quinta-feira, 5 de abril de 2018

STF rejeita habeas corpus a Lula, que fica mais próximo de ser preso


STF rejeita habeas corpus a Lula, que fica mais próximo de ser preso


Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou no início da madrugada desta quinta-feira um pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, decisão essa que deixa o petista, que lidera as pesquisas de intenção de voto ao Palácio do Planalto, mais próximo de ser preso em breve para cumprir pena pela condenação imposta a ele pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) no processo do tríplex do Guarujá (SP).

A maioria dos ministros seguiu o voto do relator do caso, Edson Fachin, para quem não houve qualquer ato ilegal na decisão anterior do Superior Tribunal de Justiça (STJ) do início do mês passado, que havia rejeitado habeas corpus e permitia a execução provisória da pena contra o ex-presidente após o fim dos recursos pelo TRF-4.

Lula foi condenado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo tribunal a cumprir pena de 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado e corre o risco de ser preso nos próximos dias.

Há duas semanas, o STF havia dado um salvo conduto temporário para evitar a prisão de Lula por ordem do TRF-4 até o julgamento do habeas corpus, cautelar essa que foi cassada. Na semana passada, aquele tribunal rejeitou por unanimidade os primeiros embargos da defesa do petista.

Agora, o TRF-4 está livre para decretar a ordem de detenção, embora seja possível que o tribunal espere um novo embargos de declaração para eventualmente tomar essa decisão —o prazo final para apresentação desse novo recurso é o dia 10 de abril.

No julgamento desta quarta, manifestaram-se contra o pedido da defesa, além de Edson Fachin, os colegas Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Rosa Weber —que era considerado o voto crucial do julgamento—, Luiz Fux e a presidente da corte, Cármen Lúcia, responsável por dar o voto de desempate.

Votaram a favor da concessão do salvo conduto, com diferentes modulações, Gilmar Mendes, que antecipou sua posição por motivo de viagem, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.

Gilmar e Tofolli defenderam explicitamente uma posição intermediária, para não haver execução provisória da pena até que ocorra o julgamento dos primeiros embargos de declaração a um eventual julgamento de recursos especial pelo STJ.

Os demais se mostraram favoráveis à execução apenas ao fim de todos os recursos possíveis, o chamado trânsito em julgado.

Após o julgamento, o advogado José Roberto Batochio evitou apontar os próximos passos da defesa do ex-presidente.

“Sem análise, primeiro nós precisamos refletir sobre a decisão”, disse Batochio a jornalistas.

“Enterrou-se uma garantia”, disse Sepúlveda Pertence, outro defensor do petista, sobre resultado do julgamento.

Como seria de se esperar, o resultado foi visto com desânimo por aliados do ex-presidente.

“Não há dúvida que foi um revés. Não esperávamos. A ministra Rosa cedeu às pressões e votou contra o próprio entendimento dela. É uma pena, uma ministra do STF não pode se curvar às pressões da mídia”, disse um parlamentar próximo a Lula que falou na condição de anonimato.

“Vamos ver agora quais são os caminhos que o partido vai tomar. Ainda temos algumas opções jurídicas, vamos continuar a batalha para que o presidente seja candidato”, acrescentou o parlamentar.

O ex-presidente assistiu à sessão do Supremo no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, próximo da sua atual residência. Mas acabou deixando o local antes do final do julgamento.


SEM ILEGALIDADE


O julgamento durou mais de 10 horas, começando na tarde de quarta-feira e se estendeu até o início da madrugada de quinta, com dois intervalos.

Apesar da expectativa de grandes protestos e potenciais confrontos, não foram registrados conflitos nas áreas destinadas na Esplanada dos Ministérios para os manifestantes favoráveis e contrários à detenção do petista. As manifestações foram esvaziadas, em parte, pela forte chuva que se abateu sob Brasília.

Primeiro a votar, Edson Fachin afirmou que não houve qualquer ato ilegal na decisão anterior do STJ do início do mês passado, que havia rejeitado habeas corpus e permitia a execução provisória da pena contra o ex-presidente, mesmo sendo cabíveis ainda recursos a cortes superiores.

“Esse cenário, a meu sentir, por si só indica que o ato apontado como coator, diante do entendimento atual desta corte, não traduz em ilegalidade e abuso de poder”, afirmou.

No início do seu voto, Fachin fez questão de ressaltar que a decisão do habeas corpus de Lula no STF só teria validade para o caso do ex-presidente e não poderia se transformar em paradigma para rediscutir a prisão em segunda instância.

Coube a Gilmar Mendes abrir a divergência. O ministro pediu para antecipar o seu voto —ele veio de e voltou para Portugal, onde participa de um evento do seu instituto de direito.

Segundo Gilmar, quando o Supremo decidiu em 2016 a respeito da execução da pena após a segunda instância, não disse que seria um “imperativo categórico”, mas sim uma “possibilidade”. Na ocasião, ele havia concordado com a nova jurisprudência.

Para o ministro, contudo, o novo entendimento da corte tem sido aplicado de forma “automática”.

“Não estamos diante de uma regra que se resolve do tudo ou nada, mas sim passível de conformação”, disse. “Sempre dissemos que a prisão é uma possibilidade jurídica, não uma obrigação”, completou.

O ministro, que seria o oitavo a votar, aproveitou seu pronunciamento para fazer críticas ao que considera mídia opressiva. Indicado pela corte pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ele também disse que o momento de intolerância em que se vive no país foi gestado por práticas do PT.

Gilmar afirmou que estava mudando de posição sobre o início do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância.

“As prisões automáticas, elas empoderam um estamento que está por demais empopderado, o estamento dos delegados, dos promotores, dos juízes”, afirmou.


VOTO CRUCIAL


O voto mais aguardado do julgamento era o da ministra Rosa Weber, uma vez que, por meio de declarações públicas e votos anteriores, os posicionamentos dos demais ministros já eram praticamente conhecidos. Ela também não viu qualquer irregularidade na decisão do STJ que rejeitou o salvo conduto ao ex-presidente.

Ela defendeu, como fundamentação do seu voto, o respeito ao princípio da colegialidade na corte e a necessidade de se seguir a jurisprudência do tribunal.

Em 2016, a ministra foi voto vencido —era favorável à execução apenas ao fim de todos os recursos cabíveis— mas, após a decisão, começou a seguir a orientação firmada pelo plenário.

“Nesse contexto normativo e institucional, eu reputo o princípio da colegialidade imprescindível, porquanto a individualidade dentro do tribunal tem um momento delimitado a partir do qual cede espaço para a razão institucional”, disse, ao destacar que seu voto independia da sua posição pessoal no assunto.

A ministra também ressaltou que, embora a jurisprudência comporte “obviamente” evolução, é preciso “evitar rupturas bruscas a ser justificadas”.

Após o voto de Rosa Weber, o ministro Marco Aurélio Mello — relator de duas ações que discutem a revisão em segunda instância— protestou contra a decisão da presidente do STF de ter pautado o julgamento do habeas corpus de Lula em vez de os casos que relata. “Vence a estratégia”, criticou.

O ministro Ricardo Lewandowski também comentou que havia, na decisão de Fachin para levar o caso do petista ao plenário, pedido expresso para julgar primeiro as ações do que o habeas corpus.

O voto de desempate foi dado pela presidente do STF, para quem o início da execução da pena não fere o princípio da presunção de inocência.

O resultado do julgamento dá um fôlego para a continuidade do avanço da operação Lava Jato, uma vez que há uma série de pessoas que podem vir a ser condenadas em segunda instância em breve, além de reforçar o instrumento da delação premiada (Reuters, 5/4/18)


Com habeas corpus recusado, quais caminhos jurídicos restam a Lula?

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve seu pedido de habeas corpus rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na noite desta quinta-feira e pode agora ter sua prisão decretada após a condenação a 12 anos de 1 mês de detenção por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá.


Por 6 votos a 5, a Suprema Corte manteve o entendimento firmado em 2016 de que pessoas condenadas em segunda instância pela Justiça já devem começar a cumprir a pena - ou seja, não podem recorrer aos tribunais superiores em liberdade.

Agora, está nas mãos do juiz Sérgio Moro, responsável pelo processo contra Lula na Justiça Federal do Paraná, expedir o mandado de prisão.

A defesa de Lula tem até o dia 10 de abril para entrar com os chamados "embargos dos embargos" no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), de Porto Alegre. Por isso, é improvável que o petista seja preso antes dessa data.

Foi o Tribunal Regional Federal da 4ª Região quem condenou Lula no caso do tríplex do Guarujá - os desembargadores mantiveram a decisão de Moro e elevaram a pena. Lula nega ter recebido o imóvel da empreiteira OAS como contrapartida de recursos desviados da Petrobras.

Embora a situação do ex-presidente tenha se complicado muito após a derrota no STF, isso não significa que necessariamente ele cumprirá integralmente os 12 anos de pena na cadeia.

Há três caminhos que podem resultar na soltura do petista: 1) sua defesa pode apresentar novos pedidos de habeas corpus; 2) o petista pode ter sua condenação anulada pelos tribunais superiores; 3) O STF pode rever seu posicionamento sobre a prisão após condenação em segunda instância para todos os réus do país, o que beneficiaria Lula.

Entenda melhor abaixo como cada um desses caminhos funciona e quais as chances reais de Lula deixar a prisão.

1 - Novos pedidos de habeas corpus

 

O habeas corpus é uma ação que serve para proteger a liberdade de ir e vir das pessoas contra abusos de autoridades ou decisões ilegais. O que Lula teve rejeitado pelo Supremo foi um habeas corpus preventivo, que visava impedir sua prisão. Depois de preso ele poderá, se quiser, apresentar outros, com novos argumentos. Não há limites para apresentação desse tipo de pedido.

"Desde que você alegue um fundamento diferente você pode entrar com um habeas corpus por semana. Esse (que acaba de ser rejeitado) foi porque a decisão não transitou em julgado, amanhã é porque eu estou doente, depois de amanhã é porque eu estou correndo risco de ser morto na prisão, depois é porque eu sou idoso", ressalta o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Rafael Mafei.

As chances de sucesso, no entanto, tendem a se reduzir, observa a advogada Flavia Rahal, professora de direito penal econômico da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.

"Se você tem o colegiado pleno da Suprema Corte com uma decisão sólida, sem dúvida nenhuma, ainda que outros habeas corpus possam ser impetrados, o sucesso é mais difícil", afirma.

Ante à dificuldade de conseguir a liberdade, a defesa de Lula também pode tentar a prisão domiciliar. O deputado federal afastado Paulo Maluf (PP-SP), por exemplo, conseguiu na semana passada, por meio de habeas corpus, uma liminar do ministro Dias Toffoli para que fosse transferido do Complexo da Papuda, em Brasília, para sua residência em São Paulo. Ele tem 86 anos e alegou problemas de saúde.

Condenado a mais de sete anos de prisão por lavagem de dinheiro, estava preso desde de dezembro.
Já Lula, de 72 anos, tem se gabado do seu bom preparo físico, inclusive divulgado imagens suas se exercitando nas redes sociais, o que tenderia a dificultar a aceitação de um pedido similar.

Além disso, ressalta Flavia Rahal, a conquista de Maluf é algo muito raro - ele obteve uma liminar do ministro Dias Toffoli contra a decisão do colega Edson Fachin.

"É quase impossível um ministro dar liminar contra decisão de outro ministro", concorda o professor da USP.

2) Recursos contra a condenação

 

Lula ainda pode recorrer às cortes superiores - Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o próprio STF - contra a condenação pelo TRF-4. Esses tribunais não analisarão mais as provas em favor ou contra o petista (essa etapa acaba na segunda instância), mas poderão discutir se o processo contra Lula foi conduzido dentro da legalidade.

O STJ analisa se houve desrespeito a leis federais, por exemplo, se as provas foram coletadas corretamente, e o STF se houve desrespeito a princípios constitucionais, como o direito à ampla defesa. Não devem se repetir nos tribunais discussões sobre se Lula é ou não efetivamente dono do tríplex.

"São recursos muito técnicos, que discutem teses jurídicas. Há uma série de requisitos que limitam muitas vezes o conhecimento desses recursos", observa a professora da FGV.

Se as cortes superiores entenderem que o processo não foi conduzido corretamente, a condenação de Lula pode ser anulada definitivamente no caso do tríplex, o que o devolveria a liberdade. A tramitação desses recursos, porém, tende a demorar, podendo levar meses ou anos.

As complicações jurídicas de Lula não se encerram no caso tríplex e o ex-presidente ainda pode vir a ser condenado em outros processos. Na Justiça Federal do Paraná, também referente à Lava Jato, ele é réu em mais duas ações. Uma delas é relacionada a um sítio em Atibaia e a outra à compra de um terreno para o Instituto Lula e de um apartamento em São Bernardo do Campo, para uso da família do petista.

Há também quatro ações na Justiça Federal do Distrito Federal, ligadas às Operações Zelotes, Janus e Lava Jato.

Lula foi ainda denunciado pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, em setembro de 2017, de integrar organização criminosa juntamente com a ex-presidente Dilma Rousseff e outros seis integrantes do PT, no caso que foi apelidado de "quadrilhão do PT". Janot ainda denunciou Lula e Dilma por obstrução da Justiça pela tentativa de nomeação do ex-presidente como ministro da Casa Civil.

A defesa de Lula nega todas as acusações e diz que o ex-presidente é vítima do uso da lei para fins políticos.

3) STF pode mudar de ideia

 

A posição do Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância tem variado ao longo do tempo e existe a possibilidade de que seja revista novamente, o que beneficiaria Lula.

Isso acontece porque a Corte tem alterado sua interpretação da Constituição Federal, cujo texto estabelece que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado (quando não cabem mais recursos judiciais).

Desde 1988, quando a Constituição foi promulgada, até 2009, não havia uma manifestação do plenário (composta por 11 ministros) sobre o tema e as turmas (composta cada uma por 5 deles) decidiam caso a caso.

Em 2009, pela primeira os onze ministros julgaram um habeas corpus que pedia direito ao condenado de recorrer em liberdade - na ocasião, por 7 a 4, o Supremo proibiu a prisão antes do esgotamento dos recursos.

Em 2016, porém, o Supremo voltou a analisar a questão e decidiu por 6 a 5 autorizar o cumprimento antecipado da pena. Prevaleceu o entendimento de que a pessoa pode ser presa após a conclusão da análise das provas, o que acontece na segunda instância.

O resultado foi modificado porque a composição da corte se alterou, devido a aposentadoria de alguns ministros, e também porque Gilmar Mendes mudou seu voto. Após ter ficado contra a prisão antecipada em 2009, ele votou em 2016 com os ministros Teori Zavascki (morto em 2017), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia, a favor da prisão antes do trânsito em julgado.

Só que agora Mendes sinaliza que mudou de idéia de novo. Dessa forma, se as duas ações forem julgadas, há chances de que o STF volte a proibir o cumprimento antecipado da pena, o que beneficiaria milhares de condenados, inclusive Lula.

"Se isso acontecer, Lula deve ser solto, porque o motivo para ele ser preso agora é (a autorização do STF para) o cumprimento antecipado da pena", explica o professor da Faculdade de Direito da USP Rafael Mafei.

"Ele poderia ser preso antes (da condenação) se tivesse ameaçado testemunha, destruído prova, tentado fugir do país. Como isso não aconteceu, a única razão que o leva à prisão agora é que a pena precisa ser cumprida desde logo. Se esse entendimento mudar, a prisão tem que cair", acrescenta 


(BBC Brasil, 5/4/18)

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