Detalhe que importa
O
motivo para o aplicativo de troca de mensagens WhatsApp não cumprir as
ordens judiciais de entregar dados de usuários está nos próprios pedidos
feitos pelos juízes brasileiros. Segundo o advogado da empresa, Davi Tangerino,
os julgadores não usam o caminho correto, que seria o
Acordo de
Assistência Judiciária em Matéria Penal entre os governos do Brasil e
dos Estados Unidos da América (MLAT — Mutual Legal Assistance Treaty, em
inglês).
Tangerino, que é do Trench, Rossi e Watanabe, foi contratado pela companhia americana para cuidar do caso em que o aplicativo foi suspenso no Brasil por 12 horas devido a uma decisão judicial emitida pela juíza Sandra Regina Nostre Marques, da 1ª Vara Criminal de São Bernardo. A
sentença foi motivada por uma investigação da Polícia Civil de São
Paulo sobre um integrante do Primeiro Comando da Capital (PCC).
Segundo
Tangerino, por estar está sediado nos EUA, o WhatsApp não pode fornecer
as informações solicitadas sem o MLAT, pois isso infringiria as leis do
país anglo-saxão. “A empresa não faz a interceptação de comunicação
porque ela não é devidamente notificado. Nem sempre os juízes não usam o
MLAT, e, nos EUA, assim como no Brasil, interceptação telefônica fora
dos limites legais é crime.”
O advogado também conta que, ao fazer
requisições de conteúdo, os julgadores brasileiros consideram que o
Facebook e o WhatsApp são a mesma empresa, mas as duas companhias apenas
pertencem ao mesmo grupo econômico. “O Jorge Paulo Lemann é dono da
Ambev e do Burguer King, mas nunca ninguém acharia razoável pedir um
documento do Burguer King à Ambev ou vice-versa”, afirma o advogado.
O
tema é tratado pelos artigos 10 e 11 do Marco Civil da Internet. O
primeiro dispositivo delimita que a guarda e a disponibilização de dados
transmitidos por meio da internet "devem atender à preservação da
intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou
indiretamente envolvidas”.
Já o artigo 11 especifica que qualquer
operação de coleta ou armazenamento de dados que sejam transmitidos em
território nacional deverá respeitar a legislação brasileira e os
direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das
comunicações privadas. Em seu parágrafo 2º, o dispositivo explicita que
norma deve ser seguida mesmo que as atividades sejam promovidas por
pessoa jurídica sediada no exterior.
Complementando o raciocínio, o
artigo 12 estipula que o descumprimento dos dispositivos 10 e 11, por
empresa estrangeira, resulta em responsabilização solidaria da sucursal
pelo pagamento da multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no
último ano. “Os pedidos de interceptação são feitos ao Facebook, que não
os atende por não poder, e ele é multado até o limite que Marco Civil
da Internet deixa”, complementa Tangerino.
Desvio na discussão
Para o advogado, a discussão envolvendo a decisão da juíza da 1ª Vara
Criminal de São Bernardo errou no foco. Segundo ele, além da sentença
ser desproporcional, ela não atinge seu objetivo, que é combater a
criminalidade. “Ela derrubou o WhatsApp para onerar a empresa. Aquela
investigação não ganharia nada com isso durante aquelas 48 horas e 100
milhões de pessoas ficaram sem o aplicativo”, diz.
Tangerino
afirma que, apesar de o Marco Civil da Internet ser uma lei adequada,
que protege empresas e usuários, estão atribuindo à norma um mau
entendimento. “Estão dando uma interpretação a fórceps para além do
Marco Civil da Internet, ignorando que são empresas diferentes”,
argumenta.
Segundo advogado, depois da decisão que suspendeu o
aplicativo, muito se foi dito sobre o fato de o alvo indireto da decisão
ser um integrante do PCC, mas essa não deveria ser a discussão. “O MLAT
não faz distinção pela natureza do crime e não mudou porque foco da
investigação é membro do crime organizado.”
Próprio veneno
Davi Tangerino também diz que a ideia de que o WhatsApp deveria criar uma porta dos fundos (backdoor)
na encriptação poderia interferir nas atividades policiais e permitir
outros crimes, além dos que são citados nas decisões judiciais. “Nesse
caso, o conteúdo poderia ser hackeado. Muitos policiais brasileiros usam
o WhatsApp porque o aplicativo é seguro, mas esse backdoor que alguns querem exporia a própria polícia”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário