quarta-feira, 18 de março de 2015

Indústria de satélites vive corrida espacial


Divulgação
 
Emiliano Kargieman, da Satellogic
Emiliano Kargieman, da Satellogic: satélites do tamanho de fornos de micro-ondas

Gian Kojikovski, de Revista EXAME
 
São Paulo - Todas as semanas, o biólogo Fernando Reinach recebe em seu escritório, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, cerca de uma dezena de propostas de negócios que se autointitulam “inovadores”.

Reinach é o responsável pelo fundo Pitanga, criado em 2011 e que tem entre seus sócios Pedro Moreira Salles, um dos controladores do banco Itaú, e os três fundadores da empresa de cosméticos Natura: Luiz Seabra, Guilherme Leal e Pedro Passos.

Com capital de 100 milhões de reais, a missão do Pitanga é das mais difíceis. Seu objetivo é encontrar empreendedores dedicados a tecnologias revolucionárias, com potencial de criar grandes companhias. Em quase quatro anos, só duas empresas receberam investimentos. 

A primeira foi a I.Systems, do setor de automação industrial, com sede em Campinas, que começou a receber aportes em 2013. Baseados em inteligência artificial, os softwares da I.Systems aumentam a eficiência de linhas de produção. A segunda aposta do Pitanga, fechada há poucas semanas, mirou bem mais longe. O alvo do investimento foi a startup argentina Satellogic, que constrói satélites de observação terrestre, aqueles que monitoram o planeta a uma distância de pelo menos 160 quilômetros da Terra.

Criada em 2010 pelo empreendedor argentino Emiliano Kargieman, a empresa desenvolveu uma tecnologia para a fabricação dos chamados microssatélites. Os da Satellogic têm o tamanho equivalente ao de um micro-ondas, pesam 22 quilos (os tradicionais têm 2 metros e o peso de um carro sedã) e, o melhor de tudo, a um custo muito inferior.

Enquanto os satélites tradicionais custam 400 milhões de dólares, os equipamentos da Satellogic saem por 250 000 dólares. Nos cálculos do Pitanga que justificaram o investimento, isso permitirá cobrar um preço muito acessível por imagem: 0,05 de dólar por quilômetro quadrado fotografado.

O potencial desse mercado e da empresa argentina também atraiu a atenção da Tencent, segunda maior companhia de internet da China, avaliada em quase 140 bilhões de dólares. Os chineses e o Pitanga acabaram entrando ao mesmo tempo na Satellogic.

Ambas as partes têm participações equivalentes, que, somadas, permanecem minoritárias (os valores não foram divulgados). O dinheiro dos investidores vai financiar a fase de expansão comercial da Satellogic. Com três satélites já em órbita, a empresa deverá lançar outra dezena de aparelhos nos próximos dois anos.

O investimento do Pitanga e da Tencent em microssatélites é parte de uma tendência mundial. Por décadas, os investimentos na área espacial foram quase todos feitos por governos. Pressionados pela necessidade de cortar custos, os países que mais investiam — Estados Unidos e Rússia — acabaram reduzindo o ritmo de crescimento do montante destinado a seus projetos.

Enquanto isso acontecia, o setor espacial viu a chegada de investidores do calibre de Richard Branson, presidente do grupo Virgin, Elon Musk, fundador da montadora de carros elétricos Tesla, e Jeff Bezos, criador da rede de varejo online Amazon. A Virgin Galactic é a empresa fundada por Branson para o desenvolvimento do turismo espacial.

Mesmo após a morte de um dos pilotos que estavam a bordo de seu SpaceShipTwo num acidente durante um voo experimental em outubro, Branson já avisou que seguirá com seus planos de oferecer voltas ao redor da Terra — e, no caminho, lançar satélites. A SpaceX, de Musk, dona da primeira nave privada a ter visitado a Estação Espacial Internacional, deverá lançar 2 500 satélites nos próximos anos.


Um olho no espaço


A capacidade de lançar muitos satélites permite a empresas, como a argentina Satellogic, captar imagens de um mesmo lugar várias vezes ao dia. Hoje, os grandes satélites de observação passam sobre o mesmo ponto do planeta num intervalo de um a três dias. O objetivo de longo prazo da Satellogic é lançar uma constelação de 300 satélites peque­nos, o que permitirá reduzir a 5 minutos o intervalo entre uma imagem e outra.

“O mercado de observação da Terra em setores como agricultura, petróleo e gás e governos deve atingir 25 bilhões de dólares até o fim da década, dez vezes mais do que o patamar atual”, diz Kargieman. O argentino refere-se a empresas interessadas no uso de imagens para acompanhar colheitas, explorar campos de petróleo ou verificar a progressão de obras. Ao gerar imagens quase contínuas, empresas como a Satellogic podem abrir outras áreas de negócio, como a de controle de tráfego de cidades.

Entre as principais concorrentes da Satellogic estão algumas companhias americanas. A maior é a Planet Labs, que já lançou mais de 1 000 satélites. Em 2014, o Google comprou a Skybox, outra empresa do setor, por 500 milhões de dólares. Há também uma série de startups que desenvolvem máquinas conhecidas como nanossatélites, que pesam e custam ainda menos.

Um dos desafios da nova leva de satélites de menor porte — tanto os de cerca de 20 quilos quanto os de até 200 gramas — será enviar dados precisos. “Hoje, esses satélites são mais instáveis e a precisão das imagens é menor”, diz Adam Keith, diretor da consultoria francesa Euroconsult. Ainda que acertos sejam necessários nos próximos anos, uma coisa parece certa: haverá muito mais coisas entre o céu e a Terra.

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