terça-feira, 14 de julho de 2015

Construção civil vive crise sem precedentes no Brasil


Germano Lüders / EXAME
Vista de São Paulo
Vista de São Paulo: anos de euforia levaram a um excesso de oferta dos imóveis comerciais e residenciais. Agora a recuperação vai ficar para 2017
São Paulo - Cerca de 600 000 demissões em 12 meses. Recuo de 5,6% nas vendas em 2014. Queda de 98% do lucro para as empresas abertas no primeiro trimestre. Perda de 12 bilhões de reais de valor de mercado na bolsa nos últimos 12 meses. Executivos das maiores empreiteiras do Brasil presos. Duas gigantes do setor, a OAS e a Galvão Engenharia, em processo de recuperação judicial.

O mercado brasileiro de construção civil vive uma crise sem precedentes. Segundo levantamento de MELHORES E MAIORES, a rentabilidade do setor caiu de 11,2% em 2013 para 2,3% em 2014. Apenas três das 23 empresas de construção classificadas entre as 500 maiores do país conseguiram crescer no último ano. A Odebrecht, a maior delas, teve queda de 32% nas vendas.

Se não fosse má notícia suficiente, especialistas e executivos do setor ouvidos por EXAME são unânimes em afirmar que a recuperação da crise será lenta e deverá começar apenas em 2017. “Muitas empresas ficarão pelo caminho. Mas mesmo as outras companhias terão até cinco anos difíceis pela frente”, diz Claudio Porto, presidente da consultoria Macroplan.

O mercado de construção civil, obviamente, não é o único que sofre com a retração econômica do país. Outros setores, como a autoindústria, tiveram um 2014 ainda pior, com retração de 15% nas vendas. As fabricantes de eletroeletrônicos encolheram 9%. Todos eles sofrem de uma nefasta combinação de inflação perigosamente alta, desemprego crescente, aumento dos juros, restrição no crédito, falta de confiança no governo.

Mas o mercado de construção tem peculiaridades que tornam sua situação particularmente complexa. O próprio setor contribuiu para sua derrocada, tanto no caso das construtoras de imóveis quanto no caso das empreiteiras. No primeiro grupo, anos de euforia levaram a um excesso de ofertas em algumas grandes cidades — e, em consequência disso, uma paradeira geral nos lançamentos.

No segundo, o problema, como bem se sabe, é o estouro do escândalo de corrupção flagrado pela Operação Lava-Jato. Mas o lado mais particular — e perverso — da crise da construção é o potencial que ela tem de piorar ainda mais a economia brasileira. A começar pelo seu tamanho — o setor é responsável por cerca de 6,5% do produto interno bruto do país e emprega, diretamente, mais de 3 milhões de pessoas.

Uma crise, portanto, provoca um efeito dominó em toda a economia. A prisão dos executivos das maiores empreiteiras do país, por exemplo, levanta uma dúvida sobre o andamento das principais obras de infraestrutura e até da Olimpíada de 2016. Novos leilões de infraestrutura estão em xeque.

As dívidas das empreiteiras — que passam de 100 bilhões de reais — também podem levar os principais bancos do país a perdas que, por sua vez, restrinjam ainda mais a concessão de crédito. Apenas a Odebrecht, cujo presidente, Marcelo Odebrecht, foi preso em 19 de junho, tem 63 bilhões de reais em dívidas.

Para entender a lentidão na recuperação, é preciso analisar separadamente a situação das empreiteiras e a do mercado imobiliário. No segmento de imóveis comerciais e residenciais, o maior problema é o excesso de estoque das companhias. Incorporadoras como Even, Gafisa e PDG têm imóveis prontos ou em construção que equivalem a quase dois anos de vendas. Na Rossi, o estoque é de 50 meses.

Até 2016, pelo menos, a principal missão dessas empresas será se livrar de todos esses apartamentos. Para isso, elas estão dando descontos de até 50% no preço dos imóveis. A ordem é colocar dinheiro em caixa o mais rápido possível para pagar as dívidas e parar de perder dinheiro.

A volta dos lançamentos ainda não está no radar. No primeiro trimestre, as incorporadoras de capital aberto cortaram 68% dos lançamentos na comparação com o início de 2014. Seis das 13 incorporadoras de capital aberto, como Tecnisa e Brookfield, não lançaram um único empreendimento neste ano.

O problema é que, quanto mais agressivas as promoções, maior o número de clientes que desistem de pagar apartamentos comprados nos últimos anos e que estão sendo entregues agora — valendo menos do que na hora da compra. Os distratos, como são chamadas as devoluções, deverão somar 7 bilhões de reais no ano, segundo a agência de risco Moody’s.

“Enquanto não se livrarem dos estoques atuais, as empresas não têm como pensar no futuro. Dificilmente o cenário melhorará antes de 2017”, diz Lucas Gregolin Dias, analista do Banco Fator. Tentar recuperar o valor de mercado perdido é uma tarefa de prazo ainda mais longo. Desde o pico, em 2010, as incorporadoras listadas perderam 41 bilhões de reais de valor de mercado (veja quadro ao lado).

No mercado de imóveis comerciais, cujo preço do aluguel chegou a cair 40% nos últimos dois anos em cidades como São Paulo, a recuperação pode ser ainda mais lenta. Segundo cálculos de João da Rocha Lima Jr., coordenador do núcleo de mercado imobiliário da Universidade de São Paulo, virá apenas em 2022.

O percentual de escritórios vazios em São Paulo passou de 30%, em 2003, para 5%, em 2008, e agora já está perto dos 20%. “A demanda por escritórios é totalmente dependente do crescimento da economia. Atualmente, há excesso de oferta e total falta de demanda por mais espaço nas grandes cidades”, diz Lima Jr.

Entre as empreiteiras, estimar o ritmo de recuperação é impossível enquanto a Operação Lava-Jato não for concluída. Por enquanto, o governo não deu sinais de que pode suspender contratos públicos com essas companhias durante as investigações. Mas, caso sejam punidas, as empreiteiras podem encontrar restrições legais para entrar em licitações.

Antes mesmo que isso aconteça, podem enfrentar problemas de liquidez e atrasos de pagamentos para obras em andamento, como as hidrelétricas de Belo Monte ou o porto do Rio de Janeiro, que estão sendo tocados pela Odebrecht, ou a Vila Olímpica do Rio de Janeiro, a cargo da Camargo Corrêa.

Mas há uma certeza no caminho das empreiteiras. A oportunidade de negócios está em queda. Apesar do novo pacote de infraestrutura, anunciado em junho pelo governo, os investimentos em obras públicas deverão cair 19% neste ano, algo como 25 bilhões de reais, segundo a consultoria InterB.

A Petrobras, principal cliente das empreiteiras investigadas na Lava-Jato, prevê cortar cerca de 30% dos investimentos até 2019 — apenas em 2015, o corte previsto é de 15 bilhões de dólares. Com o governo segurando as despesas, essas companhias também terão dificuldades de receber aditivos de obras em andamento.

A Andrade Gutierrez, cujo presidente, Otavio Azevedo, também foi preso em 19 de junho, precisou captar no fim de 2014 um empréstimo de 400 milhões de reais por causa do atraso de uma série de pagamentos. Sem caixa e sem novos contratos, o último recurso dessas companhias é entrar com recuperação judicial para renegociar as dívidas, como já fizeram a OAS e a Galvão Engenharia. O desenrolar das investigações pode forçar outras companhias a seguir esse caminho.

A velocidade com que o setor de construção sairá da crise depende, claro, do humor da economia como um todo e do insondável futuro da Lava-Jato. Mas o governo também pode ajudar. No caso das empreiteiras, fatiar novos pacotes de concessões em pedaços menores poderia trazer novas construtoras, menores e possivelmente estrangeiras, para o jogo.

Para o mercado imobiliário, o jeito seria facilitar o crédito, hoje em queda livre, liberando uma parcela maior do depósito compulsório dos bancos. Mas, em ambos os casos, seriam medidas essencialmente paliativas. 

Não foi fácil criar uma crise do tamanho atual. Sair dela não há de ser.

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