Hipossuficiência empresarial
Cláusulas
contratuais que impedem ou criam dificuldades para as partes envolvidas
recorrerem ao Judiciário não atendem ao fim social do contrato, por
isso podem ser mitigadas, principalmente quando se encontra em jogo a
soberania nacional. Com esse fundamento, a 5ª Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro anulou o item do contrato de prestação de
serviço entre uma empresa brasileira e outra estrangeira que estabelecia
o foro de Houston, no estado americano do Texas, para dirimir
eventuais conflitos. A decisão foi unânime.
A determinação foi
proferida em uma exceção de incompetência proposta pela Global Serviços
Geofísicos a fim de reafirmar a competência do Judiciário dos EUA para
julgar o processo de cobrança em que é ré. A ação foi movida pela
brasileira Geonunes Consultoria, Representações e Apoio Marítimo,
contratada pela companhia americana. A brasileira foi defendida
escritório Garcia & Keener Advogados.
A
primeira instância negou o pedido, e o caso foi parar na 5ª Câmara
Cível. A Global pediu a reforma da decisão. A Geonunes, por sua vez, se
defendeu com o argumento de que optara pela cobrança na Justiça
brasileira porque a empresa americana tem sede no Brasil e tanto o
serviço como os pagamentos ocorreram no país.
Segundo a Geonunes,
“sendo hipossuficiente em relação à multinacional americana”, não teve
poder para formular ou alterar cláusulas, como a que elege o foro
competente para julgar eventuais litígios, então previsto no contrato de
adesão.
Para o desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira,
que relatou o caso, o argumento da companhia americana de que a
prevalência do foro de eleição tem lastro na autonomia da vontade não
prevalece. “Apesar de sua importância para discernir a intenção dos
contratantes, esta regra não é absoluta, podendo ser mitigada pela
função social do contrato e pela soberania nacional”, afirmou.
Segundo
o relator, é possível modificar a competência territorial, mas não
excluir ou afastar a jurisdição nacional. “Sendo as normas de
competência internacional de ordem pública, as partes podem optar por
ambas as jurisdições, mas não é possível desprezar uma em detrimento de
outra, como previsto na cláusula de eleição”, destacou.
Figueira
disse que a cláusula que impeça ou cause dificuldade a um dos
contratantes para buscar a tutela jurisdicional assegurada na
Constituição Federal não atende o fim social. Dessa forma, a autonomia
da vontade, e por consequência a cláusula de eleição de foro, encontram
limitações no ordenamento jurídico brasileiro, “não tendo o condão de,
por si só, afastar a jurisdição brasileira”.
O
desembargador explicou que a tutela pretendida na ação de cobrança se
enquadra nas hipóteses do artigo 88 do Código de Processo Civil, tendo
em vista que o local do cumprimento da obrigação objeto da lide,
prestação de serviço de geologia, ocorre no Brasil.
Por fim,
destacou que a empresa americana não demonstrou prejuízos à defesa pelo
fato de a ação de cobrança ter sido movida no Brasil, firmando a
competência do juízo da 5ª Vara Cível Regional da Barra da Tijuca.
Clique aqui para ler a decisão.
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