São fortes os indícios de que o ano de 2017 pode se tornar um marco
de grandes mudanças na ordem político-econômica mundial. Já nas
primeiras semanas do ano, o recém-empossado presidente dos Estados
Unidos anunciou uma reorientação da posição de maior defensor do livre
comércio, mantida há décadas pelo país, para o nacionalismo econômico.
Quase simultaneamente, o presidente chinês discursou pela primeira vez
no Fórum Econômico Mundial, em Davos, defendendo a globalização e
ressaltando que a China deve manter suas fronteiras abertas. Trata-se,
sem dúvida, de uma mudança radical de posições entre essas potências
econômicas.
No Brasil e no mundo, empresários e governantes têm manifestado
apreensão com a incerteza quanto à evolução dos acordos de comércio e
investimento mundial, dificultando a previsibilidade para a definição de
seus negócios e de suas estratégias.
A aprovação do Brexit, combinada com mudanças na orientação política
dos Estados Unidos, deve desencadear ações rumo à desglobalização. O
último litígio dessa natureza foi desencadeado em 1930, com a aprovação
do Smoot-Hawley Tariff Act pelo congresso norte-americano, deflagrando
uma verdadeira guerra comercial global. Várias décadas se passaram antes
que os fluxos de bens e capital voltassem a representar porção
expressiva da produção e finanças mundiais. O pico de comércio de 1914
foi recuperado somente em 1970, enquanto a escala e mobilidade de fluxos
financeiros só foram recompostas na década de 1990.
Esse cenário preocupa, pois a desglobalização traz o risco da
desaceleração do crescimento para o longo-prazo, aumento nas diferenças
entre países ricos e pobres, maior protecionismo/menor cooperação e
aumento do risco de conflitos internacionais.
Rupturas devem também atrasar a negociação de mega-acordos regionais
de liberalização comercial, como a Parceria TransPacífico (TPP), que
teve uma proposta final assinada em fevereiro de 2016, restando ser
ratificada para se tornar efetiva. O TPP foi negociado por sete anos,
como um acordo que envolve a parceria entre 12 países da costa do
Pacífico – EUA, México, Austrália, Canadá, Japão, e sete outros – que
compõem, de maneira agregada, 25% das exportações mundiais e 40% do PIB
mundial, agregando uma população (consumidora) superior a 800 milhões de
pessoas.
A iniciativa teve a adesão dos Estados Unidos em 2008, que
buscava expandir a influência norte-americana nos países asiáticos para
fazer frente ao avanço chinês no território. A agricultura,
frequentemente omitida em negociações de liberalização comercial, foi
incluída no TPP. A despeito de sua abrangência e enfoque, países como o
Brasil, Argentina e Rússia, que representam porção expressiva do
comércio agrícola mundial não foram incluídos.
Na primeira semana de seu governo, Trump retirou os Estados Unidos do
TTP. A China torna-se forte candidata a preencher o vácuo deixado.
Golpe de sorte para o Brasil? Talvez.
Acordos regionais tanto geram comércio entre os participantes como
podem provocar o desvio de comércio entre estes e não participantes mais
competitivos. Neste caso, o comércio entre Brasil e Ásia em mercados de
produtos primários – especificamente em setores de grãos, leite, carne e
açúcar – pode ser reduzido, beneficiando seus competidores como Canadá,
Austrália e Nova Zelândia.
Dados do Ministério de Desenvolvimento,
Indústria e Comércio (MDIC) ilustram que muitos dos países envolvidos no
TPP são importantes players em mercados de relevância para as
exportações brasileiras - estima-se que em algo cerca de 47% do total
exportado pelo país (antes da saída dos EUA) -, ainda que não sejam,
necessariamente, importadores de nossos produtos. Sem dúvida, portanto,
desvios de comércio resultariam em efeitos negativos para o Brasil,
ainda que de forma indireta.
Por inexplicável falta de iniciativa, o Brasil mantém-se à margem do
processo de consolidação de acordos regionais, adotados como alternativa
para alavancar uma maior integração ao comércio global desde a
estagnação das negociações multilaterais. Com estratégias econômicas
orientadas para estimular a demanda interna, a defasagem tecnológica
agravada pela paralisia econômica resultante do descontrole político
aumentou a distância entre o Brasil e os países “emergentes” que
cunharam o “BRIC” na década passada.
A verdade é que o país está ficando cada vez mais isolado, apostando
exclusivamente nas exportações de produtos básicos para atender,
sobretudo, à demanda externa de países como a China.
Enquanto os
principais países no cenário de comércio mundial agregam mega-acordos
regionais aos mais de 400 acordos de liberalização comercial regionais
notificados à Organização Mundial do Comércio (OMC), o Brasil mantém-se à
margem deste processo, participando de apenas 22 acordos preferenciais,
que na maioria são pouco relevantes para o desenvolvimento efetivo de
relações comerciais.
Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI),
neste âmbito, o país encontra-se muito aquém de outros países da
América do Sul. O Chile, por exemplo, possui preferências tarifárias com
62 países, a Colômbia tem com 60 parceiros comerciais, e o Peru, com 52
países. Os três países citados têm acordo de livre comércio tanto com
os Estados Unidos, como com a União Europeia. O Brasil não tem mostrado
qualquer ação efetiva neste sentido.
Qual seria o motivo?
Tem sido comum atribuir a baixa participação brasileira em acordos de
livre comércio à sua vinculação ao Mercosul. No entanto, já é fácil
contestar este argumento. Mesmo quando pôde atuar sozinho, como no caso
da longa negociação com o México durante o Governo Lula, o país não foi
bem-sucedido. Em acordos que não dependem do Mercosul, enfocando acordos
de investimento, exigências sanitárias e o setor de serviços, o Brasil
tem apresentado uma evolução bastante tímida, fechando acordos apenas
com alguns poucos países da África.
Outra explicação para a aparente incapacidade de avançar nos acordos
regionais ou bilaterais tem sido a resistência apresentada por setores
industriais brasileiros pouco competitivos. Como o maior potencial
exportador brasileiro concentra-se em commodities agropecuárias (por
exemplo, soja, milho, açúcar, carne bovina e de frango), mercados
atrativos teriam pouco interesse em estabelecer acordos de livre
comércio com o Brasil, envolvendo apenas produtos agrícolas. Acordos só
evoluem a partir de uma base que sustenta interesses mútuos.
Se vingar, a reorientação político-econômica nacionalista nos Estados Unidos pode respingar nos países europeus e a formalização de novos acordos comerciais torna-se ainda mais remota e deslocada para os países asiáticos. Para fazer frente à experiência acumulada por esses países que têm seu modelo de desenvolvimento econômico fundamentado na abertura ao exterior, será necessário investir na capacidade de negociar. Um primeiro passo parece ser a promoção de sintonia entre os interesses dos diferentes setores da economia – mais especificamente agricultura e indústria.
Se vingar, a reorientação político-econômica nacionalista nos Estados Unidos pode respingar nos países europeus e a formalização de novos acordos comerciais torna-se ainda mais remota e deslocada para os países asiáticos. Para fazer frente à experiência acumulada por esses países que têm seu modelo de desenvolvimento econômico fundamentado na abertura ao exterior, será necessário investir na capacidade de negociar. Um primeiro passo parece ser a promoção de sintonia entre os interesses dos diferentes setores da economia – mais especificamente agricultura e indústria.
A seguir, os setores produtivos – tanto a agroindústria, como
a indústria - precisam exigir persistência e eficiência de nossos
negociadores. No que tange à China, conforme ressaltado pelo Marcos Jank
em artigo recente, “já sabe o que quer do Brasil”, precisamos cobrar
dos nossos negociadores ações eficientes e estratégias pragmáticas
gerando negociações com ganhos equilibrados entre as partes.
Se os
Estados Unidos passarem a priorizar acordos bilaterais como tem
anunciado, precisamos entrar rapidamente com propostas do tipo “win-win”
para que sejamos reconhecidos e respeitados pela nossa competência em
expandir comércio, explorando e avançando em nossas vantagens
comparativas
(Cepea/Esalq, 30/1/17)
http://www.brasilagro.com.br/conteudo/comercio-internacional-questoes-reformuladas.html?utm_source=Newsletter&utm_medium=E-mail-MKT&utm_campaign=E-Mkt_RGB/#.WJC6-iGnyTY
Nenhum comentário:
Postar um comentário