Jamil Chade, correspondente - O Estado de S. Paulo
Acordo com país europeu permitirá ao Brasil processar suspeitos não só por corrupção, mas por sonegação e evasão, ligados a pelo menos US$ 800 milhões
BERNA - O Ministério Público da Suíça fechou um
acordo com a Procuradoria-Geral da República para transferir ao Brasil
"milhares" de documentos, extratos e informações sobre as contas
envolvendo políticos e outros suspeitos na Operação Lava Jato. Pelo
entendimento informal, o Brasil será autorizado a usar os dados para
processar suspeitos não apenas por corrupção, mas também por sonegação
fiscal e evasão, ligados a com pelo menos US$ 800 milhões depositados no
país europeu.
O acordo foi fechado na quinta-feira, numa reunião de
quatro horas entre o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e
Michael Lauber, seu homólogo suíço. Para o país europeu, que não
penaliza a sonegação no exterior por um estrangeiro, o entendimento é
"revolucionário" e permitirá que "dezenas de suspeitos" sejam punidos.
Os suíços informaram que já bloquearam US$ 800 milhões em mais
de mil contas suspeitas. Os correntistas são políticos, executivos e
doleiros envolvidos na Lava Jato. Fontes em Berna, porém, temiam que,
para chegar às provas sobre corrupção, os processos poderiam levar
anos.
Uma forma de acelerar o trâmite desses casos é identificar o
crime como sonegação, levando em conta as centenas de contas não
declaradas. "Como é que o Al Capone foi pego?", comentou uma fonte em
Berna, em referência ao gângster americano que foi preso pelos crimes
contra o Fisco dos Estados Unidos.
Para isso, porém, o Brasil fará uma consulta formal aos suíços
sobre a possibilidade de usar os extratos bancários para abrir
inquéritos não apenas por corrupção, mas também por evasão fiscal.
A aceitação por parte dos suíços, já confirmada na reunião de
quinta-feira, vai ser enviada ao Brasil por meio de uma nota
diplomática. "Será uma avalanche de processos", na definição de um dos
participantes do encontro.
Investigadores apontam que, das mil contas já identificadas, o
trabalho para traçar a origem do dinheiro pode ainda levar "meses,
senão anos". O que surpreendeu os especialistas suíços é a rede de
empresas offshore, doleiros e intermediários envolvido nos casos, o que
dificulta a identificação da origem dos ativos. Com a acusação simples
de sonegação, o mero fato de a conta existir já é suficiente para que
haja um inquérito.
Nem brasileiros nem suíços aceitaram por enquanto revelar os
nomes dos políticos envolvidos. "Mas a lista abarca todo o cenário
partidário brasileiro", indicou uma fonte em Berna que acompanha o caso.
"Modelo Cunha". O modelo usado para a autorização para usar os
extratos por sonegação partiu do caso do presidente da Câmara dos
Deputados, Eduardo Cunha. Janot já havia feito uma consulta no mês
passado sobre a possibilidade de usar os documentos do deputado para o
acusar de sonegação, o que foi liberado pelos suíços.
Com o sinal verde obtido, Janot partiu para um pedido amplo para que todos os casos possam seguir esse benefício.
Outro acordo que começa a ser costurado por brasileiros e
suíços é a transferência completa de investigações de Berna para
Brasília. Para os suíços, suspeitos brasileiros dificilmente serão
presos, já que não mais farão viagens para o país europeu. Ao transferir
os casos ao Brasil, Berna abre mão de sua jurisdição e envia toda a
documentação bancária colhida.
Uma vez mais, o modelo é de Eduardo Cunha. Fontes do MP suíço
confirmaram ao Estado que, no acordo, ficou estabelecido que o Brasil
teve acesso a todos os documentos de todas as movimentações bancárias
das empresas offshore que são suspeitas de terem sido criadas para
abrigar as supostas propinas recebidas pelo deputado - o que ele nega.
Para os suíços, porém, a transferência também faz sentido.
Berna alega que, com Cunha e sua família no Brasil, as chances de o
prenderem na Suíça ou interrogarem o político na Europa são reduzidas.
Pelo menos mais dois casos devem chegar à PRG em Brasília até
meados dos ano. E todos poderão ser investigados por sonegação, além de
corrupção.
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