quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

O ponto fraco de Dilma

Presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto, em Brasília


por Míriam Leitão

O argumento que Cunha usou é tecnicamente sólido, mas as motivações que o fizeram agir são as mais questionáveis. A presidente não poderia ter editado decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso. E foi o que ela fez no ano passado e repetiu este ano. O que levou Eduardo Cunha a agir foi o risco de perder a guerra para salvar seu mandato.

Cunha fez um movimento calculado. Disse que recebeu 34 pedidos de impeachment. Recusou todos, exceto um, no qual viu consistência jurídica. Vários outros se referiam ao que a presidente fez durante o ano de 2014, mas o ano passado é outro mandato. As pedaladas, por exemplo, aconteceram em 2014. Cunha, então, pegou nos questionamentos do TCU o que trata dos decretos de crédito suplementar editados sem autorização prévia do Congresso. E isso ela praticou este ano também, portanto, no atual mandato. Esse é o ponto fraco.

A lei determina que a presidente não pode editar decretos de aumento de gastos sem prévia aprovação do Congresso. Ela tem apenas uma autorização condicionada. Se estiver cumprindo a meta, e houver uma arrecadação acima do previsto, o governante pode baixar decretos de aumentos de gastos sem autorização do Congresso. No caso, a presidente Dilma não estava cumprindo a meta, e a arrecadação estava caindo. 

Mesmo assim, em junho, ela baixou seis decretos autorizando gastos de mais R$ 2,5 bilhões. Tudo o mais que ela fez, esses mesmos decretos no ano passado, as pedaladas em que os bancos emprestaram ao governo, nada disso poderia ser usado como argumento. E o motivo é bizarro: o fato de que aconteceu no último mandato. Isso faz da reeleição uma anistia ampla e geral. O problema da presidente foi ter repetido o mesmo ato este ano, invadindo o novo mandato com a velha atitude.

O andamento do processo contra Dilma é incerto, o ritual é longo, e ela pode se livrar dele. O que aconteceu até agora é estarrecedor. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, diante do risco de perder no Conselho de Ética, sacou primeiro e disparou contra a presidente da República como ele havia dito que faria. Ele fez chantagem sobre o governo, que estava cedendo, mas acabou perdendo o controle dos seus próprios deputados. Esse não é motivo respeitável para iniciar um processo que, independentemente da evolução, provoca turbulências políticas e econômicas.

Em Nova York, a notícia da abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma foi o suficiente para fazer disparar as ações brasileiras, principalmente as da Petrobras. A administração Dilma na economia é muito mal vista por investidores, principalmente na gestão da petrolífera. Por isso, houve esse começo de comemoração, mas a tendência é haver muita volatilidade porque o movimento de Cunha aumenta o grau de incerteza da economia e da política do Brasil.

O país continua se afundando na incerteza neste ano em que não há um dia calmo. Ontem, o governo estava se preparando para comemorar uma vitória com a aprovação da nova meta, permitindo que o ano fiscal termine num vasto mar vermelho que pode chegar a R$ 120 bilhões. Com isso, o governo pode liquidar as pedaladas de 2014 e ficar em dia com a lei orçamentária deste ano, por ter alterado o compromisso fiscal. Agora ela pode, se quiser, baixar decretos de crédito suplementar, porque já tem a nova meta aprovada. 

Mas a aprovação de ontem não retroage. O que ela fez em junho não poderia ter feito, e é nisso que Cunha se pegou.

A reação da presidente Dilma não foi de discutir o ponto técnico e fiscal no qual ele pegou, mas comparar-se ao deputado que a ataca. Lembrou que não existem questionamentos sobre ela, que não tem conta no exterior, que não ocultou bens pessoais. Desta forma, ela quis mostrar que é bem diferente do seu adversário nesta guerra para derrubar mandatos.

A crise política se agravou ontem fortemente e se houver pressão popular sobre os parlamentares pode-se formar uma maioria contra Dilma no Congresso. Este é o pior ambiente para um presidente enfrentar qualquer questionamento sobre o seu mandato, porque o desconforto econômico chegou ao auge com a recessão profunda, a inflação em dois dígitos e o desemprego crescendo.


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