Roberto Dumas avalia soluções
Por Infomoney
Quando
determinado medicamento começa a não surtir os mesmos efeitos de antes, os
médicos costumam dizer que os vírus criaram resistência. No cenário econômico,
a regra pode valer para o atual momento da China. O gigante asiático se
desenvolveu com taxas de crescimento de dois dígitos por muitos anos,
juntamente com um elevado nível de investimentos e uma alavancagem cada vez
mais expressiva. No entanto, a fórmula dá sinais de exaustão, como já
projetavam muitos especialistas anos atrás. Hoje, não se pode mais simplesmente
elevar a dose do medicamento. É necessário reconstruir as bases para um
desenvolvimento sustentável para driblar uma crise que já se instala na segunda
maior economia do mundo. Na segunda-feira (27), bolsa da China perdeu mais
de 8%, a maior queda diária desde 2007. Nesta terça, o índice Xangai
Composto registrou nova baixa, desta vez mais moderada, de 1,68%, aos
3.663 pontos.
Um estudo
feito pelo economista, professor e especialista em economia chinesa Roberto
Dumas e por Julia Russo, e cedido ao Infomoney, explica um pouco melhor a atual
bolha no país e avalia as melhores maneiras de se remediar o problema. Segundo
o relatório, as preocupações do mercado com a China deveriam ter iniciado há
pelo menos cinco anos.
Em 2009,
por exemplo, os investimentos representavam 48% do crescimento do PIB chinês,
ao passo que o consumo apenas 34%. "Não há dúvidas que o crescimento
econômico de 2009 foi turbinado por investimentos e anabolizado por empréstimos
bancários a pedido de Pequim. Para compensar uma queda nas exportações líquidas
de 37,4% em 2009, o governo chinês através de uma política fiscal expansionista
de quase US$ 620 bilhões, aumentou os investimentos em impressionantes
22,8%", escreve o economista. "Aumentar investimentos em fases de
menor demanda internacional como forma de impulsionar o crescimento econômico,
sem contudo, elevar o consumo doméstico na mesma proporção é simplesmente
insustentável", diagnostica.
Na medida
em que investimentos e consumo interno menos se equilibravam, mais a China
procrastinava um inevitável realinhamento de suas bases de crescimento, uma vez
que a aplicada não se mostrava sustentável. "Se o crescimento de um
componente da demanda agregada, diferente de investimentos, não aumentar na
mesma proporção, o excesso de capacidade será absorvido somente por um futuro
aumento no nível de investimentos do país", observa Dumas. Isso fez com
que o gigante asiático se tornasse refém de volumes cada vez maiores de
investimentos para os mesmos efeitos de crescimento. Em determinado momento, a
China não seria mais capaz de aplicar políticas expansionistas. Foi o que
aconteceu.
"Obviamente,
a alta dos investimentos não pode continuar sendo a principal força motriz do
crescimento econômico no longo prazo, pois isso imporia sérias restrições
sociais, ambientais e sobre o consumo de recursos naturais, além da excessiva
alavancagem que o país experimenta agora", afirma o professor de economia
do Insper. Em consequência desse novo rebalanceamento necessário, o consumo
chinês teria de ser estimulado. Para tal, seria necessário que os subsídios
implícitos e explícitos que o governo tem imposto às famílias fossem
revertidos. Entretanto, a reversão desses subsídios provocaria sérios problemas
às empresas, o que exige que as mudanças nos alicerces do desenvolvimento
econômico ocorram de maneira gradativa.
Os
efeitos da nova postura chinesa sobre a economia mundial incidiriam sobre os
preços das chamadas "hard commodities" (tais como o minério de ferro,
por exemplo), ao passo que as "soft commodities" (carne e soja)
poderiam se beneficiar inclusive de um movimento mais favorável. Juntamente com
esse cenário de modificações, já se verificou um forte crescimento do mercado
acionário, como forma de permitir às empresas maior diversificação para suas
fontes de recursos. Com isso, observou-se uma série de movimentos de Ofertas
Públicas Iniciais (IPOs) e altíssimas valorizações dos papéis.
A bolha
começa a estourar
"Mas
como justificar um aumento de quase 150% em apenas um ano para uma economia que
claramente está em um processo de menor crescimento? Obviamente que se trata de
uma bolha. O mercado acionário, assim diz a teoria dos mercados eficientes,
deve refletir em tempo real os fundamentos macroeconômicos do país e
consequentemente de suas empresas", relata Dumas. "Como toda a bolha
é formada por um sentimento irracional, pois em sua essência trata-se de um
evento clássico de repúdio à teoria dos mercados eficientes, qualquer notícia
que afete negativamente o humor do investidor, é potencializada. Se o mercado
precisa de alguns fatores para realizar os lucros auferidos ou justificar o
irracional, que, aliás, observou-se já na subida do preço das ações, então os
investidores ficaram bem servidos", descreve Dumas. Foi assim que o país
entrou na fase de grandes liquidações de ações nas bolsas.
Como
resultado do forte sell-off, quase 1.400 empresas suspenderam os negócios de
suas ações nos últimos dias e diversas novas aberturas de capital foram
canceladas. Apesar disso, o especialista não espera por efeitos explosivos
desse outro fator na economia como um todo. Dumas lembra que apenas 10% da
população chinesa está alocada no mercado acionário. Mesmo que os efeitos de
curto prazo sejam mitigados por esse fator, ele espera anos de vacas magras
para a China no futuro se compararmos à bonança recente. "Até os mais
incrédulos quanto a um menor crescimento econômico chinês parecem já admitir um
crescimento abaixo dos 7% para os próximos anos. Na nossa percepção, a China
deverá crescer em média não mais do que entre 5% a 6% ao ano na próxima década.
Se esse cenário se confirmar, certamente ainda poderá impactar negativamente o
preço das hard commodities e das moedas de países exportadores desses
insumos", conclui Dumas.
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