Desjudicialização de conflitos
Se
o Judiciário brasileiro já é um dos maiores do mundo em quantidade de
processos em trâmite, as causas envolvendo bancos e contratos bancários
têm grande papel nisso. De acordo com levantamento da professora Maria
Teresa Sadek, da USP, o Brasil hoje tem 106 milhões de ações em
andamento, das quais 35% dizem respeito a bancos. E cerca de 10% dos
casos novos são bancários.
Por isso, especialistas já estão quase
em consenso de que a solução para esse problema não pode ser judicial.
Os conflitos entre bancos e consumidores têm de ser resolvidos fora dos
tribunais, sem acionar um juiz para impor uma solução. O caminho
percorrido por Alemanha e Suíça, dois dos mercados bancários mais
desenvolvidos do mundo, foi a instituição de sistemas de mediação entre
consumidores e bancos. Nesses países, os mediadores são chamados de ombudsman.
De acordo com o professor Peter Sester, da Universidade Saint-Gallen, na Suíça, o sistema funciona muito bem em ambos os países. Nos dois sistemas, o ombudsman é uma ferramenta consensual: o consumidor, depois de ter uma reclamação formal não resolvida pelo banco, leva o seu caso ao ombudsman, que propõe uma solução.
Tanto
o banco quanto o cliente têm de concordar. Caso contrário, nada feito.
Em ambos os países, o sistema é gratuito para o consumidor. Quem o
mantém são os bancos, por meio de suas associações (a federação dos
bancos, no caso alemão, e a associação nacional de bancos, no caso
suíço).
E nos dois países, os ombudsman são pessoas não
relacionadas aos bancos. Na Alemanha, costumam ser juízes aposentados.
Na Suíça, advogados, professores de Direito ou economistas, desde que
não tenha relações com o mercado financeiro e nem com entidades de
defesa do consumidor.
“O modelo foi criado para essa grande massa
de casos que não têm um valor financeiro muito grande e nem discutem
questões juridicamente complexas”, explica o professor, em entrevista
exclusiva à ConJur. “É um modelo que de certa forma
protege a Justiça desses casos. Ao mesmo tempo, ele garante o
funcionamento e a eficiência do Judiciário e fornece um mecanismo mais
barato para resolver conflitos.”
O professor Peter Sester esteve no Brasil para apresentar seus estudos no Seminário Ombudsman como Forma de Desjudicialização dos Conflitos na Relação de Consumo,
promovido pelo Superior Tribunal de Justiça e pela FGV Projetos. O
evento foi organizado pela professora Juliana Loss, da FGV Direito Rio, e
pelo ministro Luís Felipe Salomão, do STJ.
Caso de sucesso
O modelo foi criado na Suíça em 1993, conta o professor. Segundo ele, 13 mil casos foram levados ao ombudsman
naquele país, dos quais, 96% resultaram em acordo, uma média que se
mantém. Na Alemanha, a cifra cai para 40%. Isso porque, segundo Sester, a
Suíça não tem a mesma tradição de litigância que a Alemanha. Prova
disso é que 46% dos casos decididos por mediação na Suíça duram menos de
um mês e 44% duram até seis meses. Na Alemanha, a média é de seis
meses.
Justiça cara
Uma das razões de o ombudsman ter funcionado nos dois países,
explica Sester, é o custo de se processar alguém e o risco que se corre
ao entrar na Justiça. No tribunal de Zurique, por exemplo, em causas de
até US$ 1 mil, as custas processuais chegam a 25% do valor da causa. Nas
ações que discutem US$ 5 mil, as custas equivalem a 16% do custo total
do processo.
De acordo com os dados apresentados pelo professor em
sua palestra, só passa a valer a pena ir à Justiça em causas caras ou
juridicamente realmente relevantes. Por exemplo, é só a partir dos US$
300 mil que as custas processuais caem a 2% do valor da causa.
Isso se reflete nos valores em discussão nos casos levados aos ombudsman.
Na Suíça, 60% das reclamações envolvem até US$ 10 mil. Só 4% passam dos
US$ 500 mil. “Na Suíça, existe um incentivo para não ir à Justiça caso o
valor da causa seja baixo”, comenta o professor.
Custo do advogado
Somado a isso, ainda há os honorários advocatícios. Sester critica o
modelo brasileiro, que permite a advogados assinar contratos de
honorários com cláusula de sucesso, em que o cliente só paga se ganhar a
causa. Na opinião do professor, isso permite que escritórios se
especializem em convencer clientes a ajuizar uma ação.
Tanto na
Alemanha quanto na Suíça esses contratos são proibidos. O artigo 19 do
Código de Ética da Associação dos Advogados da Suíça permite celebrar
contratos com honorários fixos, mas proíbe “acordo de participação nos
rendimentos decorrentes do processo com resultado favorável ao cliente
como substituto dos honorários”. Na Alemanha, a proibição está na lei
que trata da remuneração dos advogados.
“Ao contrário dos Estados
Unidos ou do Brasil, o cliente é quem corre o risco de arcar com os
honorários advocatícios no caso de um resultado desfavorável”, conclui
Sester. E em Zurique, os advogados costumam cobrar entre US$ 250 e US$
850 por hora, segundo o professor.
Sem advogado
Outra razão para o sucesso do ombudsman nos casos alemão e
suíço é que ambos os sistemas proíbem a participação de advogados nas
negociações. “Com advogados é muito mais difícil chegar a um acordo,
porque eles têm os interesses deles. E como é uma negociação, uma
mediação, a ideia é falar com as pessoas para ajudá-las a resolver seus
problemas”, explica Sester.
E aí também está um dos pontos que “devem dar problema” caso o ombudsman
bancário seja introduzido no Brasil. “Na minha opinião, chegar para uma
negociação com dois advogados diminui drasticamente a possibilidade de
se chegar a um acordo, porque advogados aumentam o confronto.”
Caso brasileiro
No Brasil ainda não há nada parecido com o ombudsman bancário,
embora o ministro Sidnei Beneti, aposentado do STJ em 2014, tenha
organizado alguns eventos para tratar do tema enquanto estava na ativa. O
evento da FGV produziu uma proposta de autorregulação que deve ser
levada aos bancos em breve.
Por enquanto, o máximo que o mercado
bancário tem são as ouvidorias, que são praticamente desconhecidas do
consumidor, conforme conta o procurador-chefe do Banco Central em São
Paulo, César Camargo. Segundo ele, juntando a ouvidoria do BC com os
Procons do país, são registradas cerca de 100 mil reclamações por ano,
que são levadas aos bancos. “É um número quase irrelevante”, comenta.
E
se forem considerados os dados da professora Sadek, de que 10% dos
processos novos são bancários, “a ouvidoria não contribui para a redução
de conflitos e de judicialização”. No STJ, o problema é semelhante.
Segundo o ministro Ricardo Vllas Bôas Cueva, um terço de todo o volume
de processos da 2ª Seção, que trata de Direito Privado, diz respeito a
bancos.
Durante sua apresentação, ele mostrou alguns modelos de
autorregulação para resolução extrajudicial de litígios. Camargo elogiou
especialmente o modelo italiano, no qual levar uma queixa ao ombudsman
é uma etapa anterior obrigatória ao processo judicial. “Embora tenhamos
uma cláusula constitucional que diz que a nada será negada a apreciação
do Poder Judiciário, não vejo problemas com esse modelo. Poderíamos
adotar esse caminho aqui”, diz.
http://www.conjur.com.br/2016-set-17/suica-alemanha-mostram-eficiencia-modelo-ombudsman-bancario
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