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Depois de comprar
a divisão de cosméticos da Hypermarcas por R$ 3,8 bilhões, a gigante
francesa, que distribui marcas como Marc Jacobs, Calvin Klein e
Davidoff, tentará disputar a liderança no País. Saiba o que está por
trás dessa estratégia
O
executivo holandês Lambertus Johannes Hermanus Becht, CEO e chairman da
francesa Coty, gigante de cosméticos com receita líquida anual de US$
4,4 bilhões, tornou-se uma das figuras empresariais mais admiradas e
criticadas – talvez na mesma proporção – dos noticiários econômicos da
França. Com um estilo agressivo de gestão, “Bart” Becht, como é
conhecido, atirou para todos os lados nos últimos cinco anos,
contrariando a postura historicamente conservadora da companhia no campo
das aquisições.
Desde 2011, quando decidiu se aposentar da
britânica Reckitt Benckiser para assumir o cargo mais alto da Coty,
determinou o destino de cerca de US$ 40 bilhões comprando concorrentes e
ampliando a capacidade de produção. “Os investimentos precisam ser do
tamanho de nossa ambição”, disse Becht, em reunião com seus executivos
na semana passada, em Nova York. “Precisamos estar no Brasil se queremos
nos consolidar na liderança”. A julgar pelo apetite de aquisições da
Coty, a declaração de Becht está longe de ser apenas retórica.
Na
segunda-feira 2, a Coty concluiu a compra da divisão de cosméticos da
paulista Hypermarcas, comandada pelo executivo Claudio Bergamo, por R$
3,8 bilhões. “Foi um jogo de ganha-ganha”, disse Bergamo à DINHEIRO. “A
Coty precisa crescer e nós decidimos nos concentrar em medicamentos, com
margens maiores”, afirmou o executivo (leia mais AQUI). Com o negócio, o
grupo francês incorporou ao seu portfólio marcas como a dos hidratantes
Monange e Paixão, a dos esmaltes Risqué, a de tintas de cabelo Biocolor
e a de cremes de barbear Bozzano. “Estamos empolgados com a aquisição
de marcas tão conhecidas em um dos mais importantes mercados mundiais”,
afirmou Becht.
“O negócio representa um passo no caminho de criar
uma empresa global na indústria da beleza.” Mais do que uma grande
aquisição, o investimento bilionário da Coty em uma empresa de capital
100% brasileiro representa uma vitória pessoal para Becht, que
atualmente também preside o conselho de administração do grupo. Nos
bastidores dos principais centros operacionais da companhia, o 17º andar
do Empire State Building, em Nova York, e na rue du Quatre Septembre,
nos arredores do Museu do Louvre, em Paris, o executivo vinha sendo
pressionado por acionistas a ampliar a presença da Coty em
mercados-chave, como China, Índia e Brasil.
“A capacidade de Becht
estava em xeque”, afirmou um analista do banco suíço UBS, baseado em
Zurique, ligado às negociações com a Hypermarcas. “Ninguém entendia por
que a Coty estava fora dos mercados que crescem há mais de uma década e
que são bem explorados pelas concorrentes”.
Para ter uma ideia do que a
empresa estava perdendo, a receita das companhias brasileiras somou US$
43,5 bilhões no ano passado, segundo a consultoria Euromonitor, atrás
apenas das americanas e das chinesas. No segmento de fragrâncias o
Brasil é líder.
A ala mais descontente com a condução da Coty era
formada pelos sete membros da família Reimann, donos de 70% do capital
da companhia. Eles compraram, em 1992, a fatia da Coty que pertencia ao
laboratório americano Pfizer, por US$ 440 milhões. Desde então, não
escondiam a ambição de transformar a empresa em um colosso de alcance
global. Atualmente, a companhia opera em 130 países e obtém 29% de sua
receita nos mercados emergentes. No Brasil, no entanto, a empresa detém
apenas 0,2% do mercado, liderado pelas gigantes Unilever, Natura e O
Boticário.
Segundo fontes ligadas à empresa, os Reimann
estabeleceram como meta ter 40% do faturamento com os emergentes até
2017, número que dificilmente será alcançado. “Os mercados emergentes
devem ser responsáveis por 51% do faturamento do mercado mundial de
beleza em 2019, o que revela o caráter estratégico das aquisições
recentes da Coty”, diz Marcela Viana, analista de pesquisa da
Euromonitor. A distribuição das operações da Coty endossa a tese de que a
companhia estava realmente desequilibrada no mapa-múndi da beleza.
De
janeiro a setembro deste ano, 72% das vendas da companhia se
concentraram nos Estados Unidos e Europa, praças consideradas
supersaturadas. Um dos termômetros que comprovam isso é o
consumo per capita. Enquanto no mercado europeu cada pessoa gasta, em
média, US$ 211 anualmente, no restante do mundo o valor não passa de US$
64, segundo dados da Euromonitor, referentes a 2014. A diferença é que,
apesar de muito superior, o consumo na Europa está estacionado.
Enquanto isso, nos mercados emergentes as vendas crescem a um ritmo de
dois dígitos há mais de uma década.
“A Coty não teria como crescer
apenas de forma orgânica, sem adquirir empresas no Brasil”, disse a
consultora Lisa Weiser, da corretora B. Riley & Co, de Los Angeles.
“O tempo estava se esgotando para Becht e a compra da divisão de
cosméticos da Hypermarcas chegou aos 45 minutos do segundo tempo”,
acrescentou o analista do UBS. De fato, a definição do negócio aconteceu
em clima de disputa de turfe. Na corrida para saber quem levaria a
Hypermarcas, a alemã Henkel, uma das maiores fabricantes de produtos de
beleza de uso profissional, como clínicas de estética e salões de
beleza, teria mantido um acordo de exclusividade na negociação.
No
entanto, o prazo teria expirado quase duas semanas antes da proposta
final da Coty pela divisão da Hypermarcas. A compra de marcas populares
da Hypermarcas também simboliza o trunfo de Becht na queda-de-braço com
seus principais executivos no esforço para diversificar o portfólio.
Becht enxergava na popularização da Coty uma saída para expandir a
empresa em alcance geográfico e receita, ideia defendida também pelo
alemão Nicolas Fischer, que será o presidente da Coty Brasil.
Alguns
executivos, no entanto, tinham uma ideia oposta a essa, defendendo que a
Coty precisava se sofisticar ainda mais para ampliar suas margens.
No
ano passado, a rival L’Oréal adotou postura semelhante. A companhia
comprou a brasileira Niely Cosméticos, de Nova Iguaçu, no Rio de
Janeiro, líder no País na venda de produtos voltados para as classes C e
D. Por esta razão, é consenso que a Coty, que detém o licenciamento de
marcas consideradas premium, como Calvin Klein, Adidas, Davidoff e Marc
Jacobs, cujos perfumes podem custar mais de R$ 400, terá de aprender a
se comunicar com um público acostumado a comprar cremes Monange e
Paixão, com preço médio de R$ 2,90.
“A Coty precisará estabelecer
um plano de ação muito específico para esse novo público”, garante a
consultora Luciane Martinatti, especialista em beleza pela FGV-SP. Não
foi a primeira vez que a Coty tentou seduzir uma empresa com forte
atuação no mercado nacional. Em 2012, a empresa lançou uma proposta de
US$ 10 bilhões pela americana Avon, a maior empresa de vendas diretas do
mundo, com faturamento US$ 8,9 bilhões em 2014, e cujo maior mercado é o
Brasil. Ouviu um “não”. No ano seguinte, ofereceu ao apresentador
Silvio Santos meio bilhão de reais pela Jequiti.
A oferta foi
novamente recusada. Em junho deste ano, a Coty, finalmente, comprou da
americana P&G as marcas Wella, Max Factor e Cover Girl, por US$ 12,8
bilhões. Com o negócio, que prevê a incorporação gradual de outros
rótulos, como Hugo Boss, Dolce & Gabbana e Lacoste, a Coty se
tornará a número um no mercado mundial de perfumes, com 12,7% de
participação, e ficará muito próxima da liderança no Brasil, com fatia
de 9,6%. A estratégia da Coty por aqui precisará ser bem estudada para
competir com gigantes já consolidadas, como a Natura e O Boticário.
Inicialmente,
com os produtos populares da Hypermarcas, a Coty não deverá entrar em
um embate direto com as companhias brasileiras. Nos próximos anos, no
entanto, a empresa francesa deverá aumentar sua capilaridade no varejo
brasileiro, com perfumes e cosméticos em praticamente todas as faixas de
renda. “A empresa encontrará um ambiente bastante competitivo, com
forte presença de players internacionais e locais já bem posicionados”,
afirma Marcela Viana, da Euromonitor. Mas, ao que tudo indica, a Coty
está pronta para a briga.
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