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Um
homem e uma mulher casam em comum acordo. Ela busca a cidadania
italiana do marido e o passaporte europeu. Ele, o visto de permanência
no Brasil. Ficam juntos por três anos. A homossexualidade do marido é
apontada como motivo para o fim da união, embora testemunhas afirmem que
a mulher conhecesse a orientação sexual do marido desde antes do
casamento.
Depois de nove anos separados de fato, o homem falece e
a mulher busca na Justiça sua parte na herança, abrindo uma briga
judicial com os cinco irmãos do ex-companheiro.
Foi essa situação
que levou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a interpretar, pela
primeira vez, de quem seria o ônus da prova previsto no artigo 1.830 do Código Civil, que cria uma exceção ao direito sucessório do companheiro.
Pelo
dispositivo, o cônjuge sobrevivente terá parte da herança desde que o
casal não esteja separado judicialmente ou de fato há mais de dois anos.
De acordo com o mesmo artigo, essa regra só é quebrada quando é provado
que a culpa pelo fim do casamento não foi do sobrevivente. “É a exceção
da exceção”, resumiu a ministra Isabel Gallotti, relatora do caso (REsp
1513252/SP).
Ônus da prova
Depois de anos de briga na
Justiça de São Paulo, o STJ foi chamado a responder de quem é a
responsabilidade de fazer a prova sobre a culpa pela separação – da
ex-esposa ou dos irmãos do falecido, que tentavam excluí-la da herança?
Em
decisão inédita, a 4ª Turma da Corte definiu que é do cônjuge
sobrevivente – e não de terceiros interessados – a responsabilidade de
demonstrar que o casamento não teve fim por sua culpa. O entendimento
foi unânime.
Gallotti defendeu que o dispositivo tem uma
sequência lógica. Segundo a ministra, os herdeiros devem provar que a
separação ocorreu há mais de dois anos. Isto comprovado, cabe ao cônjuge
demonstrar que não foi sua a responsabilidade pelo fim do casamento.
“Cabia à ré provar que não teve culpa amparada na regra excepcional”, afirmou a ministra.
Seguindo
o voto da relatora, o ministro Luís Felipe Salomão pontuou que “seria
impossível” exigir dos herdeiros – que desconheciam a vida em comum do
casal – que apontassem o evento que ensejou o fim do casamento. “O ônus
deve recair sobre cônjuge sobrevivente se desejar participar da
herança”, disse o ministro.
No caso concreto, as provas colhidas
foram inconclusivas. Algumas testemunhas atribuíram o fim do casamento à
homossexualidade do marido. Outras afirmaram que a esposa sabia da
orientação sexual do cônjuge desde o princípio. Alguns depoimentos
apontaram que o casal nunca morou na mesma casa, informação que foi
desmentida por outros.
Com o entendimento, o STJ reverteu decisão
do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que havia entendido que as
provas inconclusivas beneficiaria a ex-mulher. Para os ministros, em
caso de as provas não demonstrarem a culpa pelo fim da união, a dúvida
deve beneficiar os herdeiros, ficando a cônjuge excluída da herança.
Sem culpa
A
discussão travada pela Corte superior perdeu o sentido a partir de
junho de 2010, afirma o presidente do Instituto Brasileiro de Direito de
Família, Rodrigo da Cunha Pereira. De acordo com o advogado, o debate
sobre a culpa pelo fim do casamento foi sepultado com a edição da Emenda
Constitucional 66/2010, que alterou o artigo 226 da Constitucional para simplificar o divórcio.
“A
emenda significou o avanço do Estado laico porque a culpa é entremeada
de noções religiosas. O Estado não deve entrar nessa questão. O discurso
agora é de responsabilidade, não de culpa”, afirma Pereira,
acrescentando que o debate colocado no STJ ficou no passado mesmo sem a
alteração do artigo 1.830 do Código Civil.
“O
dispositivo deve ser interpretado de acordo com a previsão
constitucional. Entendo que não existe mais casamento se o casal está
separado há mais de dois anos. Dessa forma, não seria justo reconhecer
direitos sucessórios”, conclui.
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