Foram
necessários 21 anos para que o Mercosul – criado em 1991 por Brasil,
Argentina, Uruguai e Paraguai – integrasse um quinto membro, a
Venezuela, em 2012. Agora, o bloco comercial prepara-se para crescer
novamente, ao elevar a Bolívia da categoria de Estado Associado à de
Estado Parte.
Nesta sexta-feira, durante a Cúpula de Chefes de
Estado do Mercosul, em Brasília, os presidentes dos cinco países
assinaram o protocolo de adesão do novo membro, que para ter validade
terá ainda que ser aprovado pelos Congressos brasileiro e paraguaio – os
parlamentos de Argentina, Uruguai e Venezuela já ratificaram o ingresso
da Bolívia no bloco.
A nova ampliação divide a opinião de estudiosos das relações internacionais.
De
um lado, analistas mais liberais dizem que o Mercosul atrapalha a
abertura comercial do Brasil para outros mercados e que, por isso, o
país deveria privilegiar a construção de outros acordos bilaterais.
Pesquisadores
com uma visão mais desenvolvimentista, por outro lado, consideram que a
entrada da Bolívia é importante para dar novo fôlego ao bloco e à
integração regional.
"As
negociações comerciais do Mercosul com outros blocos e outros países
exige consenso entre os membros. Com mais um integrante, isso fica ainda
mais difícil. Foi uma decisão política. Assim como na entrada da
Venezuela, o governo não consultou o setor privado", reclama José
Augusto de Castro, presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do
Brasil).
Castro cita que as difíceis negociações para um acordo
de comércio com a União Europeia, que se arrastam há mais de dez anos,
poderiam ser prejudicadas com a entrada da Bolívia.
Ganhos possíveis
Por
outro lado, Igor Fuser, professor de Relações Internacionais da UFABC e
defensor do Mercosul, avalia que a entrada da Bolívia será proveitosa
para a indústria brasileira. Ele diz que a redução dos impostos de
importação permitirá que o produto brasileiro concorra em melhores
condições com os chineses, que vêm ganhando espaço no mercado boliviano.
Ele nota que a economia boliviana está em expansão, embora ainda seja pequena. "Desde que Evo Morales assumiu, o PIB dobrou e o consumo cresceu. E a integração tende a abrir mercado para empresas brasileiras na Bolívia, aproveitando mão de obra e energia mais baratas", afirma.
Fuser aponta possíveis
vantagens na entrada da Bolívia mas, em geral, identifica um momento
difícil para o Mercosul. Para ele, em todos os países há grupos
econômicos que tentam derrubar a união aduaneira (unificação das taxas
de importação e exportação) e incentivar acordos bilaterais.
“Os
setores empresariais hegemônicos, em cada um dos países do bloco, são
contrários à existência do Mercosul como é hoje. Na primeira fase do
Mercosul esses setores ganharam muito dinheiro como a integração
comercial, mas hoje não estão mais interessados. Possuem opção clara
pela associação com grupos transnacionais, especialmente dos Estados
Unidos e Europa."
Integração em energia
O
embaixador José Botafogo Gonçalves, vice-presidente emérito do Cebri
(Centro Brasileiro de Relações Internacionais), disse que a entrada da
Bolívia deverá permitir a ampliação da integração energética do bloco.
“Sob
os ângulos geográfico e econômico, a entrada da Bolívia faz muito
sentido. O tema energético pode desempenhar um papel agregador. E
produção de energia é um fator ainda pouco explorado no Mercosul.”
Botafogo
Gonçalves menciona que Brasil e Argentina já são os principais
parceiros comerciais do novo integrante, principalmente por causa da
compra de gás boliviano. Atualmente, o governo brasileiro negocia com o
presidente Evo Morales a construção de hidrelétricas em território
boliviano para abastecer os dois países.
O embaixador considera
que Morales, a despeito da retórica anticapitalista, na prática tem
seguido uma política macroeconômica ortodoxa, com manutenção da inflação
em patamares baixos e controle dos gastos públicos. “Hoje é um modelo
para o FMI (Fundo Monetário Internacional).”
Acordos comerciais
A
Bolívia poderá escolher não participar de um eventual acordo com a
União Europeia. No caso da Venezuela, como as negociações começaram
antes da entrada do país do bloco, o governo venezuelano optou por não
participar, e o mesmo será permitido à Bolívia.
Brasil, Argentina, Uruguai e
Paraguai também aproveitaram a cúpula para discutir detalhes da proposta
de acordo com a União Europeia a ser apresentada no fim do ano.
Espera-se que, após a conclusão desse acordo, o bloco possa flexibilizar
suas regras, permitindo outras negociações bilaterais.
Para
Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central e atual diretor do Centro
de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas, o Brasil deveria
intensificar sua abertura comercial.
"Entendo
que o novo ciclo de crescimento da economia brasileira passa por um
processo muito mais amplo de abertura comercial e investimentos, e não
podemos ser pautados pelo protecionismo de países do Mercosul. Há até
uma postura contrária ao capital estrangeiro, que é o oposto daquilo que
o Brasil precisa", critica.
Para o embaixador Gonçalves, isso
depende apenas da vontade política do Brasil. Segundo ele, desde o
governo Lula o país não fechou nenhum acordo comercial relevante por
opção política, numa decisão de privilegiar discussões no âmbito da OMC
(Organização Mundial do Comércio).
Na sua percepção, o governo
Dilma vem adotando uma atitude de maior abertura em negociações, como
nas conversas com o México, nos avanços com a União Europeia e na
recente visita da presidente Dilma Rousseff aos Estados Unidos.
"Essa
história de que o Mercosul impediu o Brasil de fazer acordos é conversa
fiada. Não negociou porque não quis. Não conheço nenhuma Sociedade
Anônima em que o sócio majoritário não faz o programa que ele quer por
causa dos minoritários”, comparou.
“É sabido que Paraguai e
Uruguai sempre quiseram fazer acordos com os Estados Unidos e outros, e
quem não deixou foi o Brasil e Argentina”.
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