A XP Investimentos bate recordes de ativos sob custódia e de captação, prepara o lançamento de um banco e projeta se transformar na maior casa de investimentos do Brasil em cinco anos. Para que isso aconteça, terá de superar as maiores instituições financeiras e seu novo sócio, o Itaú
No próximo dia 30 de agosto, Guilherme Benchimol, fundador e CEO da XP Investimentos, estará em Chamonix, nos Alpes franceses, para dar início a uma longa jornada de 120 quilômetros. Ele terá até 34 horas para cumprir o percurso e vencer uma elevação aproximada de 7,2 mil metros de altitude. Se conseguir completar a Ultra-Trail du Mont-Blanc, Benchimol terá superado a barreira centenária pela segunda vez em poucos dias. A primeira, alcançada no dia 15, não foi um feito exclusivo do ultramaratonista, embora a escalada também tenha sido íngreme.
A empresa independente de investimentos, criada por ele em 2001, numa
pequena sala de Porto Alegre, bateu a marca de R$ 100 bilhões sob
custódia em ações, fundos, seguros, previdência, renda fixa, tesouro
direto e investimentos no exterior. Há sete anos, a companhia tinha um
centésimo desse valor. No final deste ano, a projeção indica que a XP
chegará a R$ 130 bilhões, um volume possível pelos recordes mensais de
captação. Em agosto, a casa deve atrair R$ 5 bilhões de novos recursos.
“O que a gente tinha sob custódia em todo o ano de 2010 a gente capta,
agora, em poucos dias”, diz Benchimol (leia entrevista aqui).
Tanto apetite por recordes tem uma justificativa. Em cinco anos, a XP
quer se tornar a maior casa de investimentos do Brasil, superando Banco
do Brasil, Itaú e Bradesco. Esses três principais bancos comerciais do
País concentram mais da metade dos R$ 3,3 trilhões em investimentos de
cerca de 30 milhões de brasileiros. Para superar esses bancões, a XP
terá de multiplicar por, pelo menos, nove vezes o seu volume atual sob
custódia. Para alcançar os R$ 900 bilhões, Benchimol acredita em dois
pilares: qualidade na prestação de serviço e oferta de bons produtos. O
primeiro ponto é seu exército de agentes autônomos de investimento, que
são os especialistas responsáveis por convencer uma pessoa comum a
trocar o tradicional relacionamento com o banco pela XP.
“Não é criar mercado, é convencê-lo de que investir com a gente é
incomparavelmente melhor do que em qualquer outro banco comercial do
Brasil”, diz Benchimol. Na visão da empresa, os investimentos precisam
ser tratados como a saúde: um especialista é muito mais preciso que um
clínico geral. Há cinco anos, a XP tinha pouco mais de 880 agentes
autônomos, número que está próximo de 2,4 mil. Daqui a três anos, o
objetivo é ter 10 mil. Cabe a esses “soldados” mostrar que um fundo com
características idênticas na XP e num grande banco, por exemplo, tem
retornos distintos.
Ainda há centenas de fundos DI que cobram taxas de administração
perto de 3% ao ano. A XP tem um produto com características semelhantes a
0,3%. “Sempre tivemos metas audaciosas por acreditar que existe
uma oportunidade muito grande no Brasil de oferecer um serviço
diferente para investimentos”, afirma Gabriel Leal, head
comercial e de relacionamento com cliente do Grupo XP. A solução foi
ofertar fundos de terceiros. “Até pouco tempo atrás, os bancos
rejeitavam conceitos como assessoria de investimentos ou plataforma
aberta. Hoje, o jogo virou”, complementa Fernando Vasconcellos, head de
marketing.
O segundo pilar de Benchimol é a oferta de produtos. Sua prateleira
tem mais de 25 emissores de renda fixa e oferece mais de 400 fundos de
investimento, como os da Verde Asset, Adam Capital, Garde Asset e AZ
Quest (os fundos são responsáveis por metade da captação da XP). A Verde
Asset Management, por exemplo, do badalado gestor Luis Stuhlberger,
detém R$ 32 bilhões sob gestão e não é acessível a todo tipo de
investidor, por exigir um valor alto para aplicação. Em abril, a XP
passou a distribuir um desses fundos, com tíquete de R$ 50 mil. “A XP
tem sido mais rápida e aproveitado as oportunidades de mercado, como as
debêntures de infraestrutura, em 2012, e a oferta de CDB”, diz Daniel
Lemos, Chief Operating Officer e head de produtos do Grupo XP. “Cada vez
tem mais concorrência e a velocidade de acompanhar o nosso movimento
tende a diminuir.”
Dentro dessa oferta de plataforma aberta, cabe até um banco. É isso o
que eles querem mostrar ao mercado, assim que o Banco Central emitir a
autorização para o funcionamento do Banco XP. O processo está em análise
há mais de um ano pela autoridade monetária e a expectativa é que
consiga entrar em atividade no primeiro semestre de 2018. A diferença do
banco da XP é que ele será uma marca ao lado das outras e não a
principal atividade. Como será isso? Um cliente poderá fazer todos os
tipos de operações financeiras com a XP, mas a conta corrente, o cartão
de crédito e o financiamento não serão as principais. O modelo é
inspirado na gigante americana Charles Schwab, criada no início da
década de 1970, em São Francisco, como uma corretora de valores.
A Schwab, que hoje tem US$ 3,1 trilhões sob custódia, mexeu com a
estabilidade de tradicionais casas, como o Merrill Lynch, ao cortar
drasticamente as taxas dos investidores. Ao longo do tempo, foi uma das
pioneiras na negociação online de ações e ampliou a oferta de aplicações
aos clientes, como fundos de investimento e títulos do Tesouro dos
Estados Unidos. Assim como a XP quer oferecer produtos bancários, a
Schwab tem essa possibilidade entre seus serviços, num total de 1,2
milhão de contas. Mas o modelo americano foi colocado à prova quando a
Schwab saiu às compras após o estouro da bolha da internet, em 2000, e
adquiriu o private bank US Trust e o banco de investimentos Soudview. A
diversificação afastou a empresa daquilo que a diferenciou do mercado. A
XP quase caiu nessa mesma tentação.
No início do ano passado, quando o Citigroup anunciou a intenção de
vender a operação de varejo do Citi no Brasil, a XP apareceu como um
potencial interessado. O mercado comenta que a avaliação da XP foi muito
séria, inclusive envolvendo seus investidores estrangeiros, que
poderiam fazer o aporte de capital. Mas, além da entrada de competidores
como Santander e Itaú (que arrematou o banco por R$ 710 milhões), os
sócios da XP avaliaram que não queriam ser vistos nem como banqueiros
nem como vorazes compradores de um ativo pouco estratégico. “O Guilherme
tem uma obsessão por novos projetos, por tentar e errar”, diz um
ex-sócio, que deixou a empresa em 2012. “Mas uma de suas características
é começar pequeno e não perder o controle.”
Durante um ano e meio, Benchimol viveu um dos poucos momentos
em que ele se tornou um passageiro da agonia. Um fantasma passou a
ameaçá-lo após a XP ter sido vítima de roubo de informações
confidenciais. Uma quadrilha montou um email falso para capturar a senha
de acesso à plataforma da empresa. Um funcionário não se deu
conta do golpe, colocou seus dados e os bandidos conseguiram 29 mil
dados de clientes. Com isso, passaram a chantagear Benchimol, que se
recusou a pagar R$ 22 milhões em bitcoins (moeda virtual que não deixa
rastros) para se ver livre dessa ameaça. O episódio é tratado com muito
cuidado internamente, pois o erro poderia ter custado caro. Ele serviu
para aumentar os níveis de segurança de acesso ao sistema. Hoje, todos
têm um token de acesso.
A XP não comenta o assunto, apenas informa que todos os detalhes
foram enviados às autoridades para investigação da Polícia Federal, do
Ministério Público Federal e do Banco Central. Recém-formado em economia
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Benchimol passou a fazer
parte do time da corretora Investishop. Sua missão era vender uma
plataforma virtual de negociação de ações, num momento de crescente
interesse pela tecnologia. Mas o projeto não deu certo e ele foi
demitido. Benchimol se mudou para uma corretora gaúcha, mas o projeto
não vingou. Em Porto Alegre, conheceu Marcelo Maisonnave, com quem criou
a própria empresa de investimentos, que chamaram de XPTO, por total
falta de criatividade – com o tempo, decidiram cortar pela metade a
marca.
Além dos dois sócios, eles tinham dois estagiários. Um deles, porém,
decidiu trocar a startup pela segurança do salário do JP Morgan. Para
não perder metade da equipe, os sócios decidiram oferecer 10% de
participação a Ana Clara Sucolotti. A XP só conseguiu sobreviver graças à
adoção do modelo de partnership. Dessa sociedade, Ana Clara e Guilherme
engataram um namoro e depois se casaram. Ela já deixou a empresa. O
modelo inicial deu tão certo que se transformou na base de tudo o que a
XP fez dali para frente. Julio Capua, CFO do Grupo XP, foi o quarto
sócio da empresa. Para convencê-lo a entrar para o time, ofereceram uma
participação no negócio.
“Aprendemos desde cedo a dividir para crescer, pois sempre
acreditamos que o nosso sucesso dependeria de pessoas”, afirma ele.
“Desde o início nos inspiramos em alguns modelos bem sucedidos de
partnership do mercado. No começo era uma necessidade, pois não tínhamos
dinheiro para atrair executivos seniores para a empresa.” A XP, de
fato, não importa em dividir e sente que profissionais trabalham melhor
quando têm algo a perder. Mas para ser sócio não basta ter performance. A
meritocracia tem o mesmo peso que o comportamento e a cultura.
A XP quer um alinhamento horizontal e, internamente, todos afirmam
que não querem ter como sócio alguém desagradável. DINHEIRO conversou
com dois ex-funcionários que relativizam essa história. “Alguns sócios
não têm esse comportamento exemplar de dividir e ensinar. Há, sim, quem
queira atropelar o outro para ganhar participação”, afirmou um deles. “É
como acontece em todo o mercado financeiro.” Hoje, são 32 sócios com
mais de 0,5% da Holding e mais de 200 associados com participação
acionária, além dos seis sócios majoritários.
SONHO GRANDE
Os planos de sonho grande de Benchimol e
sua trupe ganharam um atalho no início de maio, quando o Itaú anunciou a
compra de 49,9% da empresa por R$ 5,7 bilhões, o que elevou o valor de
mercado para R$ 12 bilhões. A XP quadruplicou de tamanho em 12 meses. Em
abril de 2016, a General Atlantic, fundo americano de private equity,
já havia feito uma injeção de capital na empresa e adquirido a
participação do fundo inglês Actis. A operação, naquele período, avaliou
a XP em R$ 3 bilhões. Ali, o plano era alcançar os grandalhões do
mercado financeiro em 10 anos.
“O Itaú é um selo de qualidade, que nos agrega uma estrutura sólida e
consistente”, afirma Benchimol. “Antes era preciso explicar que a XP
começou em 2001, em Porto Alegre. Com o Itaú como sócio, encurtamos essa
história. Fica mais simples e mais fácil mostrar credibilidade e
convencer o cliente que somos uma empresa séria.” A assinatura do
contrato com o Itaú aconteceu um dia depois de a XP ter protocolado na
Comissão de Valores Mobiliários o prospecto para o seu lançamento
inicial de ações (IPO, na sigla em inglês), na bolsa de valores. O plano
era acessar o mercado e aumentar a governança corporativa, uma
exigência que clientes mais endinheirados começaram a fazer para
acreditar na solidez da instituição financeira que vai movimentar seus
investimentos.
O interessante dessa história é que o IPO e a associação com o Itaú
caminharam juntos. Em janeiro, no início do road show para apresentar a
XP a investidores, Benchimol almoçou com Roberto Setubal, na sede do
banco. Ali, desenharam uma carta de intenções numa folha de papel
sulfite. Naquele momento, o fundador da XP colocou o Itaú como seu Plano
A, por tudo o que o banco poderia agregar à sua empresa. Mas ele não
tinha como paralisar o processo do IPO, principalmente porque era o
único que a empresa poderia controlar. Se não vingasse com o Itaú, a XP
não atrasaria os seus planos.
O mercado comenta que grandes fundos internacionais, como o Temasek,
de Singapura; o Texas Pacific Group (TPG); o chinês GAC eram potenciais
interessados em ancorar o IPO, termo utilizado no mercado para garantir
que a operação seja bem-sucedida. O Itaú, porém, interrompeu esse
processo e formalizou o que Benchimol e Setubal tinham colocado na folha
A4 naquele almoço: o Itaú tinha interesse na independência da XP e
nesse novo modelo de negócio para os investimentos, enquanto a XP
ganhava a confiança de um importante parceiro, sem abrir mão do
controle. “A XP é o maior caso de sucesso do empreendedorismo dos
últimos 30 anos”, afirmou Setubal, durante a Expert, um evento
organizado pela sua nova sócia. “A empresa está três anos à frente da
concorrência. Ela vai tirar todos os bancos da zona de conforto, como
tirou o Itaú.”
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