terça-feira, 10 de novembro de 2015

Coty chega com tudo

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Depois de comprar a divisão de cosméticos da Hypermarcas por R$ 3,8 bilhões, a gigante francesa, que distribui marcas como Marc Jacobs, Calvin Klein e Davidoff, tentará disputar a liderança no País. Saiba o que está por trás dessa estratégia


O executivo holandês Lambertus Johannes Hermanus Becht, CEO e chairman da francesa Coty, gigante de cosméticos com receita líquida anual de US$ 4,4 bilhões, tornou-se uma das figuras empresariais mais admiradas e criticadas – talvez na mesma proporção – dos noticiários econômicos da França. Com um estilo agressivo de gestão, “Bart” Becht, como é conhecido, atirou para todos os lados nos últimos cinco anos, contrariando a postura historicamente conservadora da companhia no campo das aquisições.

Desde 2011, quando decidiu se aposentar da britânica Reckitt Benckiser para assumir o cargo mais alto da Coty, determinou o destino de cerca de US$ 40 bilhões comprando concorrentes e ampliando a capacidade de produção. “Os investimentos precisam ser do tamanho de nossa ambição”, disse Becht, em reunião com seus executivos na semana passada, em Nova York. “Precisamos estar no Brasil se queremos nos consolidar na liderança”. A julgar pelo apetite de aquisições da Coty, a declaração de Becht está longe de ser apenas retórica.

Na segunda-feira 2, a Coty concluiu a compra da divisão de cosméticos da paulista Hypermarcas, comandada pelo executivo Claudio Bergamo, por R$ 3,8 bilhões. “Foi um jogo de ganha-ganha”, disse Bergamo à DINHEIRO. “A Coty precisa crescer e nós decidimos nos concentrar em medicamentos, com margens maiores”, afirmou o executivo (leia mais AQUI). Com o negócio, o grupo francês incorporou ao seu portfólio marcas como a dos hidratantes Monange e Paixão, a dos esmaltes Risqué, a de tintas de cabelo Biocolor e a de cremes de barbear Bozzano. “Estamos empolgados com a aquisição de marcas tão conhecidas em um dos mais importantes mercados mundiais”, afirmou Becht.

“O negócio representa um passo no caminho de criar uma empresa global na indústria da beleza.” Mais do que uma grande aquisição, o investimento bilionário da Coty em uma empresa de capital 100% brasileiro representa uma vitória pessoal para Becht, que atualmente também preside o conselho de administração do grupo. Nos bastidores dos principais centros operacionais da companhia, o 17º andar do Empire State Building, em Nova York, e na rue du Quatre Septembre, nos arredores do Museu do Louvre, em Paris, o executivo vinha sendo pressionado por acionistas a ampliar a presença da Coty em mercados-chave, como China, Índia e Brasil.

“A capacidade de Becht estava em xeque”, afirmou um analista do banco suíço UBS, baseado em Zurique, ligado às negociações com a Hypermarcas. “Ninguém entendia por que a Coty estava fora dos mercados que crescem há mais de uma década e que são bem explorados pelas concorrentes”. 

Para ter uma ideia do que a empresa estava perdendo, a receita das companhias brasileiras somou US$ 43,5 bilhões no ano passado, segundo a consultoria Euromonitor, atrás apenas das americanas e das chinesas. No segmento de fragrâncias o Brasil é líder.

A ala mais descontente com a condução da Coty era formada pelos sete membros da família Reimann, donos de 70% do capital da companhia. Eles compraram, em 1992, a fatia da Coty que pertencia ao laboratório americano Pfizer, por US$ 440 milhões. Desde então, não escondiam a ambição de transformar a empresa em um colosso de alcance global. Atualmente, a companhia opera em 130 países e obtém 29% de sua receita nos mercados emergentes. No Brasil, no entanto, a empresa detém apenas 0,2% do mercado, liderado pelas gigantes Unilever, Natura e O Boticário.

Segundo fontes ligadas à empresa, os Reimann estabeleceram como meta ter 40% do faturamento com os emergentes até 2017, número que dificilmente será alcançado. “Os mercados emergentes devem ser responsáveis por 51% do faturamento do mercado mundial de beleza em 2019, o que revela o caráter estratégico das aquisições recentes da Coty”, diz Marcela Viana, analista de pesquisa da Euromonitor. A distribuição das operações da Coty endossa a tese de que a companhia estava realmente desequilibrada no mapa-múndi da beleza.

De janeiro a setembro deste ano, 72% das vendas da companhia se concentraram nos Estados Unidos e Europa, praças consideradas supersaturadas. Um dos termômetros que comprovam isso é o consumo per capita. Enquanto no mercado europeu cada pessoa gasta, em média, US$ 211 anualmente, no restante do mundo o valor não passa de US$ 64, segundo dados da Euromonitor, referentes a 2014. A diferença é que, apesar de muito superior, o consumo na Europa está estacionado. Enquanto isso, nos mercados emergentes as vendas crescem a um ritmo de dois dígitos há mais de uma década.

“A Coty não teria como crescer apenas de forma orgânica, sem adquirir empresas no Brasil”, disse a consultora Lisa Weiser, da corretora B. Riley & Co, de Los Angeles. “O tempo estava se esgotando para Becht e a compra da divisão de cosméticos da Hypermarcas chegou aos 45 minutos do segundo tempo”, acrescentou o analista do UBS. De fato, a definição do negócio aconteceu em clima de disputa de turfe. Na corrida para saber quem levaria a Hypermarcas, a alemã Henkel, uma das maiores fabricantes de produtos de beleza de uso profissional, como clínicas de estética e salões de beleza, teria mantido um acordo de exclusividade na negociação.

No entanto, o prazo teria expirado quase duas semanas antes da proposta final da Coty pela divisão da Hypermarcas. A compra de marcas populares da Hypermarcas também simboliza o trunfo de Becht na queda-de-braço com seus principais executivos no esforço para diversificar o portfólio. 

Becht enxergava na popularização da Coty uma saída para expandir a empresa em alcance geográfico e receita, ideia defendida também pelo alemão Nicolas Fischer, que será o presidente da Coty Brasil. 

Alguns executivos, no entanto, tinham uma ideia oposta a essa, defendendo que a Coty precisava se sofisticar ainda mais para ampliar suas margens.

No ano passado, a rival L’Oréal adotou postura semelhante. A companhia comprou a brasileira Niely Cosméticos, de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, líder no País na venda de produtos voltados para as classes C e D. Por esta razão, é consenso que a Coty, que detém o licenciamento de marcas consideradas premium, como Calvin Klein, Adidas, Davidoff e Marc Jacobs, cujos perfumes podem custar mais de R$ 400, terá de aprender a se comunicar com um público acostumado a comprar cremes Monange e Paixão, com preço médio de R$ 2,90.

“A Coty precisará estabelecer um plano de ação muito específico para esse novo público”, garante a consultora Luciane Martinatti, especialista em beleza pela FGV-SP. Não foi a primeira vez que a Coty tentou seduzir uma empresa com forte atuação no mercado nacional. Em 2012, a empresa lançou uma proposta de US$ 10 bilhões pela americana Avon, a maior empresa de vendas diretas do mundo, com faturamento US$ 8,9 bilhões em 2014, e cujo maior mercado é o Brasil. Ouviu um “não”. No ano seguinte, ofereceu ao apresentador Silvio Santos meio bilhão de reais pela Jequiti.

A oferta foi novamente recusada. Em junho deste ano, a Coty, finalmente, comprou da americana P&G as marcas Wella, Max Factor e Cover Girl, por US$ 12,8 bilhões. Com o negócio, que prevê a incorporação gradual de outros rótulos, como Hugo Boss, Dolce & Gabbana e Lacoste, a Coty se tornará a número um no mercado mundial de perfumes, com 12,7% de participação, e ficará muito próxima da liderança no Brasil, com fatia de 9,6%. A estratégia da Coty por aqui precisará ser bem estudada para competir com gigantes já consolidadas, como a Natura e O Boticário.

Inicialmente, com os produtos populares da Hypermarcas, a Coty não deverá entrar em um embate direto com as companhias brasileiras. Nos próximos anos, no entanto, a empresa francesa deverá aumentar sua capilaridade no varejo brasileiro, com perfumes e cosméticos em praticamente todas as faixas de renda. “A empresa encontrará um ambiente bastante competitivo, com forte presença de players internacionais e locais já bem posicionados”, afirma Marcela Viana, da Euromonitor. Mas, ao que tudo indica, a Coty está pronta para a briga.

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