terça-feira, 28 de julho de 2015

Com crescimento insustentável, bolha chinesa começa a estourar



Roberto Dumas avalia soluções

Por Infomoney



Quando determinado medicamento começa a não surtir os mesmos efeitos de antes, os médicos costumam dizer que os vírus criaram resistência. No cenário econômico, a regra pode valer para o atual momento da China. O gigante asiático se desenvolveu com taxas de crescimento de dois dígitos por muitos anos, juntamente com um elevado nível de investimentos e uma alavancagem cada vez mais expressiva. No entanto, a fórmula dá sinais de exaustão, como já projetavam muitos especialistas anos atrás. Hoje, não se pode mais simplesmente elevar a dose do medicamento. É necessário reconstruir as bases para um desenvolvimento sustentável para driblar uma crise que já se instala na segunda maior economia do mundo. Na segunda-feira (27), bolsa da China perdeu mais de 8%, a maior queda diária desde 2007. Nesta terça, o índice Xangai Composto registrou nova baixa, desta vez mais moderada, de 1,68%, aos 3.663 pontos.

Um estudo feito pelo economista, professor e especialista em economia chinesa Roberto Dumas e por Julia Russo, e cedido ao Infomoney, explica um pouco melhor a atual bolha no país e avalia as melhores maneiras de se remediar o problema. Segundo o relatório, as preocupações do mercado com a China deveriam ter iniciado há pelo menos cinco anos.

Em 2009, por exemplo, os investimentos representavam 48% do crescimento do PIB chinês, ao passo que o consumo apenas 34%. "Não há dúvidas que o crescimento econômico de 2009 foi turbinado por investimentos e anabolizado por empréstimos bancários a pedido de Pequim. Para compensar uma queda nas exportações líquidas de 37,4% em 2009, o governo chinês através de uma política fiscal expansionista de quase US$ 620 bilhões, aumentou os investimentos em impressionantes 22,8%", escreve o economista. "Aumentar investimentos em fases de menor demanda internacional como forma de impulsionar o crescimento econômico, sem contudo, elevar o consumo doméstico na mesma proporção é simplesmente insustentável", diagnostica.

Na medida em que investimentos e consumo interno menos se equilibravam, mais a China procrastinava um inevitável realinhamento de suas bases de crescimento, uma vez que a aplicada não se mostrava sustentável. "Se o crescimento de um componente da demanda agregada, diferente de investimentos, não aumentar na mesma proporção, o excesso de capacidade será absorvido somente por um futuro aumento no nível de investimentos do país", observa Dumas. Isso fez com que o gigante asiático se tornasse refém de volumes cada vez maiores de investimentos para os mesmos efeitos de crescimento. Em determinado momento, a China não seria mais capaz de aplicar políticas expansionistas. Foi o que aconteceu.

"Obviamente, a alta dos investimentos não pode continuar sendo a principal força motriz do crescimento econômico no longo prazo, pois isso imporia sérias restrições sociais, ambientais e sobre o consumo de recursos naturais, além da excessiva alavancagem que o país experimenta agora", afirma o professor de economia do Insper. Em consequência desse novo rebalanceamento necessário, o consumo chinês teria de ser estimulado. Para tal, seria necessário que os subsídios implícitos e explícitos que o governo tem imposto às famílias fossem revertidos. Entretanto, a reversão desses subsídios provocaria sérios problemas às empresas, o que exige que as mudanças nos alicerces do desenvolvimento econômico ocorram de maneira gradativa.

Os efeitos da nova postura chinesa sobre a economia mundial incidiriam sobre os preços das chamadas "hard commodities" (tais como o minério de ferro, por exemplo), ao passo que as "soft commodities" (carne e soja) poderiam se beneficiar inclusive de um movimento mais favorável. Juntamente com esse cenário de modificações, já se verificou um forte crescimento do mercado acionário, como forma de permitir às empresas maior diversificação para suas fontes de recursos. Com isso, observou-se uma série de movimentos de Ofertas Públicas Iniciais (IPOs) e altíssimas valorizações dos papéis.

A bolha começa a estourar
 

"Mas como justificar um aumento de quase 150% em apenas um ano para uma economia que claramente está em um processo de menor crescimento? Obviamente que se trata de uma bolha. O mercado acionário, assim diz a teoria dos mercados eficientes, deve refletir em tempo real os fundamentos macroeconômicos do país e consequentemente de suas empresas", relata Dumas. "Como toda a bolha é formada por um sentimento irracional, pois em sua essência trata-se de um evento clássico de repúdio à teoria dos mercados eficientes, qualquer notícia que afete negativamente o humor do investidor, é potencializada. Se o mercado precisa de alguns fatores para realizar os lucros auferidos ou justificar o irracional, que, aliás, observou-se já na subida do preço das ações, então os investidores ficaram bem servidos", descreve Dumas. Foi assim que o país entrou na fase de grandes liquidações de ações nas bolsas.

Como resultado do forte sell-off, quase 1.400 empresas suspenderam os negócios de suas ações nos últimos dias e diversas novas aberturas de capital foram canceladas. Apesar disso, o especialista não espera por efeitos explosivos desse outro fator na economia como um todo. Dumas lembra que apenas 10% da população chinesa está alocada no mercado acionário. Mesmo que os efeitos de curto prazo sejam mitigados por esse fator, ele espera anos de vacas magras para a China no futuro se compararmos à bonança recente. "Até os mais incrédulos quanto a um menor crescimento econômico chinês parecem já admitir um crescimento abaixo dos 7% para os próximos anos. Na nossa percepção, a China deverá crescer em média não mais do que entre 5% a 6% ao ano na próxima década. Se esse cenário se confirmar, certamente ainda poderá impactar negativamente o preço das hard commodities e das moedas de países exportadores desses insumos", conclui Dumas.


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