Processo complexo e burocracia
são barreiras a vencer nos dois países
Por Jamile Sabatini Marques*
O impacto da inovação em um país pode ser
demonstrado de diversas maneiras, desde sua capacidade de movimentar a economia
com a geração de novos empregos ou até pela sua habilidade de estimular o
mercado a criar negócios inéditos. Mas como o apoio financeiro concedido às
empresas de tecnologia pode contribuir para o desenvolvimento econômico baseado
no conhecimento?
Foi com essa dúvida que, em 2015, embarquei em um voo para o
outro lado do mundo, mais precisamente, em Brisbane, Austrália, para ter o
privilégio de ser orientada por Tan Yigitcanlar, autor do conceito KBUD
[Desenvolvimento Urbano Baseado no Conhecimento], em minha tese de doutorado na
Queensland University of Technology (QUT), em cooperação com a Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC).
Como pode observar, o foco da viagem estava no
especialista e não somente no país em que ele está baseado. Estar em outro
local me permitiu realizar comparativos com as duas economias sobre as visões
das empresas de tecnologia brasileiras e australianas em relação ao fomento à
inovação. Mas antes de chegar aos resultados do estudo, quero voltar a 2013, no
meu primeiro ano na diretoria de Inovação e Fomento da Associação Brasileira
das Empresas de Software (ABES), quando formulamos uma pesquisa para medir o
quanto as empresas de tecnologia conheciam sobre os recursos para fomento
direcionados à inovação existentes no mercado. Para espanto de investidores
como governo e bancos, quase a metade (44%) das associadas não conhecem o
suficiente as fontes para inovação e fomento disponíveis para o setor no país.
Em minha pesquisa, parti do ponto de que, dentro do
framework de KBUD criado por Yigitcanlar, no segmento econômico, ele
considerava quatro importantes pilares: Conhecimento, Criatividade, Inovação e
Competitividade, mas ainda não incluía o Fomento/Incentivo como base para que
haja desenvolvimento baseado no conhecimento. Para contextualizar a importância
de inserir o conceito neste framework e sugerir um modelo de fomento às
empresas de base tecnológica como estratégia para a promoção do desenvolvimento
urbano baseado no conhecimento, submeti algumas companhias australianas ao
mesmo questionário feito no Brasil em 2013. No total, 75 responderam.
Dentre
essas, 36,5% afirmaram não ter conhecimento dos recursos de fomento disponíveis
para inovação. A maioria (54,4%) afirmou nunca ter se beneficiado desse tipo de
recurso. Entre as empresas que tentaram, mas não conseguiram, a maioria entre
as australianas e brasileiras aponta o mesmo motivo: processo complexo (47,1%)
e burocracia (40,4%).
Preferencialmente, as empresas no Brasil (77%) e
Austrália (62,7%) buscam incentivos à inovação para aplicação em P&D. Entre
as linhas de fomento que as australianas gostariam de ter mais informações e se
manter atualizadas encontram-se as voltadas a Incentivos Fiscais para Pesquisa
e Desenvolvimento (56,5%); Programas para Empreendedores (54,8%) e Fundos de
Capacitação (25,8%). Entre as empresas brasileiras de tecnologia, o interesse
maior ficou no BNDES (72%); FINEP (66,8%) e Fundos para Pesquisa (44,9%).
No estudo também tive a oportunidade de entrevistar
representantes do governo e de entidades representativas do setor de tecnologia
nos dois países. No caso da Austrália, a principal questão está na necessidade
de promover uma cultura de incentivo à inovação. O país voltou a desenvolver
programas de fomento à inovação em 2009, depois de 15 anos sem uma política
específica voltada ao tema. A transparência também foi uma necessidade
apresentada, pois não estão claros os critérios para participar de certos
programas. Das 400 melhores universidades do mundo, 20 estão na Austrália. O
compartilhamento dos espaços físicos e laboratórios das universidades com as
empresas foi apontado como um fator relevante para incentivar a inovação.
Também citaram a necessidade de criação de mais parques tecnológicos e
incubadoras. Segundo os entrevistados, esse problema é a razão pela qual o país
vem perdendo empreendedores para Estados Unidos, Canadá e Inglaterra.
No Brasil, pouco se mede sobre o impacto do fomento
à inovação, porém em pesquisas anteriores realizadas junto às empresas que
receberam recurso público para inovar, o governo obteve o retorno deste
incentivo no primeiro ano de programa. As empresas cresceram e algumas passaram
a exportar, geraram empregos e melhoraram os benefícios oferecidos para os seus
funcionários, tendo como resultado o desenvolvimento econômico baseado no
conhecimento. A falta de conhecimento das companhias sobre os benefícios
disponíveis demonstra, claramente, a necessidade de divulgação das gestoras de
recursos financeiros para estimular e atrair as empresas para adoção desses
instrumentos de apoio que poderão ajudar o Brasil a se tornar mais competitivo
e deslumbrar novos mercados por meio da inovação e, consequentemente, gerar
desenvolvimento econômico.
Enfim, há uma tendência de países membros da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de fomentar a
inovação por meio de incentivos fiscais, o qual acaba sendo mais rápido, menos
burocrático e mais democrático. Essa seria uma aposta bem acertada do governo
brasileiro para elevar os resultados quando tratamos de apoio à inovação, mas o
país ainda precisa melhorar nesse quesito, trazendo uma legislação mais clara e
simples para que as empresas se beneficiem desses instrumentos.
*Diretora de Inovação e Fomento da Associação
Brasileira das Empresas de Software (ABES).
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