quarta-feira, 2 de março de 2016

Assédio sexual: um crime muito falado, mas pouco conhecido




Publicado por Canal Ciências Criminais -
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Assdio sexual um crime muito falado mas pouco conhecido


Por Denis Caramigo


Ouve-se, constantemente, falar em assédio sexual, mas poucas pessoas sabem, realmente, o que este tipo penal estabelece.

Talvez por influência da mídia, principalmente a televisiva, as pessoas acham que qualquer importunação de cunho sexual se enquadra no crime, aqui, comentado.

Já escrevi, em outras oportunidades, sobre o crime de estupro e a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, recomendando, assim, a leitura de tais temas para melhor compreensão não só dessas infrações penais, como, também, do crime que aqui comentamos.

Para que possamos entender a tipicidade do crime de assédio sexual, vejamos a disposição do caput do artigo 216-A do Código Penal:
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Entendo que o dispositivo desse crime retrata, de forma cristalina, a legalidade taxativa (ou falta dela) penal, gerando, assim, muitas controvérsias jurídicas na sua aplicação fática, tendo em vista que sua redação não ajuda em nada para a segurança jurídica no mundo real.

Uma pergunta importantíssima que surge é: Constranger alguém a quê?
Não existe determinação do objeto, deixando, dessa forma, uma lacuna enorme para interpretação extensiva, ferindo o princípio da legalidade que impera no direito penal.

O constrangimento estabelecido no dispositivo jamais pode ser deduzido, suposto ou, pior, adivinhado, pois, sendo assim, a insegurança jurídica será gerada de acordo com a subjetividade de cada um.

A conduta que tipifica o crime, como já observamos, é constranger alguém, o que significa, além de forçar, coagir, obrigar, compelir, incomodar, tolher a liberdade, cercear, embaraçar a pessoa da vítima, o que pode ser feito por palavras (oralmente ou por escrito), gestos etc.

Mais uma vez chamo a atenção para a falha do legislador quando não estabeleceu a legalidade taxativa do objeto: […] constranger alguém […] A QUÊ?”.

Como se não bastasse, as expressões “vantagem ou favorecimento sexual” são indeterminadas e vagas, deixando, assim, interpretações subjetivas infindáveis, ferindo, também, o princípio já comentado.

Total falta de técnica legislativa que deixa o tipo penal sem definição específica e aplicação séria, apenas, no mundo hipotético, sem nenhum respeito ao princípio da legalidade que rege o direito penal.

Apenas para fiel cumprimento da explicação do tema, o princípio da legalidade traduz que somente pode se considerar infração penal (crime ou contravenção) determinada conduta se prevista em lei. O mesmo pode-se dizer sobre a existência da pena.

Tal disposição encontra-se garantida constitucionalmente no art. 5º, XXXIX:
“Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Assim, impede-se a utilização de aplicação in pejus das normas penais como fonte criadora de infrações e respectivas sanções, ou seja, é vedada a utilização da analogia para a definição de delitos ou aplicação de penas.

Crítica feita, analisemos quem pode cometer e sofrer o assédio sexual.

O sujeito ativo do crime é qualquer pessoa que ocupe posição superior ou tenha ascendência, na relação laborativa, sobre a vítima. Já o sujeito passivo, deve ser o subordinado ou empregado de menor escalão.

Percebam que necessariamente deve haver uma relação laborativa entre os sujeitos (ativo e passivo), caso contrário o crime de assédio não se tipificará (fato atípico), sendo, portanto, a conduta enquadrada em outra tipicidade penal (quando prevista).

Importante destacar que quando o código “fala” em “superior hierárquico” refere-se ao funcionário de maior autoridade na estrutura administrativa pública, civil ou militar.

Na esfera particular (setor privado) o termo utilizado é “ascendência”, existente nas relações de emprego.

Como já dito e muito importante ser reiterado, é indispensável que haja a referida superioridade decorrente de uma relação administrativa ou de uma ascendência própria de cunho trabalhista.


Não existe assédio sexual fora da relação de cunho laboral.


Assim sendo, a título de exemplo, podem ser sujeitos ativos do crime o superior hierárquico, de direito administrativo, ou empregadores, patrões, chefes de serviço…

Figuram como sujeitos passivos do delito o subordinado administrativo ou o empregado.

Ainda que existam (poucas) decisões reconhecendo o assédio sexual com pessoas do mesmo nível hierárquico, não é o entendimento que prevalece.

Não existe a forma culposa (por imperícia, imprudência e/ou negligência) no crime de assédio sexual sendo, portanto, o dolo (consciência e vontade de produzir o resultado), com o fim de obter alguma vantagem ou favorecimento de cunho sexual, o elemento subjetivo.

Por fim, o sexo da pessoa que comete e/ou sofre a conduta lesiva é irrelevante.

O crime pode ser cometido por homem x mulher; mulher x homem; homem x homem e mulher x mulher.

Como em qualquer estudo o tema deve ser melhor aprofundado, porém, neste breve esboço tentamos passar, de forma clara e objetiva, que só existe o crime de assédio sexual, única e exclusivamente, por meio de uma relação laborativa.


Denis Caramigo – Advogado criminalista. Consultor jurídico. Membro da Comissão do Acadêmico de Direito da OAB/SP. Colunista e orientador jurídico do projeto Prodigs – Ação Pró-dignidade sexual. Palestrante.

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