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A miragem: a promessa é investir 200 bilhões de reais na infraestrutura. Mas de onde virá o dinheiro?
São Paulo — Está mais do que na hora de os profissionais das ciências
políticas, sociais e psicológicas deste país se dedicarem com seriedade à
investigação de um fenômeno até agora inexplicável — a obsessão por
trens de ferro e ferrovias imaginárias dos governos do ex-presidente
Lula e da atual presidente Dilma Rousseff.
Durante anos, como é do conhecimento comum, o governo
testou a paciência dos brasileiros falando no trem-bala, que ligaria o
Rio de Janeiro a São Paulo, e sabe Deus a que outros lugares mais,
chispando à velocidade de 200 quilômetros por hora ou coisa parecida. O
trem-bala foi o campeão das obras com existência limitada ao papel que
se sucederam ao longo desse tempo todo.
Em certo momento, foi incluído entre as realizações que o governo
popular “entregou” ao país. Era também uma demonstração a mais de que
“foi preciso um operário chegar à Presidência da República para o Brasil
ganhar um trem do Primeiro Mundo” — e mesmo a mais pacata manifestação
de discordância em relação aos desejos do governo a respeito era
imediatamente carimbada como “complexo de vira-lata” das nossas elites.
Mas o trem-bala nasceu, viveu e morreu como uma miragem.
Jamais recebeu um único metro de trilho; jamais teve, sequer, um
projeto de engenharia. Muito bem. Justo agora, quando o trem-bala estava
em via de ser esquecido, lá vem a presidente Dilma e nos informa que
ela tem mais um trem a apresentar: desta vez é a Ferrovia Bioceânica.
À primeira vista parece alguma coisa ligada ao Ministério do Meio Ambiente
— uma estrada de ferro para melhorar a sustentabilidade dos biomas
brasileiros, talvez, ou para proteger a biodiversidade do nosso litoral?
Não: a ideia é fazer uma ferrovia ligando o Brasil ao Peru, até chegar
ao Oceano Pacífico. É o novo trem-bala — “O Retorno”. Ideia fixa? Chamem
os universitários.
A Ferrovia Bioceânica não faz parte do PAC, caso isso possa animar
alguém, e sim do PIL, o que já desanima de novo — é esse o nome que
deram a um Plano de Investimento em Logística que o governo acaba de
anunciar, acenando com investimentos de quase 200 bilhões de reais em
obras, dos quais, obviamente, não existe um único tostão em caixa.
Na teoria, a solução para essa dificuldade está em executar as obras
pelo sistema de concessões à iniciativa privada. É o que o governo
prometeu ao lançar esse último plano, junto com a garantia de que, ao
contrário do que aconteceu nos últimos 12 anos e meio, desta vez as
empresas não terão de cumprir exigências impossíveis para receber a
licença de investir na infraestrutura do país.
Trata-se, com certeza, da única opção para fazer algo de útil nessa
área — ou o investidor privado tem alguma chance real de ganhar dinheiro
com a exploração comercial de estrada, aeroporto ou outra obra que
construa com os próprios recursos, ou não investe. Por que raios
investiria se o governo não vai deixar que ele tenha lucro com seu
investimento?
Desde janeiro de 2003, os resultados obtidos com concessões foram
positivamente miseráveis, como é da lógica elementar — nas poucas
iniciativas que chegou a fazer, o governo criou tantos obstáculos que
quase nada de sério foi feito. O mais notável deles é a exigência de um
“lucro justo”, nem um realzinho a mais — sendo que é o governo, e não o
mercado, quem decide o que é justo e injusto.
Esqueçam o trem bioceânico, que já nasce morto pelo ridículo e pelo
fato de que transportar cargas para o Pacífico sai mais barato pelos
portos atualmente em operação, mesmo com seus custos horrendos. O PIL
inteiro caminha para a não existência se o PT, em geral, e a presidente
Dilma, em particular, continuarem a agir como têm agido em todo o seu
governo.
As obras jamais foram feitas porque ambos, no fundo, são
apaixonadamente contra a privatização da infraestrutura — estão
convencidos de que é melhor não fazer nada do que deixar que outros
façam. Preferem ficar com sua ideologia e as ruínas da transposição das
águas do rio São Francisco.
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