segunda-feira, 21 de março de 2016

De ‘o cara de Obama’ a pixuleco: a guinada melancólica de Lula


Manifestante segura dois "pixulecos" em frente ao STF. © Andressa Anholete Manifestante segura dois "pixulecos" em frente ao STF.

No dia da posse do segundo mandato da presidenta Dilma um grupo barulhento chamava a atenção, ao lado da fila de cumprimentos à mandatária. Empresários, políticos e cônjuges empunhavam seus celulares para tirar selfies com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ano de 2014 começava como sempre. 

Lula era o centro das atenções mesmo quando os holofotes cabiam a sua sucessora. Depois de entrar no alvo da Lava Jato, porém, Lula passou por um escrutínio que atingiu o ápice com a revelação dos áudios mostrando possíveis ilegalidades numa conversa entre a presidenta Dilma e o ex-presidente Lula e com outros interlocutores do PT que estão em Brasília. 

Pelas gravações, o Brasil e o mundo acabaram conhecendo o que o ex-presidente pensa de verdade sobre diversos assuntos por meio de áudios repetidos a exaustão em todos os noticiários.O homem que foi chamado de "O Cara" pelo presidente Barack Obama, em 2009, hoje se vê rebaixado a pixuleco, um caricato boneco inflável vestido de presidiário que toma conta das manifestações pró-impeachment pelo Brasil. Se já era considerado um ladrão por metade do país, os áudios, repetidos à exaustão nos noticiários e até em memes da internet, endossam ainda mais as certezas de quem despreza a figura de Lula e injetou dúvidas em muitos dos que confiavam nele, muito embora o protesto desta sexta, 18, contra o impeachment, tenha mostrado que o Brasil continua, como sempre, dividido.

Os áudios são um tiro de canhão nas intenções do Governo de restaurar a confiança de que o país poderia encontrar uma saída para a crise política. Ao contrário, aumentou o clima de suspeitas sobre o ex-presidente, ainda que o juiz Sérgio Moro tenha afirmado, inicialmente, que “não há nenhum indício nos diálogos ou fora deles de que estes [fatos] citados teriam de fato procedido de forma inapropriada”, conforme explica no despacho para esclarecer sua decisão de tornar públicos os grampos.

Na leitura das gravações obtidas pela equipe de Moro, porém, saltam duas suspeitas, segundo os investigadores: 1) que o ex-presidente pediu que o Governo interferisse em um processo contra ele junto ao Supremo Tribunal Federal e; 2) que Dilma agilizou a nomeação dele para lhe dar a prerrogativa de foro privilegiado. No primeiro áudio tornado público, Dilma avisou Lula que enviava o termo de posse de ministro para ele  usar só “em caso de necessidade”, um argumento que não caiu bem para a Justiça, e na sequência, para a opinião pública.

O Planalto deu sua explicação, dizendo que a conversa da presidenta transcorreu nesse sentido  “uma vez que o novo ministro, Luiz Inácio Lula da Silva, não sabia ainda se compareceria à cerimônia de posse coletiva”. Por isso a presidenta teria encaminhado “para sua assinatura o devido termo de posse. Este só seria utilizado caso confirmada a ausência do ministro.”

O argumento do Governo é polêmica, assim como a condução do grampo de Moro. Esse debate jurídico, porém, ficou em segundo plano e frustrou a costura que Lula vinha fazendo para chefiar a Casa Civil. A posse dele fora suspensa e uma enxurrada de ações judiciais ainda tramitavam em foros de todo país pedindo que ele não se tornasse ministro. Foram mais de 50 na primeira instância e uma dezena no STF. Na sexta, foi a vez do ministro do Supremo Gilmar Mendes suspendeu a nomeação e devolver o processo de Lula a Curitiba.

Antes de ser empossado na quinta-feira passada, Lula vinha numa maratona de conversas, que terminaram com uma lista de exigências apresentadas na noite de terça-feira e na manhã de quarta. As principais delas foram autonomia para atuar junto a parlamentares, montar sua própria equipe no ministério e, principalmente, em dar uma “guinada” no Governo Dilma Rousseff – o que seria uma minirreforma ministerial e de mudanças de rumos na economia, movimentos que já eram tratados de Plano Lula. Seria o início de um terceiro Governo do ex-metalúrgico, dizem funcionários do Palácio do Planalto, congressistas e até alguns ocupantes de ministérios.

Nos diálogos com a presidenta, Lula chegou a pedir a Dilma a cabeça do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. Ouviu um não (disse que eles estão mais dentro do que nunca). Mas as negativas da presidenta acabaram por aí. Sempre chamando Lula de presidente durante uma entrevista coletiva surpresa em que comunicou a chegada de seu novo auxiliar, Rousseff negou publicamente que haverá mais mudanças em seu primeiro escalão.

Nos bastidores, contudo, era dado como certo que os ministérios das Relações Exteriores, da Comunicação Social, da Educação e dos Esportes teriam trocas nas próximas semanas.  Entre os cotados estariam o jornalista Franklin Martins e o diplomata Celso Amorim.

A matemática feita pela presidenta e pelos ministros Jaques Wagner e Ricardo Berzoini foi de que era possível encampar alguns nomes de Lula, mas era necessário garantir o espaço de outros que até agora foram fiéis à Dilma e ao PT. Neste grupo estão o próprio Wagner, que virou chefe de gabinete da presidenta, cargo que agora tem status de ministro, e Edinho Silva, da Secretaria de Comunicação Social que pode ir para Esportes.

Além da lealdade desses dois, a preocupação dos petistas era garantir a prerrogativa de foro privilegiado deles. Como foram citados no escândalo da Lava Jato, se perdessem os cargos de ministros, ambos poderiam ser julgados pelo juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal do Paraná. Mantendo a função, só ficariam sob o crivo do Supremo Tribunal Federal, assim como Lula.

No cardápio de medidas discutidas por Rousseff e Lula nos últimos dois dias havia um possível uso de reservas internacionais do país para a criação de um fundo destinado às obras de infraestrutura, saneamento e energia, além da ampliação da concessão de créditos. Essas questões foram levantadas pelo PT em seu último encontro nacional no mês passado.

A primeira delas não foi aceita de pronto pela presidenta, que as chamou de especulação. “Jamais teremos uma pauta de uso dessas reservas para algo que não seja proteção do país contra flutuações internacionais. E as reservas, também, elas podem ter um papel em relação à dívida, mas elas não são a forma adequada de se solucionar questões de investimento”. A segunda (que trata dos créditos) deverá ter novidades em 
breve, conforme aliados do Governo.
 
Todos esses planos estão em suspenso, num momento em que as gravações romperam pontes importantes para Lula. O ex-presidente se vê agora entre um impeachment aparentemente inevitável de sua sucessora, e a tarefa de salvar sua biografia.
 

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