quinta-feira, 25 de maio de 2017

Para promotor, decisão do STF legaliza ‘profissão de traficante’


Supremo Tribunal definiu que tráfico de drogas praticado por réu primário não é crime hediondo; defensor público elogia medida

 

PABLO PEREIRA e FABIO LEITE, O Estado de S. Paulo



STF define que tráfico por réu primário não é crime hediondo
Três ministros mudaram de entendimento sobre o assunto Foto: JB NETO/ESTADÃO

Como ocorre em casos semelhantes envolvendo tráfico, a definição do Supremo Tribunal Federal (STF) de que tráfico de drogas praticado por réu primário não é crime hediondo pôs promotores e defensores em lados opostos. Para Marcelo Barone, promotor criminal de São Paulo e professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a decisão do STF tem como “único objetivo esvaziar as prisões” no País e vai na contramão da política de combate ao tráfico de outros países. “O que o Supremo fez foi legalizar a profissão de traficante e promover o aumento da quantidade de pessoas recrutadas pelo tráfico. Isso é ruim, ainda mais neste momento de crise econômica.”

Ele afirma que a medida deve reduzir em mais da metade o período de encarceramento de traficantes ou estimular a adoção do regime aberto. “Hoje, o traficante, não importante a quantidade de drogas, já fica, em média, um ano na cadeia. Com essa decisão, a pena dele cairá para três meses. Isso se a condenação não for ao regime aberto ou pena alternativa. Essa decisão vai aumentar o tráfico assustadoramente no País.”

Já para o coordenador do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo, Bruno Shimizu, há no País uma deliberada política de encarceramento, agravada em 2006 com a nova Lei de Drogas (11.343). Ele cita especificamente o problema feminino, usando dados do Infopen: houve aumento de prisões de 313,5% no número de acusadas por tráfico entre 2005 e 2014, de 4.228 para 17.483. Somente em São Paulo, o crescimento foi de 460,4% no mesmo período – de 1.432 (2005) para 8.025 (2014).
Para o defensor público paulista, o País prioriza a construção de presídios e pratica uma política “de enxugar gelo” para atender ao clamor social. “O sistema carcerário brasileiro já foi até condenado pela ONU (Organização das Nações Unidas), que considerou situação de genocídio”, disse. “Temos 40% dos presos em prisão provisória, aguardando julgamento.”

Para Shimizu, é necessário revisar essa legislação, como se fez inicialmente ontem, porque ela colocou o Brasil como o terceiro país do mundo (atrás apenas de Estados Unidos e China) em encarceramento. Ele usa como exemplo o parágrafo 4.º da Lei de Drogas. Para ele, ali não se veda o indulto, uma das ferramentas usadas no mundo para “desencarceramento” – como acontece na Rússia.

Segundo ele, o que a lei veda é o instituto da graça (perdão concedido ao preso por mérito). “O Brasil prende muito, mal e ilegalmente.”

Ele questionou ainda os custos do preso no sistema carcerário. “Nesses dados são incluídos de gasto com construção de presídio a salário dos servidores e do secretário.” Segundo o defensor, um preso custa mensalmente cerca de R$ 200 com comida e R$ 17 com produtos adicionais. “Quem mantém o preso é a família”, disse.

Para Bruna Angotti, coordenadora do núcleo de pesquisas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), a decisão do Supremo "deve reduzir o peso da caneta dos juízes nas decisões" e contribuir para que mulheres presas por tráfico também tenham direito ao indulto, como no Natal e Dia das Mães.

"Muitas mulheres estão no sistema prisional por causa do pequeno tráfico, que, por ser crime hediondo, demora a ter progressão da pena, sem direito ao indulto, provocando um terrível efeito dominó extramuro, tanto no cuidado com os filhos como no sustento do lar."

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