Num estudo que avalia o grau de inovação de 140 nações, o Brasil ocupa a 69ª posição, atrás de todas as grandes economias emergentes
São Paulo — Embora esteja entre as dez maiores economias
do mundo, o Brasil tem uma posição para lá de modesta na lista dos
países mais inovadores. Num estudo que avalia o grau de inovação de 140
nações, o Brasil ocupa a 69a posição, atrás de todas as grandes
economias emergentes, como China, Turquia, México, Índia e África do
Sul.
Para o pesquisador indiano Soumitra Dutta, uma das maiores
autoridades do mundo em inovação, o Brasil tem feito muito pouco para
mudar esse cenário. Pior: está ficando cada vez mais para trás. Dutta,
de 53 anos, é reitor da escola de negócios da Universidade Cornell, uma
das mais renomadas dos Estados Unidos, e responsável por desenvolver o
Índice Global de Inovação (GII, na sigla em inglês).
Ao longo dos últimos dez anos, o GII tornou-se o principal indicador
para comparar o grau do progresso científico e tecnológico entre os
países. Formado em engenharia da computação, Dutta virá ao Brasil em
junho para participar do Congresso Brasileiro de Inovação da Indústria,
organizado pela Confederação Nacional da Indústria, em São Paulo.
Durante o evento, vai lançar a décima edição do ranking.
Para o pesquisador, apesar de o Brasil ter empresas líderes em inovação — como a fabricante de aviões Embraer —, falta um plano consistente do governo federal para promover a pesquisa e o desenvolvimento no longo prazo. “O Brasil nunca teve de fato uma estratégia para a inovação”, diz.
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EXAME – O que um país de renda média como o Brasil deve fazer para atingir um alto nível de inovação?
Soumitra Dutta – Nosso modelo de avaliação está
centrado em dois componentes principais. O primeiro são os aspectos que
potencializam a inovação, as áreas nas quais o país deve investir para
fornecer as bases para que a inovação possa ser realizada. São coisas
como ter um ambiente político e de negócios favorável, ter uma boa infraestrutura,
ter um capital humano de qualidade — tanto no nível da educação básica
quanto no ensino superior — e investir um valor adequado em pesquisa e
desenvolvimento. O segundo componente são os resultados que o país
consegue gerar com os investimentos em inovação. É o dado que mostra se
as iniciativas estão tendo êxito. Portanto, respondendo à sua pergunta,
acreditamos que, se um país for capaz de avançar em todas essas
dimensões, ele poderá, sim, atingir um alto nível de inovação.
EXAME – Quanto tempo um investimento desses demora a dar resultados?
Soumitra Dutta – Demora bastante. Não adianta
construir um grande laboratório e esperar que o país se torne líder em
inovação. Se fosse fácil assim, muitos países o fariam. A parte difícil
de estimular a inovação é justamente aprimorar as múltiplas dimensões
simultaneamente. O país precisa ter uma boa educação, precisa de um
ambiente de negócios sofisticado, precisa de infraestrutura de boa
qualidade. É muito importante ressaltar que os países que vão bem no
índice são aqueles que têm resultados positivos em todas as dimensões. É
por isso que fazer inovação é tão difícil.
EXAME – O mais importante é seguir uma estratégia de longo prazo?
Soumitra Dutta – Sim. É preciso ter uma estratégia
de longo prazo para o país. Mas também é importante ter táticas de curto
prazo que ajudem a avançar.
Exame – Que táticas são essas?
Soumitra Dutta – É possível realizar ações focadas
em áreas específicas que desencadeiem efeitos colaterais. Dou um exemplo
que os brasileiros conhecem bem: a Embraer.
Por causa do investimento da fabricante de aviões, toda uma cadeia de
empresas que trabalham ao redor dela é beneficiada. Ou seja, você pode
fazer esforços específicos para criar inovação em setores determinados,
como o de aviação, e fazer com que isso se espalhe para outros
segmentos. Se você olhar com atenção, foi isso que ocorreu com a
indústria de tecnologia no Vale do Silício. O sucesso de uma empresa
eventualmente acabou levando à criação de outra empresa de sucesso e
depois outra e outra.
EXAME – Desde que o senhor começou a fazer o índice, algum
país conseguiu sair de uma posição ruim para se tornar um líder em
inovação?
Soumitra Dutta – Sim. Alguns países têm subido no
ranking consistentemente ou estão conseguindo alcançar os países
líderes. O melhor exemplo é o da China, que está se movendo muito
rapidamente e, em pouco tempo, entrou para a lista dos 25 países mais
bem colocados. Outros exemplos são Coreia do Sul e Israel. O que esses
países têm em comum são estratégias nacionais de inovação. Ter um planejamento consistente é importante para progredir.
Catalisador:
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EXAME – Como o senhor avalia o desempenho do Brasil no ranking?
Soumitra Dutta – Em 2011, o Brasil estava na 47a
posição. No ano passado, havia caído para a 69a. Isso não significa que o
Brasil não tenha melhorado. Ele tem feito avanços. Mas essa melhoria é
lenta. Não ocorre num ritmo suficiente para acompanhar o progresso feito
em escala global. É importante que o Brasil entenda que o mundo tem se
movido mais rapidamente. Em outras palavras, o Brasil está ficando para
trás. É urgente o país tomar medidas para melhorar sua competitividade.
Se não o fizer, a indústria brasileira vai sofrer ainda mais, e o
mercado de trabalho vai sentir o efeito. O Brasil corre o risco de não
ser capaz de competir numa economia global.
EXAME – Falta uma estratégia?
Soumitra Dutta – Sim. O Brasil nunca teve de fato uma estratégia para a inovação. O governo
brasileiro precisa ter um entendimento claro de que a inovação é
crítica para o desenvolvimento. Se o país não investir em inovação, não
será capaz de se beneficiar das oportunidades econômicas criadas pelas
novas tecnologias. Por exemplo: o Brasil tornou-se líder em
biocombustível e detém um conhecimento vasto nesse campo. Mas hoje a
indústria automobilística toda está se movendo rumo aos carros
elétricos. A tecnologia está mudando. O Brasil precisa ser capaz de
mudar para competir. Acho que países como o Brasil precisam investir em
áreas que ainda vão crescer.
EXAME – Como os países fazem para identificar essas áreas?
Soumitra Dutta – Ninguém sabe. Não há como saber de
fato. Mas é preciso tentar. Se tiver sucesso, o país vai criar outros
mercados, vai estimular novos negócios. Mas, se não tentar, nunca vai
conseguir.
EXAME – O Brasil tem tido sucesso em alguma área em particular?
Soumitra Dutta – O Brasil tem um sucesso tremendo no
setor de aviação. A Embraer é um bom exemplo de inovação que não se vê
no resto do mundo. Na verdade, somente três ou quatro países são grandes
exportadores
de aviões. Mesmo a China ainda não conseguiu alcançar esse patamar no
segmento. Acho que essa é uma área que o Brasil precisa expandir e
ajudar a gerar muito mais empresas. Outra área é a de biotecnologia, no
qual o Brasil é forte naturalmente, dado o bom desempenho do
agronegócio.
EXAME – Em quais áreas estamos indo mal?
Soumitra Dutta – O setor de tecnologia da informação
deveria ser muito mais robusto no Brasil. Atualmente, ele é muito mal
aproveitado. A indústria de TI é dominada por empresas globais. E as
empresas de software e internet brasileiras são fortes apenas no mercado
doméstico, o que não significa muita coisa. Esse é um setor importante
demais para o Brasil, uma das maiores economias do mundo, ficar de fora.
Mas existem outras inúmeras áreas nas quais o Brasil poderia fazer
mais, como a de energia solar. É uma pena que o país esteja perdendo tantas oportunidades.
Relembre:
BNDES aprova 1º financiamento para geração de energia solar.
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