quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Europa é obrigada a rever defesa comum com chegada de Trump


Recentemente, a chanceler alemã Angela Merkel advertiu sobre a ausência de "garantias eternas" na relação com os Estados Unidos




A chegada de Donald Trump à Casa Branca pode obrigar os europeus a alavancar sua defesa comum, diante de possíveis mudanças e do risco de ficarem marginalizados na cena internacional – apontam analistas e lideranças políticas.

“A UE deveria tomar a chegada de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos como uma importante chamada de atenção para melhorar sua Política Externa e de Segurança”, afirmam os analistas Stefan Lehne e Heather Grabbe, em uma nota recente divulgada pelo Carnegie Institute.

As últimas declarações do presidente eleito dos Estados Unidos – que chamou a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) de “obsoleta” e garantiu que “outros países deixarão” o bloco, seguindo o exemplo do Brexit – parecem ter sortido efeito entre os dirigentes europeus, que fizeram um apelo pela unidade.

“Nós, europeus, temos nosso destino em nossas próprias mãos”, rebateu a chanceler alemã, Angela Merkel, na segunda-feira (16).

Dias antes, Merkel já havia advertido sobre a ausência de “garantias eternas” na relação com os Estados Unidos.

“A UE deve assumir mais responsabilidades no mundo no futuro”, convocou a chanceler.

Depois de quase 70 anos de cooperação transatlântica na Otan, surgida das ruínas da Segunda Guerra Mundial, os analistas consideram que a aliança continua sendo importante tanto para Europa quanto para os Estados Unidos, embora percebam um certo “desinteresse” de Washington.

Para Vivien Pertusot, do Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri), o próximo presidente americano parece não estar “muito interessado” na Europa, ainda que rejeite a ideia de que vai “se retirar do mundo”.

Trump avança para “uma maior seleção” nos assuntos de Política Externa, como Rússia, China, ou a luta contra o grupo Estado Islâmico (EI), relaciona Pertusot.

Nessa linha, os especialistas do Carnegie Institute consideram que, mesmo que Washington se comprometa com a Europa, vai fazer isso “provavelmente com alguns países a título individual”.

“Quando um dirigente se opuser à sua agenda, o governo de Trump poderá tentar pôr um europeu contra o outro”, advertem.

 

“Autonomia estratégica” na UE


Com 22 de seus membros fazendo parte da Otan, a UE considera essa organização transatlântica como uma garantia de defesa, sobretudo, frente a uma Rússia mais ameaçadora desde a anexação em março de 2014 da então península ucraniana da Crimeia.

Diante das reiteradas críticas dos presidentes americanos à sua escassa contribuição em termos de recursos, os membros da Aliança – incluindo europeus – se comprometeram em 2014 a aumentar seu gasto militar até pelo menos 2% do PIB. Esse percentual é alcançado apenas por Estados Unidos, Reino Unido, Estônia, Grécia e Polônia.

O comportamento da Rússia de Vladimir Putin teve consequências “nos debates institucionais na Otan”, como “no gasto do orçamento de Defesa, que aumentou em toda a Europa este ano”, relatou Pertusot.

“Se o presidente Trump questionar a decisão europeia, os Estados-membros da UE terão de considerar ampliar sua autonomia estratégica potencializando a defesa coletiva na UE”, analisa o pesquisador do Real Instituto Elcano, Félix Arteaga.

França e Alemanha, junto com Itália e Espanha (em menor medida), lideram os esforços no bloco europeu para avançar para uma maior cooperação em matéria de defesa, um dos objetivos incluídos na Estratégia Global do Executivo Comunitário que defende uma “autonomia estratégica” em paralelo à Otan.

Essa iniciativa da chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, gera divisão entre os países europeus, muitos dos quais preferem priorizar a Aliança Atlântica.

Para os analistas, essa organização não vai desaparecer com a chegada do governo Trump.

“Tanto a Otan quanto a UE se adaptaram ao contexto estratégico de Pós-Guerra Fria várias vezes”, aponta Arteaga.

“No pior dos cenários”, acrescentou, pode acontecer algo como em “meados dos anos 1980”.

Nessa época, explica o analista espanhol, “os europeus reativaram a União Europeia Ocidental, porque a administração [de Ronald] Reagan chegou a acordos unilaterais com o Kremlin, e os europeus consideraram que ia acontecer a desvinculação americana”.
 
 

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