Em uma guinada da política econômica, a presidente Dilma Rousseff
começará seu segundo mandato com metas fiscais definidas até 2017 e
passará a utilizar a dívida bruta, que inclui as transferências do
Tesouro Nacional para os bancos públicos, como principal indicador dos
resultados das contas públicas. O objetivo, anunciado ontem pela nova
equipe econômica do governo, é "estabilização e declínio da relação
dívida bruta do governo geral como percentual do PIB" e fazer com que a
inflação volte ao centro da meta, que é de 4,5% ao ano, em 2016.
Para isso, o ministro nomeado da Fazenda, Joaquim Levy, se
comprometeu com um superávit primário de 1,2% do PIB para o setor
público consolidado no ano que vem. Em 2016 e 2017, o resultado "não
será menor do que 2% do PIB". As novas metas pressupõem que não haverá
aumento no estoque de recursos que o Tesouro Nacional já injetou nos
bancos públicos e que totalizam hoje R$ 507 bilhões.
O presidente do BC, Alexandre Tombini, que continuará no cargo, deu o
recado sobre a inflação ao dizer que o BC não será "complacente" e que
pretende garantir "um cenário de convergência da inflação para o centro
da meta de 4,5% ao ano, no horizonte relevante para a política
monetária", que é 2016. Segundo ele, a política fiscal mais apertada
deve ajudar o trabalho do BC.
As medidas necessárias para alcançar o primário de 2015 não foram
detalhadas, assim como não foram anunciados nomes para as equipes da
Fazenda, Planejamento ou BC. Mas os ministros falaram em cortes de
gastos, não descartaram aumentos de impostos e sinalizaram, inclusive,
que as despesas sociais estão na mira dos cortes.
"A estabilidade econômica não é contraditória (com os gastos
sociais). Não implicam renunciar à conquistas recentes, apenas adequar a
velocidade (dos ganhos) ao cenário macroeconômico dos próximos anos",
disse o ministro indicado do Planejamento, Nelson Barbosa.
Levy fez questão de enfatizar que toda política fiscal depende de
escolhas e que sem crescimento econômico não há como financiar as
políticas sociais. Ambos disseram mais de uma vez que não haverá anúncio
de pacotes ou surpresas pelo governo nas próximas semanas.
Com a meta de não menos que 2% do PIB, o que se espera é que a dívida
bruta caia para um patamar inferior a 50% do PIB e, com isso, ao fim do
processo de ajuste fiscal, o país consiga não só manter o grau de
investimento atual, mas melhorar o nível do rating soberano. O objetivo
de Levy é focar na dívida bruta, atualmente próxima a 70% do PIB -
superior à média dos países emergentes.
A cerimônia de anúncio dos novos ministros não teve a participação da
presidente Dilma Rousseff. Houve gestos ao atual ministro, Guido
Mantega - em São Paulo, longe do Planalto durante o anúncio - que foi
agradecido na nota oficial do Palácio do Planalto, além do protocolar
comentário de Joaquim Levy sobre o "privilégio" de suceder o ministro
mais longevo do período democrático. A nova equipe, no entanto, não se
viu livre de responder sobre o grau de autonomia que terão para fazer o
ajuste fiscal anunciado.
Em sua primeira resposta, Levy foi diplomático e tentou sair pela
tangente. Num segundo questionamento, o futuro ministro da Fazenda foi
educado, mas enfático. "[A autonomia] está dada. Evidentemente que
quando uma equipe é escolhida é porque há confiança nela e eu não tenho
indicação nenhuma em sentido contrário", afirmou Joaquim Levy,
acrescentando que a questão será respondida "no dia a dia".
No balanço de forças da nova equipe econômica, Nelson Barbosa ganhou
espaço. O Ministério do Planejamento passará a comandar todos os
programas de investimentos do governo federal, incluindo as concessões
de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Esse papel era oficialmente
descentralizado, mas vinha sendo oficiosamente exercido pelo atual
secretário do Tesouro Arno Augustin, responsável, por exemplo, pela
defesa inicialmente feita pelo governo de controlar as taxas de retorno
dos investidores privados.
Os discursos dos três novos ministros foram curtos, lidos e
previamente vetados pelo Palácio do Planalto. Nos textos de duas
páginas, os sinais não se limitaram apenas ao desempenho fiscal. Ficou
claro o esforço de marcar diferenças em relação à atual equipe econômica
e de adotar uma linguagem muito mais aceitável ao mercado financeiro e
investidores privados.
Joaquim Levy falou de transparência, fortalecimento da comunicação e
divulgação de dados "que possam ser avaliados por toda a sociedade,
incluindo os agentes econômicos". Uma mensagem clara de oposição à
contabilidade criativa praticada no primeiro mandato da presidente
adotada a partir de 2012.
O futuro ministro também citou a necessidade de aumentar a taxa de
poupança da economia brasileira e a intenção de fortalecer o mercado de
capitais como financiador da infraestrutura "de acordo com sua própria
avaliação de riscos e retorno de cada oportunidade de investimento".
Nelson Barbosa, que é visto como a ala menos ortodoxa da nova equipe,
além de não descartar cortes nos gastos sociais, falou sobre eficiência
do gasto público, desburocratização, desenvolvimento e ampliação das
parcerias público-privadas e aumento da produtividade.
A presidente Dilma não participou da cerimônia. Esperava-se que ela
detalhasse os objetivos da política econômica do segundo mandato. Mas a
Secretaria de Comunicação Social da Presidência informou que a
presidente da República empossa os novos ministros, mas não participa de
anúncios, ainda mais de uma equipe de transição. O ministro Mantega
mudou sua agenda e viajou para São Paulo no início da tarde, depois que
soube que a presidente não participaria da cerimônia de confirmação dos
novos ministros.
Ainda não há data definida para a posse da equipe econômica nomeada
ontem. A expectativa é que isso ocorra uma vez aprovada a lei que
permite ao governo abrir mão da meta fiscal desse ano, que deve ser
votada pelo Congresso na semana que vem. Até lá, Levy e Barbosa
trabalharão numa sala no Palácio do Planalto e terão reuniões com a
atual equipe para detalhar as medidas de ajuste que serão necessárias
para cumprir a promessa de austeridade no segundo mandato.
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