Vitor Frederico Kümpel e Ana Laura Pongeluppi
O desenvolvimento sustentável de um país está relacionado, dentre diversos fatores, ao seu sistema econômico1.
Esse, por sua vez, é consolidado pelo Sistema Financeiro, cuja forma de
regulação interfere em diferentes âmbitos da sociedade, desde o ramo de
investimentos, externos e internos, bolsas de valores, captação de
recursos, bancos financeiros e de varejo, atingindo ainda uma seara
macroeconômica bancária, que reflete na estrutura socioeconômica da
sociedade como um todo.
Natural que o
Estado Democrático de Direito, com o escopo de promover políticas
públicas, regule o Sistema Financeiro Nacional de maneira ordenada e
adequada às suas políticas e objetivos, criando um cenário institucional
específico ao setor bancário.
A inserção, no
ordenamento jurídico, de normas que disciplinem a atuação de órgãos
reguladores das operações de fusões e aquisições bancárias, bem como sua
aplicação pelo Poder Judiciário, são fatores intrinsecamente ligados à
consolidação do mercado financeiro e bancário, por consequência, a
diversos setores da economia.
Mercado de
valores, instituições financeiras, as captadoras de recursos,
supervisionadas, empresas nacionais e estrangeiras, são apenas alguns
dos agentes econômicos cuja intervenção na economia e, por consequência
na sociedade, são influenciados e influenciam nas supracitadas
operações.
Ademais, o que se
verifica a partir da década de 1980 no Brasil é uma tendência à
instrumentalização do Direito como forma de, por meio do ordenamento
jurídico2, estabelecer normas que fomentam o desenvolvimento econômico e viabilizem operações.
Acresça-se, ainda, a atuação do Poder Judiciário, em um sistema constitucional com fulcro nos checks and balances3, assumindo mais do que a função de julgador (procedimentalismo)4, a legiferante por meio de decisões criadoras de regras jurídicas (substancialismo)5.
Observe-se que não está a se falar que o Poder Judiciário usurpe função
de outro poder, e sim que simplesmente está concretizando comandos
constitucionais nas esferas sociais e econômicas.
Nesse contexto de terrae brasilis,
não gera espanto o fato de que um dos grandes óbices aos investimentos
no país é a insegurança jurídica em operações de fusões e aquisições
bancárias.
Há diferentes
fatores que levam a esse cenário de receio aos possíveis investidores,
mas um dos principais é sem sombra de dúvida o conflito de competência
entre as autarquias reguladoras das operações de aquisição bancária, o
conhecido conflito BACEN-CADE.
Em nossa história,
antes mesmo de a regulação da concorrência assumir a importância atual,
ilustrada – por exemplo – na consolidação constitucional do artigo 192
da Carta Magna6, a chamada reforma monetária criou o Banco Central (BACEN) por meio da lei 4.595/64.
Suprimia-se a
atuação dispersa de diferentes órgãos, centralizando no BACEN a
regulação macroeconômica da política cambial e monetária, e
microeconômica, objeto desse estudo, de efetivar a estabilidade do
sistema financeiro.
Trocando em
miúdos, ocorre basicamente o seguinte: o Banco Central do Brasil
(BACEN), regulado pelas leis 4.965/64 e 9.447/97, dispõe ser competência
de referido órgão fiscalizar atos de concentração.
Mas com a criação
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), disciplinado pela
lei 12.529 de 2012, foi atribuída a análise das Merges and Aquisitions (M&A) a referido órgão. Eis que surge o problema: quando se tratar de fusão ou aquisição bancaria, quem deve fiscalizar?
Analisando
detidamente os artigos 10 e 18 da lei 4.595/64, infere-se que a
autorização das concentrações e a regulação da concorrência entre as
instituições financeiras é competência privativa do BACEN.
Mas não há como
rejeitar que, com o advento da nova Carta Magna e visando adequar ao
capitalismo e neoliberalismo, há a demanda por outras agências
reguladoras, como CADE por meio da lei 8.884/94, que complementa a
política antitruste e concorrencial em consonância com as novas demandas
do ramo.
Assim, a
problemática está nos artigos 15 e 54 da lei 8.884/94, que estabeleceu
de modo geral que todos os atos, de pessoas físicas ou jurídicas, tanto
de direito público como privado, e que possam interferir nas condições
de concorrência em um setor, devam passar pela apreciação do CADE.
Não tardou para
que os primeiros conflitos positivos de competência entre a generalidade
atribuída ao CADE e à específica norma destinada ao BACEN surgissem,
conflito decorrente inclusive entre leis ordinárias e complementares
(antinomia jurídica).
O caso do Banco Francês em 1996, o caso Finasa7 e o Parecer 20/2001 da AGU8, seguido de novas leis reguladoras, conflitos decididos pelo TRF, STJ e atualmente no STF9
demonstram a prioritária necessidade de se decidir efetivamente a
questão ou regulamentar de modo a por fim ao conflito, delimitando a
competência de cada instituição.
Pondere-se a
possibilidade de o Judiciário resolver essa questão, decidindo de uma
vez o Recurso Extraordinário 664.189, no qual o CADE se insurge contra o
que foi decidido na esteira do parecer da AGU, basicamente que a
competência é unicamente do BACEN de verificar esses atos de aquisição.
Em decidindo,
trará segurança jurídica e dará um ponto final ao conflito – em parte -
sem que seja necessário aguardar o legislativo. Seria, inclusive, uma
decisão (leading case) com ressonância na ordem econômica do
país, além da tremenda repercussão jurídica, pois, uniformizaria uma
serie de decisões isoladas, desde os TRFs ao próprio STJ e STF, que,
diante da dissonância têm trazido resultados ruins sob o viés econômico.
Como dito acima, uma das principais ferramentas de fomento econômico
para um país é a previsibilidade das decisões, na medida em que gera
redução de custo para as empresas e para o mercado. Resta, por ora,
aguardar, ressaltando que até o momento ministros do Supremo apenas se
declararam suspeitos para a solução do caso em questão.
Dessa forma,
remanesce o cenário de insegurança jurídica, morosidade diante da
possibilidade das ágeis operações econômicas terem que passar pela
morosa análise do poder judiciário, além do quadro geral de incerteza,
tudo a corroborar para um cenário que passa por uma das principais
crises econômicas do país e que por via oblíqua implica em supressão de
desenvolvimento econômico.
Diante desse
quadro, mais importante do que decidir em favor do BACEN ou em favor do
CADE, e simplesmente decidir. Isso porque uma vez criado o vetor e
estabilizado relações e vínculos jurídicos e, tendo o cenário econômico
antevisão dos resultados futuros, certamente o mercado econômico se
reorganizará e certamente fomentará aporte de capitais e novos
investimentos, tão necessários pra sairmos desse quadro sombrio.
Sejam felizes!
__________
1
DAVIS, K. E., TREBILCOCK, M. J. The Relationship Between Law and
Development: Optimists versus Skeptics. American Journal of Comparative
Law, v. 56, n. 4, pp. 895-946, 2008
2 TRUBEK, David; GALANTER, Marc. Acadêmicos auto-alienados: Reflexões sobre a crise norte-americana da disciplina "Direito e Desenvolvimento".
3 Silva, José Afonso. Direito Constitucional Positivo. Pp.
4
Kelsen, Hans. O Estado como Integração – Um confronto de princípios.
Trad. de Plínio Fernandes Toledo. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.
65.
5
Kelsen, Hans. O Estado como Integração – Um confronto de princípios.
Trad. de Plínio Fernandes Toledo. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.
110.
6
Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a
promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses
da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as
cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que
disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas
instituições que o integram.
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