O retrato do Brasil
piorou. Em 2008, ano em que o país alcançou o almejado grau de
investimento conferido em abril pela Standard & Poor's, o
crescimento econômico do país alcançou expressivos 5,2%, ante projeções
que não passam de 2,5% tanto para este quanto para o próximo ano.
Uma olhada em outros indicadores de 2008 - como a dívida bruta próxima do nível atual, de 59% do PIB, ou a taxa Selic de 13,75% ao ano àquela época - mostram que, mais do que o retrato, foram as expectativas com relação ao Brasil que se deterioraram consistentemente, o que levou outra agência de classificação de risco, dessa vez a Moody's, a revisar a perspectiva do rating soberano na quarta-feira à noite. Ontem a agência voltou à carga, revisando a perspectiva de bancos brasileiros e rebaixando a nota de crédito da Petrobras.
O Brasil também não vai bem na comparação internacional. Dados compilados no World Factbook da CIA, de 2012, mostram que o endividamento bruto é significativamente mais alto do que o de países com nota de crédito soberano menor que a brasileira, como Índia e Colômbia. A taxa de investimento do país, que alcançou 20,5% do PIB em 2010, caiu para 18,1% no ano passado, enquanto o México investiu 20,7% do seu PIB no ano passado, a Colômbia 23,9% e o Peru 26,6%.
O significado e a importância da decisão dividem analistas e economistas, que divergem, inclusive, sobre o futuro do país. "De fato, o país não é mais igual ao Brasil de anos atrás, que contava com expectativas de expansão do crédito, da renda e de forte crescimento", reconhece Paulo Gala, estrategista da Fator Corretora. Ao mesmo tempo, diz ele, o "novo Brasil" ainda contaria com pontos a favor da manutenção do grau de investimento, como um grande volume de reservas e uma trajetória ainda declinante da dívida líquida sobre o PIB. "Tomamos um puxão de orelha, mas ainda estamos relativamente bem posicionados."
Do lado negativo, Gala avalia que um dos pontos mais importantes é perceber que a melhora das contas públicas nos últimos anos se deveu fundamentalmente à expansão do PIB e, sem esse gatilho, é possível que a fragilidade do país aumente. Ele também avalia que, olhando para trás, hoje está claro que a política de desonerações atrapalhou a arrecadação e a dinâmica da dívida pública e, mais importante, não estimulou de forma relevante os investimentos.
Diferentemente de 2008, quando o primeiro grau de investimento obtido pelo país pegou todo mundo de surpresa, a mudança feita pela Moody's já era esperada por analistas e investidores e não deve ter consequências diretas sobre a economia este ano, avalia o economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira. No entanto, diz ele, o mercado deve ficar ainda mais cauteloso em relação aos fatores que levaram à decisão da agência, o que exigirá uma resposta do governo, principalmente na questão fiscal.
Para Oliveira, o governo precisa não só definir uma meta de superávit primário para 2014, mas também esclarecer como será atingida. "Existe grande incerteza em relação ao cumprimento da meta, e também em relação a qual número precisamos olhar", disse o economista, lembrando que, em 2012, o Tesouro fez uso de "contabilidade criativa" para chegar ao superávit de 3,1% do PIB.
A Moody's reconhece que em seu balanço dos riscos que afetam a nota de crédito do Brasil, as preocupações com o crescimento hoje ganharam relevância em relação aos indicadores fiscais. Embora a piora da relação entre dívida bruta e PIB seja destaque entre as razões da agência, o foco mudou levemente para o crescimento. "Sempre estivemos preocupados com os indicadores fiscais, porque são os que mais destoam dos outros países com o mesmo rating. Para ser honesto, no presente, as preocupações com o crescimento são tão importantes, se não mais, quanto as com a parte fiscal", diz Mauro Leos, vice-presidente-sênior para crédito da Moody's.
Segundo Leos, a expansão da economia brasileira deve se manter ao redor de 2,5% neste e no próximo ano, o que significaria um período total de quatro anos de crescimento relativamente baixo pelos padrões locais. Leos diz, no entanto, que embora o fato não tenha sido mencionado no relatório, a expectativa é que em 2015 a economia volte a se expandir em ritmo mais próximo do visto em anos anteriores, o que significaria taxa superior a 3%, estimulada pelo programa de concessões em infraestrutura do governo.
Para Leos, se o Brasil não crescer a taxas significativamente mais altas do que 3%, será difícil preservar a perspectiva estável, e mais difícil voltar à perspectiva positiva para a nota de crédito do país. Tudo, porém, vai depender do programa de concessões. "Se o programa não tiver tanto sucesso quanto o governo espera, há uma boa chance de a economia continuar registrando baixo crescimento, mesmo após 2015. "E se isso acontecer, poderá colocar pressões sobre o governo e sobre o rating do Brasil."
Carlos Kawall, economista-chefe do banco J.Safra, ressalta que o contexto de crescimento econômico mais baixo prejudica os indicadores de solvência, pois afeta as receitas do setor público. Além disso, independentemente de oscilações de um ano para o outro, a taxa de investimento muito baixa afeta o crescimento potencial da economia. Para o ex-secretário do Tesouro Nacional, o produto potencial, está atualmente entre 2,5% e 3%. "E com a taxa de investimento caindo, ele pode continuar a cair."
Mansueto Almeida, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), afirma que o Brasil corre o risco de ficar preso em um equilíbrio ruim, em que ainda é necessário realizar um superávit primário razoavelmente elevado, em torno de 2% do PIB, para manter a dívida estável, sem deixar muito espaço para aumentar o investimento público. Ele avalia que o Brasil, em relação a outros emergentes, tem pouco grau de liberdade para manobrar a política econômica. "Não há espaço para elevar o endividamento e nem a carga tributária no Brasil, o que ainda pode ser feito no México", afirma.
Segundo ele, com os sinais corretos, como maior empenho em realizar a agenda de investimentos em infraestrutura, o governo ainda pode reverter a mudança de percepção em relação ao Brasil. Os atuais indicadores, afirma, não justificam a perda de grau de investimento do país.
Na mesma linha, o economista e ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento, Delfim Netto, acredita que não há nenhum risco de perda de controle. "O que as agências estão dizendo já faz algum tempo é que a dívida bruta no Brasil é muito alta quando comparada a de outros emergentes", diz. Para Delfim, o sistema previdenciário é um dos principais fatores de risco para as contas públicas no futuro.
Para Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, a dívida bruta do governo apresentou efetivamente uma leve piora, mas que não seria suficiente para alterar a percepção do país. "Além do mais, para ser sincero, não levo essas agências a sério. Quem leva?", questiona.
(Colaboraram Arícia Martins e Francine De Lorenzo)
Uma olhada em outros indicadores de 2008 - como a dívida bruta próxima do nível atual, de 59% do PIB, ou a taxa Selic de 13,75% ao ano àquela época - mostram que, mais do que o retrato, foram as expectativas com relação ao Brasil que se deterioraram consistentemente, o que levou outra agência de classificação de risco, dessa vez a Moody's, a revisar a perspectiva do rating soberano na quarta-feira à noite. Ontem a agência voltou à carga, revisando a perspectiva de bancos brasileiros e rebaixando a nota de crédito da Petrobras.
O Brasil também não vai bem na comparação internacional. Dados compilados no World Factbook da CIA, de 2012, mostram que o endividamento bruto é significativamente mais alto do que o de países com nota de crédito soberano menor que a brasileira, como Índia e Colômbia. A taxa de investimento do país, que alcançou 20,5% do PIB em 2010, caiu para 18,1% no ano passado, enquanto o México investiu 20,7% do seu PIB no ano passado, a Colômbia 23,9% e o Peru 26,6%.
O significado e a importância da decisão dividem analistas e economistas, que divergem, inclusive, sobre o futuro do país. "De fato, o país não é mais igual ao Brasil de anos atrás, que contava com expectativas de expansão do crédito, da renda e de forte crescimento", reconhece Paulo Gala, estrategista da Fator Corretora. Ao mesmo tempo, diz ele, o "novo Brasil" ainda contaria com pontos a favor da manutenção do grau de investimento, como um grande volume de reservas e uma trajetória ainda declinante da dívida líquida sobre o PIB. "Tomamos um puxão de orelha, mas ainda estamos relativamente bem posicionados."
Do lado negativo, Gala avalia que um dos pontos mais importantes é perceber que a melhora das contas públicas nos últimos anos se deveu fundamentalmente à expansão do PIB e, sem esse gatilho, é possível que a fragilidade do país aumente. Ele também avalia que, olhando para trás, hoje está claro que a política de desonerações atrapalhou a arrecadação e a dinâmica da dívida pública e, mais importante, não estimulou de forma relevante os investimentos.
Diferentemente de 2008, quando o primeiro grau de investimento obtido pelo país pegou todo mundo de surpresa, a mudança feita pela Moody's já era esperada por analistas e investidores e não deve ter consequências diretas sobre a economia este ano, avalia o economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira. No entanto, diz ele, o mercado deve ficar ainda mais cauteloso em relação aos fatores que levaram à decisão da agência, o que exigirá uma resposta do governo, principalmente na questão fiscal.
Para Oliveira, o governo precisa não só definir uma meta de superávit primário para 2014, mas também esclarecer como será atingida. "Existe grande incerteza em relação ao cumprimento da meta, e também em relação a qual número precisamos olhar", disse o economista, lembrando que, em 2012, o Tesouro fez uso de "contabilidade criativa" para chegar ao superávit de 3,1% do PIB.
A Moody's reconhece que em seu balanço dos riscos que afetam a nota de crédito do Brasil, as preocupações com o crescimento hoje ganharam relevância em relação aos indicadores fiscais. Embora a piora da relação entre dívida bruta e PIB seja destaque entre as razões da agência, o foco mudou levemente para o crescimento. "Sempre estivemos preocupados com os indicadores fiscais, porque são os que mais destoam dos outros países com o mesmo rating. Para ser honesto, no presente, as preocupações com o crescimento são tão importantes, se não mais, quanto as com a parte fiscal", diz Mauro Leos, vice-presidente-sênior para crédito da Moody's.
Segundo Leos, a expansão da economia brasileira deve se manter ao redor de 2,5% neste e no próximo ano, o que significaria um período total de quatro anos de crescimento relativamente baixo pelos padrões locais. Leos diz, no entanto, que embora o fato não tenha sido mencionado no relatório, a expectativa é que em 2015 a economia volte a se expandir em ritmo mais próximo do visto em anos anteriores, o que significaria taxa superior a 3%, estimulada pelo programa de concessões em infraestrutura do governo.
Para Leos, se o Brasil não crescer a taxas significativamente mais altas do que 3%, será difícil preservar a perspectiva estável, e mais difícil voltar à perspectiva positiva para a nota de crédito do país. Tudo, porém, vai depender do programa de concessões. "Se o programa não tiver tanto sucesso quanto o governo espera, há uma boa chance de a economia continuar registrando baixo crescimento, mesmo após 2015. "E se isso acontecer, poderá colocar pressões sobre o governo e sobre o rating do Brasil."
Carlos Kawall, economista-chefe do banco J.Safra, ressalta que o contexto de crescimento econômico mais baixo prejudica os indicadores de solvência, pois afeta as receitas do setor público. Além disso, independentemente de oscilações de um ano para o outro, a taxa de investimento muito baixa afeta o crescimento potencial da economia. Para o ex-secretário do Tesouro Nacional, o produto potencial, está atualmente entre 2,5% e 3%. "E com a taxa de investimento caindo, ele pode continuar a cair."
Mansueto Almeida, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), afirma que o Brasil corre o risco de ficar preso em um equilíbrio ruim, em que ainda é necessário realizar um superávit primário razoavelmente elevado, em torno de 2% do PIB, para manter a dívida estável, sem deixar muito espaço para aumentar o investimento público. Ele avalia que o Brasil, em relação a outros emergentes, tem pouco grau de liberdade para manobrar a política econômica. "Não há espaço para elevar o endividamento e nem a carga tributária no Brasil, o que ainda pode ser feito no México", afirma.
Segundo ele, com os sinais corretos, como maior empenho em realizar a agenda de investimentos em infraestrutura, o governo ainda pode reverter a mudança de percepção em relação ao Brasil. Os atuais indicadores, afirma, não justificam a perda de grau de investimento do país.
Na mesma linha, o economista e ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento, Delfim Netto, acredita que não há nenhum risco de perda de controle. "O que as agências estão dizendo já faz algum tempo é que a dívida bruta no Brasil é muito alta quando comparada a de outros emergentes", diz. Para Delfim, o sistema previdenciário é um dos principais fatores de risco para as contas públicas no futuro.
Para Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, a dívida bruta do governo apresentou efetivamente uma leve piora, mas que não seria suficiente para alterar a percepção do país. "Além do mais, para ser sincero, não levo essas agências a sério. Quem leva?", questiona.
(Colaboraram Arícia Martins e Francine De Lorenzo)
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