Divulgação
Emiliano Kargieman, da Satellogic: satélites do tamanho de fornos de micro-ondas
São Paulo - Todas as semanas, o biólogo Fernando Reinach recebe em seu
escritório, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, cerca de uma dezena de
propostas de negócios que se autointitulam “inovadores”.
Reinach é o responsável pelo fundo Pitanga, criado em 2011 e que tem
entre seus sócios Pedro Moreira Salles, um dos controladores do banco
Itaú, e os três fundadores da empresa de cosméticos Natura: Luiz Seabra,
Guilherme Leal e Pedro Passos.
Com capital de 100 milhões de reais, a missão do Pitanga é das mais difíceis. Seu objetivo é encontrar empreendedores
dedicados a tecnologias revolucionárias, com potencial de criar grandes
companhias. Em quase quatro anos, só duas empresas receberam
investimentos.
A primeira foi a I.Systems, do setor de automação industrial, com sede
em Campinas, que começou a receber aportes em 2013. Baseados em
inteligência artificial, os softwares da I.Systems aumentam a eficiência
de linhas de produção. A segunda aposta do Pitanga, fechada há poucas
semanas, mirou bem mais longe. O alvo do investimento foi a startup
argentina Satellogic, que constrói satélites de observação terrestre,
aqueles que monitoram o planeta a uma distância de pelo menos 160
quilômetros da Terra.
Criada em 2010 pelo empreendedor argentino Emiliano Kargieman, a empresa desenvolveu uma tecnologia
para a fabricação dos chamados microssatélites. Os da Satellogic têm o
tamanho equivalente ao de um micro-ondas, pesam 22 quilos (os
tradicionais têm 2 metros e o peso de um carro sedã) e, o melhor de
tudo, a um custo muito inferior.
Enquanto os satélites tradicionais custam 400 milhões de dólares, os
equipamentos da Satellogic saem por 250 000 dólares. Nos cálculos do
Pitanga que justificaram o investimento, isso permitirá cobrar um preço
muito acessível por imagem: 0,05 de dólar por quilômetro quadrado
fotografado.
O potencial desse mercado e da empresa argentina também atraiu a
atenção da Tencent, segunda maior companhia de internet da China,
avaliada em quase 140 bilhões de dólares. Os chineses e o Pitanga
acabaram entrando ao mesmo tempo na Satellogic.
Ambas as partes têm participações equivalentes, que, somadas,
permanecem minoritárias (os valores não foram divulgados). O dinheiro
dos investidores vai financiar a fase de expansão comercial da
Satellogic. Com três satélites já em órbita, a empresa deverá lançar outra dezena de aparelhos nos próximos dois anos.
O investimento do Pitanga e da Tencent em microssatélites é parte de
uma tendência mundial. Por décadas, os investimentos na área espacial
foram quase todos feitos por governos. Pressionados pela necessidade de
cortar custos, os países que mais investiam — Estados Unidos e Rússia —
acabaram reduzindo o ritmo de crescimento do montante destinado a seus
projetos.
Enquanto isso acontecia, o setor espacial viu a chegada de investidores
do calibre de Richard Branson, presidente do grupo Virgin, Elon Musk,
fundador da montadora de carros elétricos Tesla, e Jeff Bezos, criador
da rede de varejo online Amazon. A Virgin Galactic é a empresa fundada
por Branson para o desenvolvimento do turismo espacial.
Mesmo após a morte de um dos pilotos que estavam a bordo de seu
SpaceShipTwo num acidente durante um voo experimental em outubro,
Branson já avisou que seguirá com seus planos de oferecer voltas ao
redor da Terra — e, no caminho, lançar satélites. A SpaceX, de Musk,
dona da primeira nave privada a ter visitado a Estação Espacial
Internacional, deverá lançar 2 500 satélites nos próximos anos.
Um olho no espaço
A capacidade de lançar muitos satélites permite a empresas, como a
argentina Satellogic, captar imagens de um mesmo lugar várias vezes ao
dia. Hoje, os grandes satélites de observação passam sobre o mesmo ponto
do planeta num intervalo de um a três dias. O objetivo de longo prazo
da Satellogic é lançar uma constelação de 300 satélites pequenos, o que
permitirá reduzir a 5 minutos o intervalo entre uma imagem e outra.
“O mercado de observação da Terra em setores como agricultura, petróleo
e gás e governos deve atingir 25 bilhões de dólares até o fim da
década, dez vezes mais do que o patamar atual”, diz Kargieman. O
argentino refere-se a empresas interessadas no uso de imagens para
acompanhar colheitas, explorar campos de petróleo ou verificar a
progressão de obras. Ao gerar imagens quase contínuas, empresas como a
Satellogic podem abrir outras áreas de negócio, como a de controle de
tráfego de cidades.
Entre as principais concorrentes da Satellogic estão algumas companhias
americanas. A maior é a Planet Labs, que já lançou mais de 1 000
satélites. Em 2014, o Google comprou a Skybox, outra empresa do setor,
por 500 milhões de dólares. Há também uma série de startups que
desenvolvem máquinas conhecidas como nanossatélites, que pesam e custam
ainda menos.
Um dos desafios da nova leva de satélites de menor porte — tanto os de
cerca de 20 quilos quanto os de até 200 gramas — será enviar dados
precisos. “Hoje, esses satélites são mais instáveis e a precisão das
imagens é menor”, diz Adam Keith, diretor da consultoria francesa
Euroconsult. Ainda que acertos sejam necessários nos próximos anos, uma
coisa parece certa: haverá muito mais coisas entre o céu e a Terra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário