quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Brasileiros estão em busca de seu próprio Donald Trump para 2018

Brasileiros estão em busca de seu próprio Donald Trump para 2018
Se os brasileiros ficaram chocados quando os EUA decidiram colocar um ex-apresentador do reality show “The Apprentice” na Casa Branca, eles já superaram isso.
Dois possíveis candidatos para a disputa das eleições presidenciais do Brasil em 2018 são ex-apresentadores de “O Aprendiz”, a versão local do programa que consagrou Trump. Outro com um séquito entusiástico é um parlamentar assíduo no Twitter que disse que a ditadura militar nos anos 1970 errou ao torturar, em vez de matar, os dissidentes. E tem também o cirurgião plástico conhecido como Dr. Hollywood que, apesar de falar português com sotaque americano, acha que tem chances.

Por que não teria? O Brasil está desesperado por um líder “de fora da política”, disse Jefferson Santos, um assistente de cozinha de 29 anos de Planaltina, uma das cidades-satélites pobres e violentas ao redor de Brasília. “O país está uma bagunça. Precisa de alguém para limpar.”

O desprezo pelo modo tradicional de governar vem aumentando há anos no Brasil, como em grande parte do restante do mundo. A economia mergulhou de cabeça na recessão mais profunda já registrada, no começo de 2015 — uma ressaca do boom das commodities na última década — e não voltou à tona. A gigantesca Operação Lava Jato cercou poderosos, como o ex-presidente Lula, cuja sucessora, Dilma Rousseff, sofreu impeachment. O presidente atual, Michel Temer, está tentando estabilizar as finanças do país com medidas de austeridade draconianas em meio a um turbilhão de escândalos de corrupção que derrubou seis de seus ministros em menos de oito meses. Seus índices de aprovação, como era de esperar, estão na lona.

“O Brasil está passando por uma crise de representação — os eleitores não se sentem representados por seus políticos”, disse Alessandro Janoni, diretor de pesquisa do Datafolha. As eleições municipais que ocorreram há três meses mostraram que o povo não está gostando nem um pouco de suas opções: as urnas mostraram um número recorde de brancos e nulos.

Os brasileiros já haviam demonstrado anteriormente que estavam fartos. Em 1988, o chimpanzé Macaco Tião, morador do zoológico do Rio de Janeiro, ficou em terceiro lugar na eleição para prefeito da cidade, com 400.000 votos nas cédulas ainda de papel. Em 2010, Tiririca, originalmente um palhaço de circo, foi eleito para o Congresso com mais votos do que qualquer outro parlamentar após fazer campanha com o slogan “pior que tá, não fica”.

Mas piorou, e o clima nacional abriu a porta para um circo presidencial colorido demais até mesmo para os padrões brasileiros. “Todo mundo sabe que essa eleição (de 2018) vai ser uma loucura”, disse Oliver Stuenkel, professor adjunto de Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas, uma faculdade de Administração e think tank.

Qualquer um com um nome suficientemente reconhecível e dinheiro que consiga aproveitar a frustração nacional poderia conseguir concorrer com os políticos mais tradicionais.

Lula, que deverá enfrentar um processo por acusações de corrupção e lavagem de dinheiro que poderia mandá-lo para a cadeia durante anos, lidera as recentes pesquisas de opinião. Logo depois dele, aparece Jair Messias Bolsonaro, ex-paraquedista do Exército que representa o Rio de Janeiro na Câmara de Deputados desde 1990, mas que se apresenta como figura de fora e contrária ao establishment.

Bolsonaro é famoso por, entre outras coisas, dizer a uma colega, durante uma disputa no plenário da Câmara que ela não merecia ser estuprada por ele. (Ele explicou a um jornal que isso era porque ela era feia e não seu tipo, mais tarde dizendo que estava sendo sarcástico). Ele quer estabelecer a pena de morte, afrouxar os controles de armas e evitar a “escória do mundo” que seriam os imigrantes na opinião dele. Para completar seu currículo, dedicou seu voto no processo de impeachment de Dilma ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, “o pavor” da presidente afastada durante os anos de ditadura militar, como o próprio deputado mencionou em sua homenagem.

“É muito semelhante ao fenômeno Trump”, disse Alessandra Orofino, diretora executiva da Nossas Cidades, uma grupo de organizações não-governamentais ligadas à política. “Ter alguém como Bolsonaro falando publicamente como ele faz e, ainda assim, ser uma pessoa importante e um político legitima as pessoas que estão alimentando esse tipo de sentimento ódio no Brasil. E há muitos deles.”

De fato, Bolsonaro comparou-se favoravelmente a Trump, dizendo que ambos são “explosivos”. Em 2015, ele postou uma foto de si mesmo no Instagram e no Twitter fazendo flexões de braço na praia vestindo uma sunga, dizendo que estava se preparando para 2018.

O recém-empossado prefeito de São Paulo, João Doria Júnior, também tem sua popularidade, que lhe garantiu eleição em 1º turno na maior cidade do país. Apesar de ser muito rico, diferentemente de Bolsonaro, não se considera fã do presidente eleito dos EUA. “Eu não me identifico com ele”, já disse Doria a jornalistas. Ex-jornalista e dono do Grupo Doria e do Lide, que organiza eventos com empresários, Doria é autor de vários livros de autoajuda financeira, incluindo Sucesso com Estilo, e publisher da revista Caviar Lifestyle, além de ter comandado a apresentação de O Aprendiz de 2010 a 2011.

Doria já disse diversas vezes que não é “político”, mas um “gestor”, que ganhou parte do voto popular com a promessa populista de, de alguma forma, forçar os hospitais privados a abrirem suas portas ao público à noite para reduzir as listas de espera dos hospitais públicos. Embora ele tenha dito que não vai se candidatar à presidência em 2018, os analistas políticos não têm tanta certeza e muitos de seus fãs esperam o contrário.

“Ele ganharia a presidência”, disse Jorge Lopes, de 22 anos, servindo suco de laranja fresco em um lanchonete no centro da cidade em ruínas que Doria prometeu limpar. Lopes reproduz um pensamento que muitos americanos tiveram sobre Trump quando explica sua devoção ao prefeito: “Doria não está envolvido com a política. Ele já tem dinheiro. Então, não precisa roubar.”

Outros novatos ainda estão sentindo a temperatura da água. Roberto Justus, milionário e estrela do “O Aprendiz” de 2004 a 2009 e novamente na temporada 2013-2014, disse ao jornal O Estado de S. Paulo que está considerando concorrer à eleição presidencial. Justus, 61, fez seu dinheiro em relações públicas. “Precisamos tirar a gestão do país das mãos dos políticos”, disse ele em uma entrevista, esboçando um programa que venderia empresas estatais como a Petrobras.

Em Planaltina, Valda Rodrigues de Sousa disse que Justus é o único que poderia tirar seu voto de Lula. “Tudo o que ele faz dá certo”, disse Rodrigues, que vive com o assistente de cozinha Jefferson Santos, do início da reportagem, em uma casa cujas paredes de gesso estão adornadas com uma única fotografia, do dia em que obteve seu diploma de Ensino Médio, em 2015, aos 39 anos.

Esse foi o momento de maior orgulho da vida dela. Já o mais feliz foi em 2002, quando Lula foi eleito. Ali estava alguém pobre como ela que chegou ao topo. “Corri para a rua gritando de alegria.” Seu afeto por Lula e pelo PT esmaeceu com a economia. Pelo menos 10% dos 35 milhões de pessoas que superaram a linha da pobreza na década até 2014 já voltaram para a situação anterior. O desemprego quase dobrou nos últimos dois anos e a classe média está sendo espremida.

Qualquer pessoa com o suficiente popularidade de nome e dinheiro que possa sensibilizar a frustração nacional deve ser capaz de competir com os políticos mais tradicionais que podem estar na corrida. Roberto Miguel Rey, cirurgião plástico mais conhecido pelo programa de televisão Dr. Hollywood, declarou sua intenção de experimentá-la, embora tenha fracassado miseravelmente em uma corrida para o Congresso. “Vou oferecer esperança a essa geração”, disse ele recentemente, assinando cópias de sua autobiografia em um luxuoso resort em Búzios, RJ.

Institutos de pesquisa ainda não se preocuparam em medir sua popularidade. Jefferson Santos diz que, neste momento, ninguém deveria ser descartado. “Pelo menos, ele poderia tornar o país mais bonito.”


 (Bloomberg, 18/1/17)

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