terça-feira, 24 de novembro de 2015

Você não sente a dor do outro


Talvez até imagine, comova-se, solidarize-se. Mas certas experiências são individuais e somente quem as tem consegue compreendê-las totalmente


REUTERS/Christian Hartmann


Certo dia, estava indo à rodoviária pegar um ônibus de Jerusalém a Tel Aviv. Era cedo pela manhã e, para quem não conhece, há um mercado público bem agradável não muito longe. Eu passei pelo mercado e, olhando aquelas gostosuras, fiquei tentado a parar. Olhei o horário dos ônibus e resolvi que se pegasse um lanche rápido na rodoviária mesmo conseguiria entrar no próximo. Então desisti do mercado, apertei o passo e segui em frente.

No caminho, ouço um barulho alto, parecia uma batida, mas não soube identificar muito bem. Chegando à rodoviária, ouço no rádio que um carro bomba tinha acabado de explodir – exatamente no local onde momentos antes eu estava parado, pensando se ficaria ali para comer.

O sentimento é desconcertante. Na hora, fui até o telefone público e liguei para os meus pais no Brasil para dizer que está tudo bem. Só com eles na linha sem entender muito o que eu estava dizendo me dei conta de que eles não sabiam onde eu estava e ainda não tinha dado tempo para a notícia chegar aos jornais internacionais, se é que chegaria.

Mais tarde, vendo as notícias na TV, fiquei sabendo que o terrorista se explodiu sozinho e não levou mais ninguém. Menos mal. Confesso que, por alguns dias, aquilo mexeu comigo, a imagem na TV de um carro explodindo, no exato lugar em que eu tinha parado alguns minutos antes.

Anos mais tarde, vi na TV que uma pizzaria que eu frequentava também explodiu. Um dos atendentes morreu, e fiquei pensando depois se eu o tinha conhecido.

Quando vemos uma notícia sobre algo que mal conhecemos, é extremamente difícil, senão impossível entender exatamente o que aquilo significa. Eu saí ileso, não tive um arranhão, mas o objetivo do “terror” é exatamente esse, e posso dizer que me lembro do sentimento de aterrorizado após o fato.

Seja na Internet, em livros, palestras ou o que quer que seja, costumamos ver palavras como superação e resiliência jogadas de um lado ao outro, geralmente bem fora de seu contexto. Tudo pode ser explicado, tudo pode ser relativizado. Alguém sempre vai dizer que tem alguém pior que você em algum lugar do mundo. Que tudo pode ser superado de acordo com a sua mentalidade.

Eu sempre tive um problema com isso. A verdade é que nossa experiência na terra sempre vai ser limitada. Você pode saber o que é ter uma bicicleta roubada, eu posso saber o que é levar um susto desses, alguém pode saber o que é ter uma doença grave. Por mais que se possam fazer relatos, a experiência subjetiva é de cada um. Quem sou eu para dizer que alguém que chora por que teve uma bicicleta roubada é menos digno do que alguém que lida com outro problema? Ninguém tem o monopólio sobre a condição humana. Provavelmente, eu nunca vou saber o que é ser um refugiado de guerra, nem nunca vou saber o que é perder tudo que tenho por uma queda de barragem.

E é por isso que fico horrorizado quando vejo julgamentos e justificativas, tanto na mídia quanto nos famosos “textões" de Facebook. Quando alguém minimiza um problema como é “apenas uma demissão”, “apenas um problema qualquer”, ou quando dão opinião realizando um julgamento sobre o que mal entendem, e talvez nunca vão entender.

Sim, sou a favor de colocar as coisas em perspectiva. Mas há tempo para tudo. É preciso, de vez em quando, se dar uma folga e dizer: sou só humano. É preciso, também, dar uma folga a todos os outros. Somos todos humanos, falhos e cada um com seus problemas. Se não podemos entender a diversidade das experiências humanas, talvez o melhor seja apenas aprender a respeitar, dar o tempo de cada um, e estender uma mão no momento de se levantar.

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