Ramin Talaie/Bloomberg
São Paulo - Joaquim Levy deve passar a fazer parte do governo a partir
desta quinta-feira, quando seu nome será anunciado por Dilma para o Ministério da Fazenda.
Há poucos meses atrás, no entanto, o economista do Bradesco não só colaborou informalmente
com a campanha de Aécio Neves como participou de um documento que
criticava ponto a ponto a política praticada pelo governo federal.
"Sob a Luz do Sol: uma Agenda para o Brasil" foi publicado em 25 de setembro deste
ano pelo Centro de Debate de Políticas Públicas. uma organização "sem
fins lucrativos, independente e apartidária" de orientação liberal.
O documento é "uma obra conjunta dos associados", entre os quais estão nomes como Edmar Bacha, Eduardo Gianetti, Pedro Malan, Celso Lafer e Samuel Pessôa.
Levy não é associado oficialmente, mas seu artigo "Robustez Fiscal e
Qualidade do Gasto como ferramentas para o crescimento" foi uma das bases para o documento. Sua tese principal: "a responsabilidade fiscal continua essencial para o crescimento econômico do Brasil."
Gastos: "a trajetória da despesa pública não pode ser tratada com complacência"
Levy ficou conhecido como "mãos de tesoura"
por seu rigor fiscal quando foi secretário do Tesouro de Lula entre
2003 e 2006 e secretário das Finanças do Rio de Janeiro entre 2007 e
2010. Não foi por acaso que seu nome acabou escolhido em um momento que
requer um "cavalo de pau" nas contas públicas.
No trabalho, Levy destaca que os gastos federais cresceram 4 pontos
percentuais como proporção do PIB entre 1999 e 2013, mesmo em um cenário
de crescimento expressivo do PIB.
Além dos programas sociais, houve um aumento expressivo da previdência -
desafio que só tende a crescer com o envelhecimento da população - e
dos gastos com abono salarial e seguro desemprego - que devem ser os primeiros alvos de cortes neste momento.
"As medidas tomadas nos últimos anos acabaram impedindo da dívida
pública cair como proporção do PIB, não obstante a queda de juros e o
relativo vigor do PIB nominal. Assim, a dívida bruta como proporção
do PIB é ainda maior no Brasil do que a na maioria dos nossos pares
entre emergentes, incluindo Rússia e China (empata com Índia)", diz
Levy.
Ele mostra que uma queda sustentada da relação entre dívida e PIB
significaria mais espaço para queda dos juros, mais financiamento de
infraestrutura e uma possível melhora do rating do país.
Por enquanto, o desafio do Levy será evitar no mínimo o rebaixamento da nota brasileira, que foi colocada em perspectiva negativa
pelas agências internacionais. Perder o grau de investimento
conquistado em 2008 implicaria em custos maiores de financiamento para
as empresas e para o governo.
Receita: "quanto mais excessões se criam, mais complexa se torna a legislação, aumentando também as distorções"
No artigo, Levy também nota que a carga tributária brasileira está
entre as mais altas dos países em desenvolvimento e prejudica o
crescimento - tanto pelo seu tamanho como pela sua complexidade. Pior: o
fato de que a maior parte dos tributos incide sobre o consumo piora a
distribuição de renda.
Segundo ele, o governo "perdeu a oportunidade", mas uma reforma
tributária "é primordial e viável", no mínimo com o fim da guerra
fiscal: "A harmonização do ICMS reduziria enormemente o ônus sobre as
empresas, e pode ser alcançada se houver liderança do governo."
Levy critica o uso de desonerações do governo Dilma: "Usar
ferramentas fiscais para aumentar a competitividade de alguns setores da
economia ou no combate à inflação tende a criar custos permanentes para
ganhos fugazes. (...) [as desonerações] foram acompanhadas por
artifícios contábeis a partir de 2012, prática infelizmente coincidente
com o fim do ciclo de relaxamento monetário."
Ao longo do texto, Levy bate na tecla de que falta transparência,
planejamento e monitoramento do gasto público, e que falta à União
aproveitar melhor as experiências dos estados. E vai além:
"Uma regra poucas vezes utilizadas na análise das políticas públicas é a
de medir não só o que foi alcançado com determinado programa, mas
também o que foi sacrificado para financiá-lo. Esse sacrifício inclui
não só outros programas com tanto ou mais mérito, mas o que deixou de
ser feito pelo setor privado, por exemplo porque os impostos ou a
burocracia que não foi combatida tornaram inviável atividades que
poderiam ter impacto positivo na geração e difusão da riqueza nacional."
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