Pedalada probatória
O drible do Ministério Público Federal na lei
para trazer da Suíça, sem autorização, dados bancários de acusados na
operação “lava jato” recebeu a chancela do juiz federal Sergio Fernando
Moro, responsável pelo caso na 13º Vara Federal de Curitiba. Em decisão
desta terça-feira (19/1) Moro afirma que são “desnecessários quaisquer
novos documentos ou esclarecimentos sobre o referido material”.
O
tratado de cooperação jurídica entre o Brasil e a Suíça para matéria
penal deixa claro que cabe às autoridades centrais dos países fazer
pedidos e autorizar a troca de documentos. O Decreto 6.974/2009, que
promulgou o tratado, lista como autoridade central no Brasil apenas um
órgão: a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério de Justiça. No
entanto, o Ministério Público Federal trouxe da Suíça documentos
relacionados à operação “lava jato” sem a autorização do Ministério da
Justiça.
Trata-se de um pen drive com informações de contas bancárias
relacionadas a “Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef e outros”. O
Ministério Público suíço confirma ter entregue os documentos ao
procurador brasileiro Deltan Dallagnol — chefe da força-tarefa do MPF na
“lava jato” — em 28 de novembro de 2014.
O pedido não havia sido
autorizado pelo Ministério da Justiça, como determina o tratado
internacional. A própria Secretaria Nacional de Justiça fez um alerta ao
MP, enviando um ofício à Procuradoria-Geral da República: “É de extrema
importância que os documentos restituídos pelas autoridades suíças não
sejam usados para instruir processos ou inquéritos não mencionados no
pedido de cooperação jurídica internacional, sem prévia autorização da
autoridade central”, diz o documento
O MPF confirma que trouxe os documentos,
mas alega que “foram unicamente objeto de organização de registros e
análise interna por parte do próprio MPF”, após o afastamento de sigilo
bancário e mediante autorização de acesso firmada pelo ex-diretor da
Petrobras Paulo Roberto Costa, que firmou acordo de delação premiada.
Depois
de já terem sido usados “internamente”, diz o Ministério Público, os
dados foram remetidos posteriormente pelo procedimento formal e só
depois disso foram utilizados “em inquéritos, ações ou qualquer outro
procedimento policial ou judicial”. Advogados veem nisso uma tentativa de “esquentar” provas ilegais.
O
Decreto 6.974/2009, que promulgou o tratado de cooperação jurídica
entre o Brasil e a Suíça para matéria penal é claro ao citar “troca de
informações” e “entrega de documentos, registros e elementos de prova,
inclusive os de natureza administrativa, bancária, financeira, comercial
e societária” como medidas abrangidas pela cooperação.
Para Moro,
no entanto, o argumento do MPF é válido e as questões levantadas pela
defesa “são especulações fantasiosas”. O juiz justifica sua decisão
afirmando que “se não houvesse a autorização para a utilização desse
material na presente ação penal, é certo que, a essa altura e com a
notoriedade do caso, já teria vindo alguma reclamação do estrangeiro”.
Ou seja, já que os suíços nada falaram, não há motivo para os
brasileiros reclamarem.
O juiz dá ainda um puxão de orelha nos
advogados dos ex-executivos da Odebrecht, que pediam explicações sobre o
uso dos dados do pen drive: “Deveria a defesa preocupar-se
mais em esclarecer o que indicam os documentos, os supostos pagamentos
de propina feitas pela Odebrecht aos agentes da Petrobras, do que com as
especulações sobre as supostas faltas de autorização, sendo
desnecessários quaisquer novos documentos ou esclarecimentos sobre o
referido material”.
A defesa dos ex-executivos da empresa estuda
pedir cópia do conteúdo do pen drive ao próprio Ministério Público
Federal e ao Departamento de Recuperação de Ativos Cooperação Jurídica
Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça.
Forma e conteúdo
Daniel Gerber, criminalista do Eduardo Antônio Lucho
Ferrão Advogados Associados critica a decisão e afirma que estabelecer
que normas de regularização de prova são meras formalidades é "renegar a
essência do devido processo legal, transformando letra de lei em um
mero pedaço de papel". Segundo o advogado, "é, no mínimo, incoerente que
um juiz desrespeite a lei para condenar aqueles que também a
desrespeitaram".
O criminalista Guilherme San Juan Araujo,
sócio do San Juan Araujo Advogados, é direto: “Se de fato houve
violação a formalidades essenciais, como a tramitação pelas vias legais,
a prova produzida é nula. No Estado Democrático de Direito, regras e
princípios constam do ordenamento jurídico para serem cumpridos.
Atropelar formalidades macula todo e qualquer processo e nos leva de
volta aos métodos medievais".
Clique aqui para ler a decisão de Moro.
*Texto alterado às 20h57 do dia 20 de janeiro de 2016 para acréscimos.
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