No dia da posse do
segundo mandato da presidenta Dilma um grupo barulhento chamava a
atenção, ao lado da fila de cumprimentos à mandatária. Empresários,
políticos e cônjuges empunhavam seus celulares para tirar selfies com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O ano de 2014 começava como sempre.
Lula era o centro das atenções
mesmo quando os holofotes cabiam a sua sucessora. Depois de entrar no
alvo da Lava Jato, porém, Lula passou por um escrutínio que atingiu o
ápice com a revelação dos áudios mostrando possíveis ilegalidades numa
conversa entre a presidenta Dilma e o ex-presidente Lula e com outros
interlocutores do PT que estão em Brasília.
Pelas
gravações, o Brasil e o mundo acabaram conhecendo o que o ex-presidente
pensa de verdade sobre diversos assuntos por meio de áudios repetidos a
exaustão em todos os noticiários.O homem que foi chamado de "O Cara"
pelo presidente Barack Obama, em 2009, hoje se vê rebaixado a
pixuleco, um caricato boneco inflável vestido de presidiário que toma
conta das manifestações pró-impeachment pelo Brasil. Se já era
considerado um ladrão por metade do país, os áudios, repetidos à
exaustão nos noticiários e até em memes da internet, endossam ainda mais
as certezas de quem despreza a figura de Lula e injetou dúvidas em
muitos dos que confiavam nele, muito embora o protesto desta sexta, 18,
contra o impeachment, tenha mostrado que o Brasil continua, como sempre,
dividido.
Os áudios são um tiro de canhão nas intenções do
Governo de restaurar a confiança de que o país poderia encontrar uma
saída para a crise política. Ao contrário, aumentou o clima de suspeitas
sobre o ex-presidente, ainda que o juiz Sérgio Moro tenha afirmado,
inicialmente, que “não há nenhum indício nos diálogos ou fora deles de
que estes [fatos] citados teriam de fato procedido de forma
inapropriada”, conforme explica no despacho para esclarecer sua decisão
de tornar públicos os grampos.
Na leitura das gravações obtidas
pela equipe de Moro, porém, saltam duas suspeitas, segundo os
investigadores: 1) que o ex-presidente pediu que o Governo interferisse
em um processo contra ele junto ao Supremo Tribunal Federal
e; 2) que Dilma agilizou a nomeação dele para lhe dar a prerrogativa de
foro privilegiado. No primeiro áudio tornado público, Dilma avisou Lula
que enviava o termo de posse de ministro para ele usar só “em caso de
necessidade”, um argumento que não caiu bem para a Justiça, e na
sequência, para a opinião pública.
O Planalto deu sua explicação,
dizendo que a conversa da presidenta transcorreu nesse sentido “uma vez
que o novo ministro, Luiz Inácio Lula da Silva, não sabia ainda se
compareceria à cerimônia de posse coletiva”. Por isso a presidenta teria
encaminhado “para sua assinatura o devido termo de posse. Este só seria
utilizado caso confirmada a ausência do ministro.”
O argumento do
Governo é polêmica, assim como a condução do grampo de Moro. Esse
debate jurídico, porém, ficou em segundo plano e frustrou a costura que
Lula vinha fazendo para chefiar a Casa Civil. A posse dele fora suspensa
e uma enxurrada de ações judiciais ainda tramitavam em foros de todo
país pedindo que ele não se tornasse ministro. Foram mais de 50 na
primeira instância e uma dezena no STF. Na sexta, foi a vez do ministro
do Supremo Gilmar Mendes suspendeu a nomeação e devolver o processo de
Lula a Curitiba.
Antes de ser empossado na quinta-feira passada,
Lula vinha numa maratona de conversas, que terminaram com uma lista de
exigências apresentadas na noite de terça-feira e na manhã de quarta. As
principais delas foram autonomia para atuar junto a parlamentares,
montar sua própria equipe no ministério e, principalmente, em dar uma
“guinada” no Governo Dilma Rousseff
– o que seria uma minirreforma ministerial e de mudanças de rumos na
economia, movimentos que já eram tratados de Plano Lula. Seria o início
de um terceiro Governo do ex-metalúrgico, dizem funcionários do Palácio
do Planalto, congressistas e até alguns ocupantes de ministérios.
Nos diálogos com a presidenta, Lula chegou a pedir a Dilma a cabeça do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa,
e do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. Ouviu um não
(disse que eles estão mais dentro do que nunca). Mas as negativas da
presidenta acabaram por aí. Sempre chamando Lula de presidente durante
uma entrevista coletiva surpresa em que comunicou a chegada de seu novo
auxiliar, Rousseff negou publicamente que haverá mais mudanças em seu
primeiro escalão.
Nos bastidores, contudo, era dado como certo que
os ministérios das Relações Exteriores, da Comunicação Social, da
Educação e dos Esportes teriam trocas nas próximas semanas. Entre os
cotados estariam o jornalista Franklin Martins e o diplomata Celso Amorim.
A
matemática feita pela presidenta e pelos ministros Jaques Wagner e
Ricardo Berzoini foi de que era possível encampar alguns nomes de Lula,
mas era necessário garantir o espaço de outros que até agora foram fiéis
à Dilma e ao PT. Neste grupo estão o próprio Wagner, que virou chefe de
gabinete da presidenta, cargo que agora tem status de ministro, e
Edinho Silva, da Secretaria de Comunicação Social que pode ir para
Esportes.
Além da lealdade desses dois, a preocupação dos petistas
era garantir a prerrogativa de foro privilegiado deles. Como foram
citados no escândalo da Lava Jato,
se perdessem os cargos de ministros, ambos poderiam ser julgados pelo
juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal do Paraná. Mantendo a função, só
ficariam sob o crivo do Supremo Tribunal Federal, assim como Lula.
No
cardápio de medidas discutidas por Rousseff e Lula nos últimos dois
dias havia um possível uso de reservas internacionais do país para a
criação de um fundo destinado às obras de infraestrutura, saneamento e
energia, além da ampliação da concessão de créditos. Essas questões
foram levantadas pelo PT em seu último encontro nacional no mês passado.
A
primeira delas não foi aceita de pronto pela presidenta, que as chamou
de especulação. “Jamais teremos uma pauta de uso dessas reservas para
algo que não seja proteção do país contra flutuações internacionais. E
as reservas, também, elas podem ter um papel em relação à dívida, mas
elas não são a forma adequada de se solucionar questões de
investimento”. A segunda (que trata dos créditos) deverá ter novidades
em
breve, conforme aliados do Governo.
Todos esses planos estão em
suspenso, num momento em que as gravações romperam pontes importantes
para Lula. O ex-presidente se vê agora entre um impeachment
aparentemente inevitável de sua sucessora, e a tarefa de salvar sua
biografia.
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