — algo que foi acatado pelo
presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que presidiu o julgamento.
No total, 42 senadores votaram pela inabilitação política da
ex-presidente – eram necessários 54 votos para cassar os direitos
políticos dela.
Todos os pedidos protocolados até o momento partem do pressuposto de que
a decisão é inconstitucional e abre um pretexto perigoso no cenário
jurídico nacional.
A decisão pode ser anulada pelo STF?
Todo processo de impeachment é composto por um viés jurídico e outro
político. Mas, na prática, são as ações políticas que determinam o seu
resultado já que são os parlamentares que assumem o papel de juízes no
processo. Com isso, raramente o Supremo interfere nessas decisões
colegiadas.
“Em matéria de impeachment, o STF pode pouco porque assim quer a
Constituição, que confiou ao Senado e não ao STF o processo e o
julgamento do presidente da República na matéria”, disse ontem no
Twitter o ex-ministro da corte Joaquim Barbosa.
Seguindo essa lógica, segundo ele, é “dificílimo” que o STF reverta a
decisão de livrar Dilma da inabilitação dos direitos políticos. “O
raciocínio é simples: se o próprio Senado que a tirou brutalmente do
cargo, num segundo momento 'tirou o pé do acelerador'... irá o STF
cassar-lhe um direito que os senadores entenderam por bem preservar?",
escreveu.
De acordo com o professor Oscar Vilhena, da FGV Direito SP, indagação
semelhante se seguiu à sentença de impeachment do ex-presidente Fernando
Collor de Mello.
Antônio Ribeiro/Veja
Rosane e Fernando Collor de Mello, com a faixa presidencial, durante sua posse na Presidêndia da República.
Quando renunciou antes da votação final do Senado, Collor tinha o
objetivo de se livrar da segunda parte da pena por crimes de
responsabilidade: a inabilitação política. Para impedir isso, o Senado
de 1992 considerou que fim do mandato e direitos políticos eram penas
separadas. Por 71 votos a 8, os senadores determinaram a inabilitação
política de Collor por 8 anos.
Naquele momento, o STF também foi questionado, mas optou por manter a
sentença dos parlamentares. “O Supremo entendeu que a decisão do Senado é
soberana”, diz Vilhena. "Ainda que não pareça a opção mais acertada,
quem tem competência para dar a última palavra no julgamento do
impeachment é o Senado".
A decisão é inconstitucional?
Para Paulo Blair, professor de Direito Constitucional da Universidade
Brasília (UnB), a decisão dos senadores está em desacordo com a regra de
impeachment estabelecida na Constituição Federal.
De acordo com ele, o fim do mandato e a inabilitação política “não são
penas cumulativas, nem acessórias. Elas são o núcleo da mesma pena”,
afirma. Em outros termos, elas estariam vinculadas — uma não poderia ser
efetivada sem a outra.
“O sentido da norma é inequívoco, não é salutar para as instituições que
o sentido expresso da norma se dobre a vontades de qualquer natureza”,
afirma o advogado eleitoral Marlon Reis, um dos idealizadores da Lei
Ficha Limpa.
Essa interpretação, contudo, não é unânime no meio jurídico.
Em entrevista ao projeto História Oral,
da FGV, o ex-ministro do STF Sidney Sanches, que conduziu o julgamento
de Collor, relata que afirmou aos senadores que existiam duas
interpretações sobre o tema: uma que defende que as duas penas são
vinculadas e outra, que elas são autônomas. Ele, então, delegou ao
Senado a escolha por qual interpretação adotar no caso.
Na visão de Vilhena, da FGV, a mesma lógica serve para pautar o processo
mais recente. “De acordo com o precedente do próprio Senado, são [pena]
autônomas. Ele pode aplicar uma sem aplicar a outra”, diz.
A decisão pode salvar Cunha?
REUTERS/Adriano Machado
Deputado Eduardo Cunha durante sessão da CCJ da Câmara, em Brasília
Em um primeiro momento se questionou as reais intenções do Congresso
para abrandar pena de Dilma Rousseff. Questionou-se até se isso abriria
um precedente para livrar políticos com o mandato cassado da
inelegibilidade.
“Evidente que isso pode contribuir para outras decisões do Congresso em
que eventuais políticos que tenham seu mandato cassado reinvidiquem que
mantenham sua pena de suspensão de direitos aplicada. O Congresso vai
caso a caso decidir”, afirma Oscar Vilhena. “Isso é um problema”.
De acordo com os juristas, a sentença do Senado, no entanto, não esvazia
o efeito da Lei da Ficha
Limpa. “No caso da Ficha Limpa é uma
condenação que se dá no Judiciário”, afirma Vilhena. Não dependendo,
portanto, da sanção dos parlamentares.
Com isso, de acordo com Marlon Reis, a Ficha Limpa pode ser usada como
uma espécie de antídoto para impedir que parlamentares cassados ou
condenados voltem a se candidatar para cargos eletivos por até oito
anos.
“Se o deputado Eduardo Cunha for cassado, a medida de ineligibilidade
ocorre automaticamente sem depender da vontade dos congressistas, basta a
cassação. Não se trata de uma medida que se possa entender que eles
podem cassar e não permitir a que ele fique inelegível”, afirma Reis.
A Lei Ficha Limpa determina a inelegebilidade por oito anos de um
político que tiver o mandato cassado, renunciar para evitar a cassação
ou for condenado por decisão de órgão colegiado. O texto da norma, no
entanto, não versa sobre casos de impeachment. Por isso, coube ao Senado
reinterpretar a Constituição.
Na manhã de hoje, o presidente Michel Temer (PMDB) minimizou a decisão
do Senado de poupar Dilma Rousseff (PT) da pena de ficar longe de cargos
públicos por até oito anos. Segundo ele, isso seria apenas “ um pequeno
embaraço”.
Vale lembrar que a decisão — que contou com o apoio do presidente do
Senado, Renan Calheiros (PMDB) — foi pivô do primeiro estremecimento da
base de Michel Temer após o impeachment.
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