sexta-feira, 18 de março de 2016

Recessão caminha para ser a mais grave da história do Brasil




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Fila de carros estacionados
À venda: pátios cheios de carros são evidência de uma das piores fases da indústria no Brasil



São Paulo — Talvez nenhum período da história recente tenha deixado tantas más lembranças para os brasileiros quanto os anos 80. Foi nessa época que o país conviveu mais intensamente com as insanidades da hiperinflação, do alto desemprego, da destruição generalizada de riqueza e com um desarranjo total da economia.

As mazelas que o Brasil enfrentou então foram sintetizadas na merecida alcunha de década perdida. 

A expressão passou a servir de alerta permanente para os riscos que o descontrole dos preços e da dívida pública acarreta ao crescimento — ou à falta dele. Mas tudo aquilo que, até pouco tempo, parecia sepultado no passado está ressurgindo da tumba.

No dia 3 de março, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística divulgou que em 2015 a economia sofreu uma retração de 3,8%, a maior desde 1990. Não foi surpresa para ninguém o tombo tão forte. 

Afinal, o Brasil vem desacelerando há sete trimestres consecutivos e as evidências estão por toda parte. O consumo caiu 4%.

A produção recuou em todos os 25 segmentos da indústria de transformação. Os investimentos encolheram pelo segundo ano consecutivo, acumulando uma contração de quase 18%. A taxa de desemprego vem crescendo. E a bolsa de valores oscila entre o pessimismo e surtos de euforia gerados por qualquer fiapo de boa notícia. Esse é o retrato nefasto do momento.

Mas, ao olhar para a frente, vemos que o que está por vir pode assumir proporções trágicas. De acordo com as projeções do banco americano Goldman Sachs, a economia brasileira segue encolhendo no primeiro trimestre de 2016, e a redução de nosso PIB per capita poderá chegar a 10% em dois anos.

No período de 1981 a 1992, a famosa década perdida que começou com uma recessão e terminou em outra, a renda encolheu 7,6%. “O Brasil vai conseguir ter um resultado pior em dois anos do que o registrado durante toda a década perdida”, diz Alberto Ramos, diretor de pesquisas para a América Latina do Goldman Sachs. 

De qualquer ângulo que se observe a economia brasileira, não há motivo para acreditar que o que vemos hoje seja uma deterioração pontual. A maioria dos analistas entrou em 2016 apostando que algum consenso político seria alcançado ainda no começo do ano e logo haveria uma reanimação da economia.

A consultoria Tendências, por exemplo, estimava em dezembro que a economia voltaria a crescer no terceiro trimestre deste ano. Mas, de lá para cá, a crise política só tem se agravado. Isso fez com que em março a Tendências postergasse a expectativa de algum sinal de retomada para o primeiro trimestre de 2017, ou seja, seis meses mais tarde.

Já há quem acredite que não só 2016 esteja condenado mas o ano de 2017 também. Após os termos da suposta delação do senador Delcídio do Amaral virem a público, o banco de investimento Credit Suisse revisou as projeções para a economia brasileira: agora o cenário é de uma queda de 4,2% em 2016, seguida de nova retração de 1% em 2017.

Esse é o prognóstico considerado mais provável pela equipe do economista Nilson Teixeira. Se a crise se agravar ainda mais e gerar uma paralisia ainda maior na economia, este ano poderá terminar com uma redução no PIB de — respire fundo — inacreditáveis 6,1%. Nesse panorama, um tombo maior também seria garantido para 2017: -2,3%.

“O que o Brasil vive é uma grande recessão sem precedentes históricos”, diz o economista Armando Castelar, do Instituto Brasileiro de Economia da Fun­dação Getulio Vargas. “Uma recessão de magni­tude e duração maior do que qualquer coisa que o país já tenha vivido no último século.”

Caso se concretizem três contrações seguidas do PIB, será a primeira vez desde 1901 que o Brasil registrará uma recessão que poderá perdurar por três anos consecutivos. O país, obviamente, sairá diminuído. Nessa situação, o PIB de 2017 voltaria ao patamar de 2004, anulando assim os ganhos adicionais conquistados em mais de uma década de expansão econômica.

A deterioração sem precedentes levanta a seguinte dúvida: mais que uma recessão, o Brasil caminha para uma depressão? Há pouca convergência sobre o que é de fato uma depressão econômica. Um estudo do Fundo Monetário Internacional traz parâmetros para a discussão.

O trabalho avaliou 21 países da OCDE, grupo de nações mais ricas, entre 1960 e 2007, e mostrou que, em geral, as depressões provocam uma perda acima de 10% do produto interno bruto. “A contração nesse caso é três vezes maior do que a verificada numa recessão severa”, diz Marco Terrones, economista do FMI responsável pela avaliação.

A maior de todas — a Grande Depressão americana dos anos 30 — resultou numa queda total de 29,4% na economia dos Estados Unidos. Pelo conceito usado pelo FMI, o Brasil estaria próximo de cair numa depressão. Para alguns economistas, porém, falta um componente essencial.

De acordo com Monica de Bolle, pesquisadora do centro de estudos Peterson Institute, em Washington, uma depressão só se caracteriza quando há ocorrência também de deflação. Ou seja, uma espiral de preços em queda, fruto da falta de confiança no futuro. Hoje, o Brasil vive justamente o contrário.

No ano passado, a inflação fechou em quase 11%. Era esperado que a redução da atividade econômica agisse como um freio na escalada de preços. Até agora não é isso o que se vê. Em janeiro, o índice de preços ao consumidor avançou 1,27% — número que indica o mesmo ­ritmo de aceleração de 2015. A resiliência da inflação traz de volta outro bicho-papão do passado: a inflação descontrolada.

A disparada de preços não ocorre do dia para a noite. A inflação se aloja gradualmente no tecido econômico. Primeiramente, é a indexação de salários que determina que o piso dos índices de preço sempre avance mais um pouco. Em segundo lugar, é a chamada inflação inercial que entra em ação.

É quando lojistas, fabricantes, prestadores de serviços começam a aumentar preventivamente os preços, pois acreditam que todo o resto da economia está fazendo o mesmo. Aí, o problema já está instalado. Na reedição de antigas encrencas do país, até o famigerado termo “calote” voltou a circular. Em 2014, ninguém falava em risco de calote.

Mas o avanço da dívida pública bruta, que deverá subir 11 pontos percentuais em apenas 24 meses e poderá chegar a 90% do PIB em 2018, acende o sinal amarelo — ainda mais com o governo persistindo em gerar déficit em suas contas, mesmo pagando juros altíssimos.

A Economist Intelligence Unit, braço de estudos e pesquisas da revista britânica The Economist que desde 2013 também funciona como agência de classificação de risco, calcula em 15% o risco de ocorrer um calote na dívida brasileira. É uma situação que ainda parece confortável, mas o fato é que a probabilidade era a metade um ano atrás.

As reservas de 370 bilhões de dólares seriam uma espécie de colchão de segurança. E o fato de a maior parte da dívida estar nas mãos de investidores locais, como bancos e seguradoras, é um alento. No passado, uma crise aguda como a atual acabava com o país batendo na porta do Fundo Monetário Internacional e se submetendo ao ajuste fiscal imposto pela instituição.

Funcionou assim nos anos 60 e 80. Hoje não corremos esse risco. Mas a queda livre na recessão sempre pode trazer surpresas. Ou, como bem ilustrou recentemente o investidor Luis Stuhlberger, principal gestor de recursos do país: em se tratando de Brasil, há sempre o risco de aparecer um alçapão no fundo do poço — e de descobrirmos que o problema é ainda maior.

É da natureza dos empresários apostar que o futuro será melhor — caso contrário, ninguém faria nada, e todo o dinheiro ficaria parado na renda fixa. Mas a economia brasileira tem desafiado a capacidade de gestão de crises em quase todas as áreas.

No setor automotivo, por exemplo, a consultoria GO Associados, de São Paulo, projeta uma redução de 18% na venda de carros em 2016, após o recuo de 25% observado em 2015. Os pátios lotados são uma prova contundente.

“Já estamos num momento difícil. Se ficar pior do que isso, será uma situação de calamidade”, diz o português Carlos Gomes, presidente para o Brasil e para a América Latina do grupo francês PSA, dono das marcas de automóveis Peugeot e Citroën. “E ninguém nunca está pronto para calamidades.” 
A empresa acumula prejuízos no Brasil desde 2013 e não vê tão cedo um horizonte de lucro por aqui.

O varejo vive o pior revés em anos. O grupo holandês C&A anunciou no fim de fevereiro o fechamento de 12 das 280 lojas que tem aqui. Segundo a Confederação Nacional do Comércio, o número de lojas de rua fechadas no país em 2015 chegou a 95 000. Por baixo, 400 000 pessoas perderam o emprego apenas no encerramento desses negócios.

Elas fazem parte do contingente de 1,5 milhão de trabalhadores que foram demitidos em 2015. Estima-se que mais de 2 milhões de postos de trabalho sejam eliminados no Brasil neste ano. Os efeitos do desemprego já começaram a ser sentidos, mas ficarão mais evidentes a partir de agora.

“O que faz o cenário político realmente mudar é a sensação de mal-estar da população, que ainda não sentiu toda a recessão”, diz Castelar, da Fundação Getulio Vargas. Uma parte dos novos desempregados conta ainda com as verbas rescisórias e o benefício temporário do seguro-desemprego. Depois de consumir esses recursos, passam a encarar a rotina de quem ficou sem trabalho.

Apesar do rápido aumento na taxa de desemprego em 2015, de 5,3% para 7,6%, há estimativas que indicam que os salários tiveram um modesto aumento de 0,3% no ano passado. Neste ano, não tem jeito: os rendimentos deverão encolher cerca de 3%. Fazendo tudo novamente piorar: menos consumo, menos produção, menos crescimento...

Nesse enredo de filme de terror, não é apenas a riqueza do presente que é destruída. Também estão sendo minadas as chances de uma recuperação no futuro próximo. Pior que a queda do PIB, que evidentemente é péssima, é a retração extrema do nível de investimento no Brasil. O indicador vem no campo negativo desde o início de 2014.

No ano passado, o investimento caiu novamente — nada menos que 14%. O banco Credit Suisse estima que em 2016 haja outro tombo da mesma magnitude, e o desânimo deverá se estender até 2017. O cálculo é que, no período de 2014 a 2017, a queda acumulada dos investimentos poderá chegar a 31%.

“Isso é fruto da falta de esperança e confiança no Brasil”, diz o economista José Roberto Mendonça de Barros, da consultoria MB Associados. “Vale tanto para as empresas quanto para os consumidores.” São casas que deixam de ser compradas, máquinas que não são encomendadas, novas tecnologias que deixam de ser incorporadas ao setor produtivo, infraestrutura que não é construí­da.

O investimento que não é feito hoje impacta diretamente o futuro. Pesquisas mostram a forte correlação entre o investimento e a produtividade do trabalhador — algo que persiste em baixa no Brasil.

De acordo com Abdul Erumban, economista do centro de pesquisa Conference Board que analisou dados do Brasil no período de 1967 a 2015, para cada ponto percentual de aumento do investimento, a produtividade do trabalhador brasileiro avança 0,5 ponto.

“Apenas para repor a depreciação da infraestrutura e produzir crescimento econômico, é necessário investir em torno de 15% do PIB ao ano”, diz o economista Antonio Delfim Netto. “O Brasil não está conseguindo nem isso e está criando as condições para uma estagnação do crescimento. É uma destruição de valor.”

Não resta a menor dúvida de que o Brasil vive uma situação inédita com desdobramentos ainda imprevisíveis. O embate político estancou a economia. Não há consenso nem mesmo entre o governo e sua base aliada sobre os rumos para o Brasil.

“Para evitar um agravamento da inflação e renovar a confiança dos investidores, alguns setores socioeconômicos terão de fazer sacrifícios”, diz o economista americano Werner Baer, da Universidade de Illinois. “E não está claro como isso será possível enquanto estivermos na situação política atual.” Dito isso, o diagnóstico do que fazer para tirar o país da crise não é um mistério.

O economista alemão Jens Arnold, responsável pelas análises do Brasil na OCDE, considera que, do ponto de vista econômico, as saídas para o imbróglio são fáceis. “Por isso, não imaginei que a crise fosse tomar a dimensão que tomou”, afirma Arnold. “Não era possível pensar que haveria tanta incapacidade de gerar um consenso político em torno das reformas necessárias para o país.”

E quais seriam essas reformas? No curto prazo, a fixação de uma regra para o crescimento das despesas públicas é uma delas. Dessa forma, a conta não cresceria muito em momentos de bonança econômica e seria possível economizar para períodos mais difíceis. Além disso, é preciso elevar a idade mínima de aposentadoria dos brasileiros para algo mais próximo da média de 64 anos dos países mais ricos.

Hoje, a idade média aqui é de 52 anos para mulheres e de 55 para homens, algo insustentável. Outra medida seria rever as regras de reajuste do salário mínimo: o valor do piso quase dobrou nos últimos anos, já descontada a inflação. E, se essa crise vai tirar mais produtividade da economia brasileira, é preciso pensar em como retomá-la no médio prazo.

Para isso, o país precisa cortar os nós burocráticos. Ou seja, o receituário é plenamente conhecido. A crise pode ser a motivação para que finalmente as mudanças aconteçam. Tudo isso poderia ter sido feito antes, claro, mas não foi.

Não está restando alternativa senão um ajuste forçado — a um custo imenso para a sociedade brasileira. Como país, não soubemos evitar os desmandos na economia e suas consequências. É torcer para que o fim da agonia esteja próximo.

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