O advogado Lenio Streck conta como ficou refém da
RR Advocacia
Por Lenio Streck*, Espaço Vital
Quando
repito uma frase famosa "hecha le ley, hecha la trampa", não é apenas
uma frase de efeito. Conseguimos esgarçar os mínimos laços éticos da sociedade
pindoramense. O cidadão é refém de empresas fantasmas e outros quetais. Vamos a
um caso bizarro.
Tenho um
financiamento pelo Bradesco-Tudo-de-Bra-pra-você referente à compra de um
automóvel. Não escolhi o Tudo-de-Bra, é claro. Foi imposição da concessionária.
Pago
religiosamente em dia. Tenho todos os recibos. Neste mês, recebi um telefonema
de uma empresa de cobrança de São Paulo, chamada RR Advocacia. Quatro ligações
me dizendo que eu estava inadimplente, atrasado na prestação e que teria que
discutir a “questão”. Disse-lhes, já na primeira ligação, às 9h53, que estava
paga e que eles fizessem o que quisessem. E que não mais ligassem.
Continuaram
a ligar. Na verdade, não sei quantas vezes. Também recebi no dia 9 um SMS
(9h35) de um telefone da Bahia (71-86055861 — que não atende quando você liga
de volta), cobrando-me a mesma coisa. Eles atacam de todos os lados.
Dia 10,
9h41: SMS dizendo para entrar em contato URGENTE (sic) para pagar o débito
(08000030800). A via crucis não para. Liguei para lá — Débora me atendeu.
Falando gerundês. Dizendo que meu nome poderia ficar “sujo” (sic) se eu não
pagasse.
Sigo. E
volto dois dias. No mesmo dia 8 de junho recebi um e-mail (eles informam um
e-mail: caue.motta@rradvocacia.adv.br), dizendo que estava atrasada a prestação
e que se eu quisesse fazer negociação amigável (sic), entrasse em contato com o
e-mail, esse acima, ou por telefone. Dizia o email: tens prazo. “O tempo é
limitado”.
Caso
contrário... Bem, o que acham?
Respirei
profundamente e... liguei. Pedi para falar com um advogado. Disseram que os
encarregados (que penso serem advogados) ainda não haviam chegado. Só podia ser
atendido por funcionários. Liguei de novo e até brinquei com a moça que me
atendeu, dizendo que eu não tinha dinheiro e queria “negociar”, só para ver até
onde iriam.
Passaram-me
para outra moça — técnica em negociação (sic) — que, falando gerundês, ofereceu-me
uma “boa” proposta: o Bradesco tomaria meu carro e me devolveria parte do
dinheiro. Seria um “bom negócio” para mim (vejam o absurdo: dei 60% de entrada,
uma fortuna, já paguei 10 parcelas e eu devolveria ternamente o carro — ah, a
mocinha ainda me perguntou: o carro está em bom estado? Senão vai dificultar!).
Disse-lhe:
mas só uma prestação (pouco mais de R$ 2 mil) e já vão tomar o carro ou “se
propõem a recebê-lo”?
“— Sim, é
a norma do banco”.
“— Quem
são vocês, perguntei?”
“— Somos
a empresa de advocacia que cobra as contas atrasadas dos clientes do Bradesco”.
Vejam: eu
pago em dia; informei tudo isso (e não adiantou); e, vejam: o “atraso” era
de... 5 dias! E já estava com o “advogado”.
Falei-lhe
então a verdade: (repeti) que eu já havia pago e que jamais uma proposta dessas
poderia ser aceita.
Ela me
disse: “— fazemos isso todos os dias”.
Uau.
Coitado desse povo (coitado no sentido estrito da palavra).
Mas quem
é a empresa? Quem é RR Cobrança ou RR Advocacia? Não tem telefone no saite.
Tentei ligar de novo para o telefone da tal RR. Falei com Armando, Vitor,
Micheli, Edileide, Flávia (supervisora) e Arnaldo Aquino (este era o chefe do
departamento de cobrança). Todos disseram que não podiam falar sobre quem era o
encarregado. Não estavam autorizados.
Quer
dizer: eles podem lhe perturbar, ameaçar de cobrança judicial, mas você não tem
o direito de saber quem é o advogado responsável. Façam-me o favor! Pedi de
novo para falar com o advogado. Coloquei tudo isso no viva voz para que minha
equipe ouvisse. Todos (de Armando a Arnaldo) disseram: o encarregado ainda não
chegou.
Insisti:
sou advogado e queria falar com o advogado que assina pelo escritório.
Disse-lhes: indago tudo isso como profissional de advocacia. E eles, burocraticamente,
diziam: não podemos dizer quem é o encarregado. Surreal!
Liguei
para a OAB de São Paulo para saber quem estava por trás de RR Cobrança ou RR
Advocacia. A OAB não soube dizer, porque com esse nome não tinha nenhuma
sociedade ou empresa de advocacia. RR é nome de fantasia, como Casas da Banha
ou Balão Mágico.
Liguei
para o BRADESCO-TUDO-DE-BRA-PRÁ-VOCÊ (fone 40044433) e a atendente Elaine Moura
me disse que só podia informar que a empresa de cobrança se chamava RR.
Só.
Insisti:
Só RR? E Elaine: Sim, aqui só está escrito RR. Bingo. E me passou o telefone da
RR: 08005805002. Binguíssimo. Foi para onde já havia ligado...! Voltei à estaca
zero. Pedi para seis pessoas de minha equipe procurarem alguma pista da tal RR,
dos sócios que não se sabe quem são, etc. Nada. Tudo fantasma. Fomos atrás do
saite e facebook. Nenhum telefone. Nenhuma pista.
Por fim,
às 11h30 descobri que RR Advocacia ou RR Cobrança vinha de Rocha e Ruiz
Advogados Associados. Então liguei novamente para a OAB-SP e fui informado que
o único número registrado da Rocha e Ruiz Advogados era 4083.3867. Liguei
imediatamente para lá e tive mais uma decepção, já que a atendente afirmou que
eu estava ligando para a... cobrança Itaú (um setor da RR). O Itaú faz a mesma
coisa que o Bradesco, só para registrar.
Era o fim
de uma longa jornada malsucedida, em que passei horas e horas perdendo o meu
precioso tempo sem resolver o grande imbróglio criado por eles.
Pindorama:
faroeste caboclo — só não se sabe quem são os mocinhos
Eis o que
o Brasil virou. Eis o que virou a advocacia de Pindorama. Se nem eu consigo
resolver isso, o que dizer de pessoas que não tem acesso aos mecanismos
institucionais? Pindorama virou um país do vale-tudo.
Da anomia. Um país de
fancaria. Você recebe telefonemas e e-mails de uma empresa de cobrança (que tem
por trás, segundo o e-mail, uma empresa de advocacia) e não consegue saber com
quem você está tratando.
E a
ética? E a legislação? Pode um grupo de funcionários ficar ligando e cobrando
contas atrasadas (atrasadas — sic — porque não era o caso) e fazendo
“negociação” (sic) que envolve direitos fundamentais das pessoas? Não
esqueçamos (Pindorama ainda é capitalista): Um bem — no caso, um automóvel — é
uma propriedade. E a propriedade tem proteção constitucional. Está no artigo
5º. E quem quer negociá-la (retirá-la) de você é uma mocinha-não-advogada? Uma
prestação atrasada (sic) e o Tudo-de-Bra-Prá-Você, através da RR Advocacia, já
quer tirar o bem financiado?
Um bem
cuja entrada foi de mais de R$ 80 mil seria devolvido por causa de uma
prestação e a mocinha diz que “isso seria bom para mim”? Quem vai querer fazer
financiamento num banco como esse? Fujam do Tudo-de-Bra (esse banco desconhece
o Código do Consumidor e a Constituição que estabelece respeito aos direitos
fundamentais). Esse banco não espera nem os dez dias que constam no boleto e já
manda para o escritório de advocacia, que passará a aterrorizar o vivente?
Fujam dos
escritórios de cobrança (o que é impossível, porque bancos como o Bradesco e
Itaú remetem nos primeiros dias para o advogado). Fujam de RR Cobrança. Fujam
para as montanhas. Lá está o cume. E só o alto da montanha é um lugar seguro
contra a barbárie.
Socorro,
OAB-SP. Socorro, OAB nacional. Socorro, Febraban. Socorro Procon. E o
Ministério Público, nada faz em relação a isso? O saite da empresa está
recheado de queixas. Basta acessar.
Ainda
estou impactado: Um funcionário semialfabetizado (é o que apareceu e isso
também decorre da avaliação de quem ouviu a conversa) — que atua em nome de um
escritório de advocacia (pelo jeito, gigante, porque deve ter sucursais até na
Bahia, em face do prefixo 71) — quer “negociar a devolução de seu carro”,
porque será um “bom negócio”. E isso depois de perturbarem durante três dias
com ligações telefônicas, SMS e e-mail! Não consigo acreditar. Ah: como tenho o
comprovante, suponha-se que o banco no qual efetuei o pagamento não tenha
remetido o dinheiro para o Tudo-de-Bra; e daí? Só mais uma prova de que nem os
bancos se entendem entre si; isto se chama de canibalismo bancário e eu não
tenho nada a ver com isso! De todo modo, comuniquei ao meu banco (Banrisul) —
protocolo 154507702.
Isso deve
acontecer diariamente a — e com — milhões de brasileiros, vítimas de cobranças
indevidas, propostas indecorosas lesivas aos clientes, cobranças feitas por
pessoas que não são advogados, empresas de cobrança que mandam email informando
que se trata de cobrança de escritório de advocacia, para assustar o incauto.
Se com seis dias de pretenso atraso já ocorre isso, imagine se o atraso for de
trinta dias.
Neste caso, eles esfolam o cliente, penduram no pau-de-arara e
outros quetais.
É
evidente que eles põem esse e-mail para assustar o cliente. Respondi o e-mail e
não obtive resposta. Perguntei quem eram eles, etc. Nada. Era, pois, fake.
Ética? Zero. Afinal, depois de dizerem que você está atrasado e que podem
negociar isso, a colocação de um e-mail de escritório de advocacia dá o ar
“oficial”.
Espero
que seja feita investigação sobre o proceder do banco e das empresas desse
jaez. E, por favor, se alguém souber o telefone de alguém da RR Advocacia ou RR
Cobrança, passem-me. Quero falar com o Rocha ou o Ruiz. Um dos dois “R”s. Quero
perguntar se eles acham ético o proceder da empresa que capitaneiam. E quero
perguntar por que tentaram “negociar” comigo condições absolutamente leoninas.
E colocarem alguém não-advogado para tratar de um assunto reservado a advogado
(contrato envolvendo direito fundamental de propriedade de alto valor). E eles
não sabem o que é repetição de indébito? Não sabem o que é perturbação do
sossego alheio? Não sabem o que dano moral?
Isso.
Curto e grosso. Perco a paciência com Pindorama, pois se tornou uma terra sem
lei. E isso está ocorrendo em todas as áreas. Alunos desrespeitam professores;
crianças com três ou quatro pais, cinco avôs; usucapião em terras públicas;
leis desobedecidas cotidianamente, o que se tornou um tormento para os
pindoramenses; você liga para um 0800 para reclamar e fala com uma máquina;
ministro da Justiça que diz que, fosse preso, “se mataria”; condenados que são
liberados porque não há vagas em presídios; companhias áreas que fazem cárcere
privado de seus passageiros (5 horas as pessoas ficaram retidas na aeronave em
um voo em Campinas no final de semana); empresas que oferecem internet a R$
6,90 por semana (experimente para ver o que é possível acessar com isso);
companhias telefônicas lesam milhões de pessoas em apenas um dia; nem o futebol
está livre da corrupção; segurança pública num estado deprimente, já que o
máximo que a polícia diz é que você deve levar o dinheiro do ladrão separado no
bolso; Câmara dos Deputados coloca uma emenda de R$ 1 bilhão para construir um
shopping; pessoas tomando soro em pé...
Paro por
aqui. Tem horas que dá vontade de largar tudo. Perdemos a capacidade de
indignação. Fomos vencidos. E tudo sob a égide de um...Código do Consumidor!
Viva! Hecha la ley, hecha la trampa.
Pindorama:
paraíso da iniquidade!
*Procurador
de justiça aposentado e advogado.
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