terça-feira, 25 de novembro de 2014

Pequenas e médias empresas espanholas partem novamente em direção à América Latina


Pymes

Antes de estourar a crise, foram inúmeras as pequenas e médias empresas (PMEs) espanholas que viram na internacionalização uma das melhores alternativas para crescer além de seu mercado interno. Pela proximidade e maturidade dos seus mercados, grande parte dessas PMEs escolheram a Europa; outras, pelo contrário, preferiram dar um salto em direção à América Latina, uma vez que se tratava de mercados em crescimento cuja cultura era mais parecida com a sua, o que, de certa forma, facilitava o estabelecimento de relações comerciais.

Com o advento das turbulências financeiras, a maior parte desses planos de expansão não progrediram, embora quem já os havia levado a cabo anteriormente tivesse mostrado que era capaz de resistir melhor à crise do que aqueles que dependiam de um único mercado. Esta é uma das razões pelas quais observa-se agora “uma segunda onda de pequenas e médias empresas espanholas que querem seguir em direção à América Latina”, assinala Juan Carlos Martínez-Lázaro, economista da Escola de Negócios IE. Além disso, segundo esse especialista, embora o aspecto cultural  continue sendo muito importante, já não é o principal motivo pelo qual as empresas escolhem esse destino: “Não se trata somente de uma mesma cultura, mas, principalmente, de mercados em crescimento, e é disso que estamos falando aqui.”

Além disso, esta segunda onda de internacionalização das PMEs espanholas em direção à América Latina terá um crescimento importante nos próximos meses, já que desde setembro de 2014 o governo espanhol pôs em prática o projeto Icex Consolida, cujo objetivo é financiar a expansão externa das PMEs do país. O Instituto do Comércio Exterior (Icex) arcará com metade dos gastos de constituição, promoção e defesa jurídica das empresas que decidirem exportar ou abrir filiais fora do país. Além disso, para compensar o fato de que 60% dos investimentos  dessas empresas no exterior destinam-se à União Europeia, a iniciativa leva em conta projetos em andamento no mundo todo, com exceção da UE, EUA, Noruega e Suíça. Portanto, a América Latina terá lugar prioritário na agenda das PMEs espanholas, já que, depois da Europa, é seu segundo mercado natural.

Martínez Lázaro explica que a questão mais importante na hora de planejar o destino de um investimento é “analisar sua rentabilidade”. Nesse sentido, são muitas as variáveis que entram em jogo, desde o gasto que se acredita ter de incorrer no país até os preços pelos quais poderão ser vendidos um produto ou serviço, bem com os custos de fabricação. Por exemplo, entrar nos EUA exige um investimento maior do que em qualquer país latino-americano, já que os gastos com pessoal, rede de distribuição ou, simplesmente, o aluguel de um escritório são mais elevados. Em contrapartida, Martínez-Lázaro observa que se trata “de uma economia cuja renda per capita é de US$ 40.000 anuais” e, portanto, é um mercado que está disposto a pagar mais por um serviço ou produto que não tenha. É uma oportunidade, por exemplo, para as start-ups de tecnologia.

Na América Latina, pelo contrário, os gastos são menores, assim como a renda per capita, que varia muito de país para país. Em tais casos, o mercado nem sempre está disposto a pagar por um serviço ou produto o mesmo que pagaria um cliente espanhol. Os especialistas observam que, sem dúvida, trata-se de uma região com um número em potencial de consumidores muito importante e, portanto, fundamental para empresas de setores como distribuição ou infraestrutura. Isto não quer dizer que não seja uma oportunidade para os serviços de valor agregado, e sim que se deve estuda a fórmula para entrar com sucesso nesses mercados, já que os desafios, especialmente para as PMEs, são muitos.


Setores complexos


O setor jurídico, por exemplo, é um dos que menos penetração internacional tem na América Latina dada sua complexidade, já que economicamente um escritório de advogados no exterior não pode manter o nível de salários que tem nos EUA ou na Espanha, dado o sistema de preços em vigor nesses países. Oriol Prósper, sócio e fundador do escritório Maio, explica que, há um ano, o escritório decidiu abrir sua primeira unidade fora da Espanha, no México. “A ideia inicial era criar uma sede própria com advogados locais”, disse. “Contudo, depois de vários meses de pesquisa de mercado, eles se deram conta de que a forma mais rápida e que lhe permitiria reduzi riscos consistia na fusão com uma firma local, porque a estrutura ali já estava criada e, além disso, já contava também com uma carteira de clientes. Desse modo, as condições financeiras necessárias para entrar nesse mercado eram menores. “Além disso, essa fórmula nos permite economizar tempo com a estratégia de expansão e crescimento”, observa Prósper. O Maio acaba de se fundir com a firma mexicana SL Sterling, criando um escritório com pouco menos de 50 advogados, mas com unidades nos dois lados do Atlântico, permitindo-lhe, de uma só vez, gerar negócios que se repetem com clientes locais nos dois países, além de ter acesso a grandes empresas dispostas a pagar pelo valor agregado de uma assessoria jurídica internacional.

O setor jurídico também serve como exemplo dos desafios enfrentados pelas PMEs na hora de se lançarem no exterior, já que além dos aspectos meramente financeiros, é preciso levar em conta o mercado. Por exemplo, um escritório de advogados no exterior não pode se estabelecer por lei no Brasil, já que se trata de um mercado regulado e fechado a empresas estrangeiras. Como os advogados estrangeiros não podem exercer ali suas funções, a empresa se vê obrigada a estudar outras fórmulas, como as alianças.


Países-chave


Atualmente, o Brasil aparece entre as prioridades de investimento das PMEs espanholas, mas é também um dos destinos mais complexos. De acordo com José Gasset, presidente da Câmara de Comércio Brasil-Espanha, “o mercado brasileiro é um gigante impossível de abraçar em sua totalidade; por isso, é imprescindível decidir em que estado e em que região há demanda de um produto, analisar a capacidade logística da região, seus hábitos de consumo e seu poder aquisitivo”. 

Juan Manuel Recio, CEO da consultoria de tecnologia Vincle, diz que “entrar nesse mercado requer um grande investimento”. Em seu caso, sua empresa entrou no país em 2009. Para ele, o mais difícil foi entender a complexidade alfandegária e fiscal. Ele explica, por exemplo, que “as tarifas elevadas fazem com que seja difícil ser competitivo” nas exportações. Seu conselho: “Considerar todas as opções, já que são muitos os casos de investimentos malsucedidos”,  mas com um bom planejamento é possível ter sucesso.

A experiência de Recio deixa claro que o primeiro passo para uma PME que pretenda operar no exterior consiste em distinguir entre exportar ou se estabelecer. A primeira opção requer menos recursos econômicos e, portanto, constitui a fase inicial de sondagem do terreno. Nessa etapa, “é preciso analisar o produto e a área geográfica onde se deseja trabalhar para que se possa determinar o sucesso de um processo iminente de internacionalização”, bem como os recursos financeiros que serão necessários alocar, explica José Ramón Cobo, diretor do mestrado em direção de projetos internacionais da ESCP Europe. No caso do Brasil, é necessário saber que os principais centros de negócios se encontram no sudeste do país, já que é onde há mais oportunidades, uma vez que a renda per capita é maior: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Além de vários requisitos legais que se devem levar em conta, e que podem complicar a entrada da empresa no país, como o registro no Banco Central do Brasil ou a exigência de que o administrador de uma sociedade tenha residência permanente no país, há outros fatores a se levar em conta em se tratando de exportações. Conforme explica Recio, as tarifas são um elemento determinante. Embora nos últimos anos elas tenham sido reduzidas, em 2004 eram de 55%, atualmente mais de 1/3 dos produtos importados pelo Brasil têm tarifas entre 1% e 10% do seu valor. Para resolver esse problema, por exemplo, a Vincle decidiu estabelecer seu centro de distribuição na Colômbia para, de lá, chegar ao mercado brasileiro, já que entre ambos os países existe um tratado de livre comércio.

Entre Espanha e Colômbia não existe esse problema desde agosto de 2013, quando a Colômbia fez um acordo com a União Europeia. É isto, precisamente, que contribui para fazer do país um dos destinos mais interessantes para as pequenas e médias empresas espanholas.

Apesar do potencial brasileiro, o conselho dos especialistas diz que, em se tratando de PMEs, deve-se começar pelos países de menor dimensão que possam ser totalmente abarcados, sobretudo quando os recursos financeiros para a internacionalização são reduzidos. Seja qual for o destino, e até que se conheçam bem as peculiaridades de cada mercado, Ramón Cobo, da ESCP, recomenda que “para otimizar os recursos destinados à internacionalização do negócio, deve-se buscar uma possível associação, por exemplo, para compartilhar os gastos logísticos”. Além disso, essa aliança pode servir para uma segunda fase em que a PME considere a possibilidade de estabelecer uma filial própria, mas com o apoio de um sócio local.


Riscos geopolíticos


Juan Carlos Martínez-Lázaro, da Escola de Negócios IE, diz que as maiores oportunidades para as PMEs espanholas encontram-se atualmente no México, Peru e Colômbia, já que são os mercados que mais crescem atualmente. Além disso, oferecem outro elemento-chave para a internacionalização: segurança jurídica. É isto que, na opinião desse especialista, faz com que países como a Venezuela ou a Argentina sejam menos atraentes para as pequenas empresas que, de modo geral, estão menos dispostas a assumir riscos desse tipo, já que, diferentemente das grandes companhias, carecem da estrutura financeira necessária para suportar incertezas desse tipo.

Um exemplo foi o da crise da dívida argentina, no verão de 2014, quando se temia um possível calote por parte do governo de Cristina Kirchner. Em junho, um juiz federal de primeira instância dos EUA ratificou um veredito judicial que obrigava a Argentina a pagar US$ 1,3 bilhão a fundos de investimentos que não haviam subscrito a reestruturação da dívida feita pelo país depois do calote generalizado de 2001, em que foi aplicado um desconto de 65%. Quando o fantasma de outra nova suspensão de pagamentos surgiu no verão deste ano, deflagrou-se a crise.

O problema para as PMEs não consiste tanto em estar, ou não, situadas no país, e sim em que poderiam ser afetadas pelo simples fato de trabalhar em uma região vizinha, já que as economias latino-americanas estão bastante interligadas. De acordo com Tomás Guerrero, pesquisador da EsadeGEO, “na hipótese de um calote, o principal problema seria a possibilidade do contágio de outros países da região, uma vez que os principais portadores de títulos da dívida argentina são Brasil e Venezuela”. Para Martínez-Lázaro, um fato com essas características “poderia vir acompanhado de consequências já esperadas: calote, ainda que involuntário (como foi o caso da Argentina), fechando automaticamente os mercados, impedindo que se emitam títulos da dívida, inviabilizando a captação de dólares e isso em uma economia que já tem problemas para conseguir dólares seria algo muito sério, porque as empresas não poderiam funcionar, já que não teriam mais como pagar seus fornecedores”.

Por isso, os desafios geopolíticos são outro fator a considerar na hora de escolher o destino na América Latina. Por exemplo, 91% das PMEs de tecnologia espanholas planejam entrar no México nos próximos dois anos, conforme reportagem da revista América Economia. O Chile e a Colômbia, com 71% de empresas interessadas cada um, vêm a seguir no ranking. O Peru e o Brasil aparecem nos planos de 56% das start-ups espanholas. Argentina, Equador e Venezuela ocupam os últimos lugares no ranking, confirmando a opinião dos especialistas.

Ramón Casals, diretor da Combel Editorial, editora especializada em livros infantis, diz que embora o México ofereça maior segurança jurídica do que outros destinos, isso não facilita a internacionalização. Para ele, “a regulamentação jurídica e fiscal dificulta e atrasa o início das operações”, porém, uma vez superado esse trâmite, a experiência é positiva. Em seu caso, a empresa decidiu entrar nesse mercado em 2006. Para isso, foi feito um estudo de mercado e, finalmente, escolheram o México, já que “se trata do mercado latino-americano mais importante de língua espanhola” com 118 milhões de habitantes. Além disso, desde 2000 o país conta, a exemplo da Colômbia, com um tratado de livre comércio com a União Europeia que oferece isenção tarifária total em uma grande variedade de produtos e serviços (como os industriais).

Portanto, embora os desafios sejam muitos, desde econômicos ou culturais até geopolíticos, tanto especialistas quanto empresários concordam em assinalar a importância da América Latina para as PMEs espanholas, confirmando que a tendência de internacionalização na região continuará a crescer somando-se às diferentes iniciativas do governo para incentivar a busca de destinos no exterior.

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