segunda-feira, 20 de julho de 2015

Qual o impacto da entrada da Bolívia no Mercosul?

Abr




A presidente Dilma Rousseff recebe o presidente da Bolívia, Evo Morales, na cúpula do Mercosul em Brasília.
Foram necessários 21 anos para que o Mercosul – criado em 1991 por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai – integrasse um quinto membro, a Venezuela, em 2012. Agora, o bloco comercial prepara-se para crescer novamente, ao elevar a Bolívia da categoria de Estado Associado à de Estado Parte.

Nesta sexta-feira, durante a Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, em Brasília, os presidentes dos cinco países assinaram o protocolo de adesão do novo membro, que para ter validade terá ainda que ser aprovado pelos Congressos brasileiro e paraguaio – os parlamentos de Argentina, Uruguai e Venezuela já ratificaram o ingresso da Bolívia no bloco.

A nova ampliação divide a opinião de estudiosos das relações internacionais.
De um lado, analistas mais liberais dizem que o Mercosul atrapalha a abertura comercial do Brasil para outros mercados e que, por isso, o país deveria privilegiar a construção de outros acordos bilaterais.

Pesquisadores com uma visão mais desenvolvimentista, por outro lado, consideram que a entrada da Bolívia é importante para dar novo fôlego ao bloco e à integração regional.

"As negociações comerciais do Mercosul com outros blocos e outros países exige consenso entre os membros. Com mais um integrante, isso fica ainda mais difícil. Foi uma decisão política. Assim como na entrada da Venezuela, o governo não consultou o setor privado", reclama José Augusto de Castro, presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil).

Castro cita que as difíceis negociações para um acordo de comércio com a União Europeia, que se arrastam há mais de dez anos, poderiam ser prejudicadas com a entrada da Bolívia.

Ganhos possíveis

Por outro lado, Igor Fuser, professor de Relações Internacionais da UFABC e defensor do Mercosul, avalia que a entrada da Bolívia será proveitosa para a indústria brasileira. Ele diz que a redução dos impostos de importação permitirá que o produto brasileiro concorra em melhores condições com os chineses, que vêm ganhando espaço no mercado boliviano.

Ele nota que a economia boliviana está em expansão, embora ainda seja pequena. "Desde que Evo Morales assumiu, o PIB dobrou e o consumo cresceu. E a integração tende a abrir mercado para empresas brasileiras na Bolívia, aproveitando mão de obra e energia mais baratas", afirma.

Os presidentes Evo Morales (Bolívia, à esq.) e Nicolás Maduro (Venezuela, à dir.) conversam durante cúpula de chefes de Estado do Mercosul nesta sexta, em Brasília.
Fuser aponta possíveis vantagens na entrada da Bolívia mas, em geral, identifica um momento difícil para o Mercosul. Para ele, em todos os países há grupos econômicos que tentam derrubar a união aduaneira (unificação das taxas de importação e exportação) e incentivar acordos bilaterais.

“Os setores empresariais hegemônicos, em cada um dos países do bloco, são contrários à existência do Mercosul como é hoje. Na primeira fase do Mercosul esses setores ganharam muito dinheiro como a integração comercial, mas hoje não estão mais interessados. Possuem opção clara pela associação com grupos transnacionais, especialmente dos Estados Unidos e Europa."

Integração em energia

O embaixador José Botafogo Gonçalves, vice-presidente emérito do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), disse que a entrada da Bolívia deverá permitir a ampliação da integração energética do bloco.

“Sob os ângulos geográfico e econômico, a entrada da Bolívia faz muito sentido. O tema energético pode desempenhar um papel agregador. E produção de energia é um fator ainda pouco explorado no Mercosul.”
Botafogo Gonçalves menciona que Brasil e Argentina já são os principais parceiros comerciais do novo integrante, principalmente por causa da compra de gás boliviano. Atualmente, o governo brasileiro negocia com o presidente Evo Morales a construção de hidrelétricas em território boliviano para abastecer os dois países.

O embaixador considera que Morales, a despeito da retórica anticapitalista, na prática tem seguido uma política macroeconômica ortodoxa, com manutenção da inflação em patamares baixos e controle dos gastos públicos. “Hoje é um modelo para o FMI (Fundo Monetário Internacional).”

Acordos comerciais

A Bolívia poderá escolher não participar de um eventual acordo com a União Europeia. No caso da Venezuela, como as negociações começaram antes da entrada do país do bloco, o governo venezuelano optou por não participar, e o mesmo será permitido à Bolívia.

Encontro em Brasília discutiu detalhes da proposta de acordo comercial com a União Europeia, que deverá ser apresentada até o final do ano.
Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai também aproveitaram a cúpula para discutir detalhes da proposta de acordo com a União Europeia a ser apresentada no fim do ano. Espera-se que, após a conclusão desse acordo, o bloco possa flexibilizar suas regras, permitindo outras negociações bilaterais.

Para Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central e atual diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas, o Brasil deveria intensificar sua abertura comercial.

"Entendo que o novo ciclo de crescimento da economia brasileira passa por um processo muito mais amplo de abertura comercial e investimentos, e não podemos ser pautados pelo protecionismo de países do Mercosul. Há até uma postura contrária ao capital estrangeiro, que é o oposto daquilo que o Brasil precisa", critica.

Para o embaixador Gonçalves, isso depende apenas da vontade política do Brasil. Segundo ele, desde o governo Lula o país não fechou nenhum acordo comercial relevante por opção política, numa decisão de privilegiar discussões no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio).

Na sua percepção, o governo Dilma vem adotando uma atitude de maior abertura em negociações, como nas conversas com o México, nos avanços com a União Europeia e na recente visita da presidente Dilma Rousseff aos Estados Unidos.

"Essa história de que o Mercosul impediu o Brasil de fazer acordos é conversa fiada. Não negociou porque não quis. Não conheço nenhuma Sociedade Anônima em que o sócio majoritário não faz o programa que ele quer por causa dos minoritários”, comparou.

“É sabido que Paraguai e Uruguai sempre quiseram fazer acordos com os Estados Unidos e outros, e quem não deixou foi o Brasil e Argentina”.

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