Ueslei Marcelino/Reuters
Rejeitado: Cunha foi obrigado a arcar com todos os gastos do processo,
inclusive as horas de trabalho dos juízes e da administração pública na
Suíça
Genebra - O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi obrigado a pagar R$ 22,3 mil à Justiça suíça por tentar impedir que os extratos de suas contas fossem enviados ao Brasil.
Documentos obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo confirmam que o Tribunal Penal Federal da Suíça
constatou que o parlamentar, sua mulher, Cláudia Cordeiro Cruz, e
integrantes do seu truste (conta de "confiança", gerida por terceiros
com autorização do deputado) usaram o mesmo advogado e os mesmos
argumentos no esforço de impedir que seus dados bancários fossem
enviados ao Brasil e que o caso fosse julgado no país.
Os três recursos foram rejeitados e Cunha foi obrigado a arcar com todos
os gastos do processo, inclusive as horas de trabalho dos juízes e da
administração pública na Suíça.
"O montante do pagamento é calculado em função de dimensão e dificuldade
da causa, a forma das partes de proceder, sua situação financeiras e as
taxas de administração", indicou uma decisão do tribunal.
Segundo os juízes, as pessoas que apresentaram recursos terão de arcar
com os custos do processo, fixados em 6 mil francos suíços (R$ 22,3
mil).
O Ministério Público da Suíça já havia indicado a existência de US$ 2,4
milhões em contas secretas no banco Julius Baer, controladas pelo
deputado e sua mulher. Os suíços, porém, optaram por transferir o
processo ao Brasil.
A defesa do deputado apresentou um primeiro recurso, que foi negado
ainda em início de outubro. Sem sucesso, seus advogados na Suíça
recorreram ainda ao Tribunal Penal, pedindo a anulação da transferência
da competência do caso ao Brasil.
Se tal medida fosse entendida, nenhum dos documentos enviados teria a
autorização de ser usado como provas em um processo no país contra
Cunha.
Mas o recurso sequer foi tratado em sua substância, sob a alegação de
que tal apelação apenas poderia ser considerada se a parte envolvida no
processo fosse residente na Suíça.
"Apenas pessoas processadas que tenham suas residências atuais na Suíça
tem a legitimidade de recorrer", indicou a decisão do tribunal.
"Entre os três que recorrem, apenas Cunha é visado por um processo
penal, cuja delegação às autoridades brasileira foi realizada", diz a
decisão.
"Entretanto, nenhuma das duas pessoas físicas que recorrem têm sua
residência atual na Suíça. Quanto à sociedade, apesar da conta sob
litígio que ela é titular na Suíça, ela não tem relações com esse país",
constataram os juízes suíços Stephan Blatter, Giorgio Bomio e Nathalie
Franciolli.
"De forma definitiva, nenhum dos recorrentes pode pretender dispor do direito ao recurso."
Idênticos
O que chama a atenção dos juízes é que os recursos, os advogados e
argumentos usados por Cunha foram "idênticos" ao que a empresa de truste
que detém suas contas utilizou. "Eles são representados pelo mesmo
advogado e que evocam em todos os pontos os mesmos argumentos",
indicaram.
Para tentar se defender das acusações, Cunha insiste que é "apenas o
beneficiário em vida" das contas na Suíça e que, de fato, os valores
estão em nome de trustes. Esse será o seu principal argumento no
Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Cunha ainda apontou que
"abriu mão de ser o dono do dinheiro no momento que eu contratei o
truste".
Mas a apresentação de um recurso idêntico entre o truste, a mulher de
Cunha e o parlamentar revela, segundo os juízes suíços, uma estratégia
comum para tratar do caso. "Os três recursos foram gerados a partir do
mesmo conselho jurídico e são rigorosamente idênticos", indicou a
decisão do Tribunal.
"Os recorrentes concluem na anulação da decisão de delegação e pedem um
efeito suspensivo", explicaram os juízes. "Eles pedem, entre outros, que
o Departamento de Justiça interpele as autoridades brasileiras para que
as proibissem de utilizar os documentos e informações obtidas na
delegação (do processo), apontou a decisão.
Um desses trustes, o Orion SP, é suspeito de ter sido abastecido pelo
lobista João Henriques. Em depoimento à força-tarefa da Operação Lava
Jato, Henriques indicou que o dinheiro enviado ao deputado estava
relacionado com um contrato da Petrobras na África.
"Foram 5 transferências realizadas entre 30 de maio de 2011 e 23 de
junho de 2011, sendo 4 no valor de 250.000,00 francos suíços e 1 no
valor de 311.700,00 francos suíços. Todas essas transferências foram
confirmadas tanto no extrato da conta de origem dos recursos (conta
Ancona International LTD, de João Henriques), como no extrato da conta
destinatária dos recursos (conta Orion SP, de Eduardo Cunha)", informa o
processo contra Cunha no Ministério Público Federal.
Na decisão do Tribunal na Suíça, o documento ainda confirma que o MP em
Berna "abriu um processo penal" contra Cunha, "suspeito de ser culpado
por lavagem de dinheiro".
O caso, segundo a decisão, está relacionado "ao escândalo
político-econômico sobre os supostos atos de corrupção em grande escala
cometidos no Brasil". Nesse contexto, houve o sequestro de documentos
bancários.
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