quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Nós vamos invadir a sua praia


Os bastidores do negócio, os planos já desenhados e a fome de mercado. Saiba por que a J&F pagou R$ 2,67 bilhões e atropelou fundos internacionais para ficar com a Alpargatas


Cow Parade: obra do publicitário Marcello Serpa e Joesley Batista da JBS
Cow Parade: obra do publicitário Marcello Serpa e Joesley Batista da JBS ( foto: Divulgação)

Pergunte ao empresário Joesley Batista, presidente da holding de investimentos J&F e do conselho de administração do frigorífico JBS, o que ele faz nas suas horas vagas. “Eu trabalho”, diz ele, invariavelmente, ao interlocutor. “No fim do expediente, as pessoas perguntam se estou cansado e digo que não, pois trabalhei o dia inteiro.” E arremata: “Estaria cansado se tivesse jogado uma partida de futebol.” Ao contrário do que pode parecer não se trata de uma brincadeira de Joesley, como ele é chamado.

Esse estilo “workaholic” foi demonstrado na compra do controle da Alpargatas, dona das famosas sandálias Havaianas, anunciada na segunda-feira 23, por R$ 2,67 bilhões. Em apenas cinco dias, o time comandado pelo empresário conseguiu fechar a aquisição, superando tradicionais fundos de investimentos, como KKR, Carlyle, Pátria, Tarpon e Península – este último do empresário brasileiro Abilio Diniz. “Eles foram muito ágeis”, diz uma fonte, que conhece detalhes da negociação.

Segundo DINHEIRO apurou, a Camargo Corrêa contratou os bancos de investimento Bradesco BBI e o Goldman Sachs para vender sua fatia de 44% na centenária fabricante de calçados e vestuário paulista. Durante cerca de três meses, a empresa foi oferecida para uma série de investidores, inclusive a J&F. Quando os fundos de private equity ainda checavam detalhes do negócio para fazer a oferta, o time de Joesley, liderado pelo executivo espanhol Vicente Trius, que foi presidente da rede varejista Walmart no Brasil de 1997 a 2007, atropelou a todos.

Trius fez uma oferta em dinheiro vivo e negociou o que foi chamado por algumas pessoas com quem DINHEIRO conversou como “um contrato simples”. “Eles pularam etapas”, diz outra fonte. “Conheciam bem o setor e sabiam o potencial de valorização de todas as marcas.” A oferta em dinheiro, dizem as fontes, ajudou a acelerar a venda. A Camargo Corrêa, uma das construtoras envolvidas no escândalo da Lava Jato, conta com uma dívida líquida de R$ 24 bilhões e está colocando à venda uma série de ativos para fazer caixa (leia reportagem aqui).

Com isso, no domingo 22, o acordo foi assinado no escritório de advocacia especializado em fusões e aquisições Mattos Filho, na região da Avenida Paulista, por volta das 20 horas. Estavam presentes Joesley, o presidente da Alpargatas, Márcio Utsch, e membros da família que controla a Camargo Corrêa. Um champanhe francês Veuve Clicquot foi aberto para brindar o negócio, que foi comunicado ao mercado na manhã seguinte.

“Acreditamos que nossa experiência acumulada em operações globais e no desenvolvimento de marcas fortes irá impulsionar ainda mais a bem-sucedida trajetória da Alpargatas”, disse Joesley, em um comunicado – procurado, ele não concedeu entrevista. O negócio ainda precisa de aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o que deve acontecer em até 60 dias. O executivo Márcio Utsch deve permanecer à frente da Alpargatas, pelo menos até a transição para o novo controlador.

Se Utsch não ficar, um candidato a assumir o cargo é Trius, que tem experiência internacional e de varejo. A J&F também terá de fazer uma oferta aos acionistas minoritários (tag along) de até 80% do preço pago pela ação da Alpargatas. Com essa operação, o valor do negócio pode crescer mais de R$ 800 milhões, caso todos os acionistas concordem em vender seus papéis para a holding da família Batista. O maior deles é o investidor Silvio Tini de Araújo e sua holding Bonsucex, que detém 25% das ações ordinárias da dona das Havaianas.

BOI DE CHINELO O grupo J&F é a holding de investimento da família Batista. A estrela mais reluzente deste rebanho empresarial é a JBS, que começou em 1953 como uma pequena casa de carne em Anápolis, em Goiás. Hoje, ninguém abate mais bois e frangos no mundo do que a empresa fundada pelo patriarca José Batista Sobrinho. Com uma receita líquida de R$ 120 bilhões, ela tornou-se a maior empresa privada do Brasil, com uma agressiva estratégia de aquisições. Desde 2005, os Batista adquiriram mais de uma dúzia de empresas ao redor do globo, como as americanas Swift, em 2007, e a Pilgrim´s Pride, em 2009.

Nos últimos anos, os irmãos Joesley, à frente da J&F, e Wesley, que comanda a JBS, diversificaram os ramos de atuação. Atualmente, eles são donos de empresas no setores de celulose (Eldorado Brasil), lácteos (Vigor), higiene e limpeza (Flora), financeira (Banco Original), mídia (Canal Rural), confinamento de gado nos EUA (Oklahoma) e a criação de gado (Floresta Agropecuária). A estratégia dos irmãos Batista para escolher os seus alvos é simples. Em geral, eles buscam empresas que enfrentam problemas financeiros, para que possam recuperá-la.

“O que temos feito, ao longo dos anos, é comprar empresas nas quais acreditamos que somos capazes de produzir melhores resultados através da melhoria do gerenciamento, dos controles, dos processos e do fortalecimento da equipe”, disse Joesley à DINHEIRO, em uma entrevista em novembro de 2013. Um exemplo recente é a Seara, comprada do Marfrig, por quase R$ 6 bilhões há dois anos. Mas pode-se citar também a americana Pilgrim´s Pride, da área de frangos, que estava à beira da falência e, em 2014, lucrou US$ 711,6 milhões.

A compra da Alpargatas marca uma inflexão nesse estilo. Explica-se: a empresa está saudável, tem lucro e marcas fortes e reconhecidas internacionalmente. Mais: a companhia é líder do setor de calçados no Brasil, com uma fatia de 17,1%, segundo a consultoria Euromonitor. A segunda colocada, a Grendene, detém metade da parcela da Alpargatas (confira gráfico na pág. 45). “As Havaianas se beneficiam do fato de ser uma das marcas símbolo do País”, diz um relatório da Euromonitor. Mas isso não parece ser suficiente para a J&F.

“A Alpargatas gera caixa e conta com um endividamento baixo”, afirma uma fonte, que conhece os planos do novo controlador. “Mas dá para extrair mais valor.” A estratégia, segundo apurou DINHEIRO, será semelhante ao que a JBS fez na área de bois, setor em que se transformou líder mundial. O plano é avançar ainda mais a internacionalização das sandálias Havaianas, que até a década de 1990 não passavam de um chinelo de dedo feio e sem graça.

“A Alpargatas conseguiu fazer uma internacionalização com marca”, afirma Paulo Furquim, coordenador do Centro de Pesquisas e Estratégias do Insper. “Quem compra no exterior sabe e identifica a Havaianas como um produto brasileiro.” Atualmente, da receita líquida de R$ 3,7 bilhões, de 2014, pouco mais de 30% vem do exterior. “Há um grande potencial de explorar a Havaianas fora do Brasil”, diz a fonte. A marca de moda Osklen, que foi comprada do médico Oskar Metsavaht em 2012, deve seguir caminho semelhante.

No caso da Mizuno, cujos tênis de corrida chegam a custar R$ 1.000, o plano é ganhar mercado na América Latina – a Alpargatas tem um contrato de licenciamento para produzir e distribuir a marca japonesa no Brasil por 26 anos. A J&F deve dar sequência a estratégia de expandir a marca Havaianas, que está deixando de ser apenas uma sandália. Há pelo menos três anos, a Alpargatas começou a levar a marca para outros produtos. Elas primeiro viraram tênis. Mas, atualmente, pode-se encontrar desde bolsas, chaveiros, toalhas e meias com o símbolo da grife.

Em setembro deste ano, por exemplo, a empresa fechou parceria com a italiana Safilo, que fabrica óculos Premium, para produzir o acessório a partir do segundo semestre de 2016. Há também 669 lojas, no Brasil e no exterior, que vendem exclusivamente produtos da marca Havaianas. “A J&F comprou marcas icônicas e com âmbito global”, diz uma fonte. Assim como a família Batista se transformou líder global no abate de bois, que ninguém duvide que a ambição com a Havaianas é nada menos do que invadir o mercado global com sandálias.

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