Marcos Mazoni, presidente do Serpro
"O Brasil não depende da Microsoft nem do Google"
Integrante do grupo do governo do Rio Grande do Sul que introduziu o software livre no Brasil, ainda no final dos anos 1990
Por Denize BACOCCINA
O administrador gaúcho Marcos Mazoni, presidente do Serviço
Federal de Processamento de Dados (Serpro), está prestes a transformar a
empresa, um órgão do Ministério da Fazenda que fatura R$ 2 bilhões por
ano, na administradora de três milhões de contas de e-mails. Por
determinação da presidenta Dilma Rousseff, será implantado um e-mail
seguro em todos os órgãos da administração federal. Trata-se de uma
resposta à bisbilhotice de agências de segurança do governo americano,
praticada com a cumplicidade de empresas de tecnologia. “O Brasil não
depende da Microsoft nem do Google”, afirma Mazoni à DINHEIRO. “Não
precisa se submeter à espionagem para isso.”
DINHEIRO – O Serpro vai implantar o Expresso V3, um
sistema de e-mail, webcam e webconferência, em todos os órgãos do
governo federal. Como isso muda a segurança da comunicação do governo?
MARCOS MAZONI – O sistema retira do nosso ambiente de comunicação esses softwares que podem trazer algum risco de segurança. Mais especificamente produtos ligados aos fabricantes americanos, que, ao obedecer à legislação do seu país de origem, são obrigados a permitir esses back doors, essas portas dos fundos, para uso do governo dos Estados Unidos, se forem solicitados. Isso faz com que tenhamos muita vulnerabilidade. A determinação da presidenta Dilma é para que todo o governo use os nossos serviços, desenvolvidos a partir de software livre, com conhecimento dominado por brasileiros.
MARCOS MAZONI – O sistema retira do nosso ambiente de comunicação esses softwares que podem trazer algum risco de segurança. Mais especificamente produtos ligados aos fabricantes americanos, que, ao obedecer à legislação do seu país de origem, são obrigados a permitir esses back doors, essas portas dos fundos, para uso do governo dos Estados Unidos, se forem solicitados. Isso faz com que tenhamos muita vulnerabilidade. A determinação da presidenta Dilma é para que todo o governo use os nossos serviços, desenvolvidos a partir de software livre, com conhecimento dominado por brasileiros.
DINHEIRO – Como será esse e-mail?
MAZONI – Será um webmail, com um visual parecido
com o e-mail do Google. Nos equipamentos oficiais haverá a opção da
criptografia. Em outros equipamentos, como smartphones, isso não será
possível, mas ainda assim o sistema é seguro, porque o túnel é
criptografado.
DINHEIRO – Isso aconteceu por causa das denúncias de espionagem ?
MAZONI – Sim, é por isso. Há uma preocupação
adicional com essa vigilância. E há outro aspecto extremamente positivo,
que é o reconhecimento da nossa capacidade intelectual de prover essas
soluções. O Brasil não é dependente dessas empresas de tecnologia. O
Brasil não depende nem da Microsoft nem do Google. Não precisa se
submeter à espionagem para isso. Temos capacidade para prover essas
soluções. É um padrão de complexidade que nós dominamos.
DINHEIRO – E por que essa capacidade nunca foi utilizada pelo governo?
MAZONI – Nós temos uma demanda muito grande de
soluções, de produtos que não existem no mercado e precisam ser
desenvolvidos, como renegociação de dívida e modernização de portos. O
e-mail, como já é oferecido por outras empresas, acabou ficando para
depois. Alguns órgãos já utilizam o nosso sistema, mas o número de
usuários ainda é pequeno, cerca de 70 mil pessoas. Pela questão
cultural, muitos optaram por soluções proprietárias de empresas como
Microsoft e Google. Agora, temos a determinação da presidenta, o que vai
fazer com que essa migração aconteça.
DINHEIRO – Não havia uma certa ingenuidade no governo
quanto à vulnerabilidade dos sistemas de e-mails contratados dessas
empresas americanas?
MAZONI – Acho que havia uma ingenuidade na
sociedade mundial, com exceção de alguns países, como a Alemanha, que
desde a Segunda Guerra usa soluções abertas, justamente para não ficar
dependente de nenhuma empresa. Mesmo os Estados Unidos, onde estão
sediadas essas empresas, tiveram muitos problemas na Guerra do Golfo com
a comunicação com os aliados ingleses e os espanhóis. Essa não era uma
questão premente para nós. Mas a sociedade está mudando e, atualmente,
as invasões são cibernéticas e não mais físicas.
DINHEIRO – A presidenta Dilma vem usando o Gmail e o
Outlook em suas comunicações pela internet. O presidente americano,
Barack Obama, quando foi eleito, teve de deixar de usar o seu
Blackberry, e só voltou a usá-lo depois que foi desenvolvido um sistema
seguro. O Brasil não se deu conta da falta de segurança? Ninguém disse à
presidenta Dilma que esses e-mails eram vulneráveis?
MAZONI – O problema não é a segurança do sistema,
mas o fato de o servidor estar nos Estados Unidos e, portanto, sujeito
às leis americanas. Então, o acesso pode ser feito pela via jurídica. A
preocupação do Serpro com segurança é muito grande, porque nós cuidamos
do sigilo fiscal dos brasileiros. A ferramenta que gera o Imposto de
Renda foi desenvolvida por nós. Por isso, desenvolvemos os nossos
próprios sistemas, a nossa nuvem. Essa preocupação com a segurança é
natural para nós, mas não é tão natural para pessoas de outras áreas. De
um modo geral, as pessoas têm uma grande preocupação com segurança
física e acham que os produtos de software são inofensivos. Agora,
estamos descobrindo que não são inofensivos, que essas possibilidades
estão embutidas.
A presidenta Dilma Rousseff, que foi espionada pelo governo de Barack Obama
DINHEIRO – Qual é o faturamento do Serpro e quanto ele pode crescer?
MAZONI – Faturamos R$ 2 bilhões no ano passado, e
devemos ter um acréscimo em torno de R$ 600 milhões no próximo ano, em
função desse contrato com a Presidência. Mesmo sendo uma empresa
pública, temos contratos com os órgãos de governo e recebemos pagamentos
pelos serviços. É uma ampliação proporcional ao investimento que
teremos de fazer para aumentar nossa capacidade de processamento e
armazenamento dos e-mails.
DINHEIRO – Quanto a empresa investe em tecnologia?
MAZONI – Investimos R$ 200 milhões por ano, mas no
próximo ano o valor será superior a R$ 300 milhões, porque estamos
montando um quarto datacenter, em São Paulo, a um custo de R$ 250
milhões. Já temos três centros, em Brasília,
São Paulo e no Rio de Janeiro.
DINHEIRO – Quanto foi o investimento em nuvem?
MAZONI – Para colocar a nuvem do Serpro no ar, no
mês passado, investimos R$ 10 milhões. É um investimento pequeno, porque
nós usamos software livre e todo o conhecimento é do pessoal do Serpro.
Temos 11 mil funcionários e 11 centros de desenvolvimento em todo o
País, cada um deles com uma especialidade diferente.
DINHEIRO – Onde o serviço de e-mail será hospedado?
MAZONI – Totalmente no Brasil, nos centros de
dados que já temos. A comunicação por internet na Esplanada dos
Ministérios será feita por fibra ótica, através da infovia administrada
pelo Serpro. A Telebras vai prover os serviços de longa distância.
Quando contratamos operadoras, só contratamos os circuitos, usamos os
nossos próprios roteadores. Toda a rede e o tráfego são administrados
por nós.
Agência dos Correios, em Brasília
DINHEIRO – Se este sistema já estivesse em funcionamento, ele teria evitado os casos de espionagem que vimos?
MAZONI – Sim. Agora teremos controle sobre todo o processo.
DINHEIRO – Além dos órgãos diretos do governo, vocês vão atender também empresas estatais, ou mistas, como a Petrobras?
MAZONI – A determinação da presidenta é que o
conjunto do governo se dirija a uma solução aberta, como o Expresso V3.
Alguns órgãos do governo têm a sua própria área de tecnologia de
informação. Eles podem fazer download do produto e implantar, com suas
equipes.
DINHEIRO – O sistema está disponível também para empresas privadas?
MAZONI – Qualquer empresa pode baixar os
códigos-fonte sem pagar nada por isso. Inclusive uma empresa de TI pode
oferecer o Expresso V3 a seus clientes. Ela não pode cobrar licença, mas
pode cobrar pelo serviço de instalação e manutenção. Como se trata de
um produto aberto, ele é mais seguro porque não existem autorizações
prévias, tudo é autorizado no momento da instalação. É inclusive mais
seguro quanto a vírus, porque as modificações feitas por cada usuário
impedem que o vírus se dissemine.
DINHEIRO – O Serpro pode se transformar numa Microsoft brasileira?
MAZONI – Não é nosso objetivo. Já somos a maior
empresa estatal de TI da América Latina. Nosso objetivo é continuar
trabalhando para o governo. Já temos clientes como a Procuradoria-Geral
da Fazenda Nacional, o Ministério do Meio Ambiente, ICMBio, Ministério
do Planejamento, e temos o Expresso na Autoridade Olímpica e na Receita.
DINHEIRO – E agora o universo será ampliado para todos os funcionários?
MAZONI – Sim, serão cerca de três milhões até junho de 2014.
DINHEIRO – Quanto o governo gasta hoje com pagamento de licenças para empresas como Microsoft e quanto vai economizar?
MAZONI – Num primeiro momento o governo pode
economizar cerca de R$ 50 milhões. Em 2010, último dado disponível, o
governo poupou R$ 350 milhões com o não pagamento das licenças. Somente
os portais do governo, no sistema Linux, resultaram numa economia de R$
15 milhões com as licenças iniciais, que precisam ser renovadas todos os
anos.
DINHEIRO – Como é o contrato do Serpro com os Correios?
MAZONI – Estamos desenvolvendo um projeto para
desmaterializar as correspondências. Os clientes terão uma conta
exclusiva para receber boletos e contas, como a caixa de mensagem, que
está hoje nos sites dos bancos. Outro projeto, que foi pedido agora pelo
governo, é o de um e-mail gratuito, para o público em geral, que será
oferecido pelos Correios, utilizando a tecnologia Expresso V3.
DINHEIRO – O Serpro administra todo o sistema da Receita Federal. Vocês já tiveram alguma invasão?
MAZONI – Nunca. Tivemos tentativas de derrubar o
sistema, especialmente próximo ao prazo de entrega das declarações, mas
nunca foram bem-sucedidas. Nós rastreamos tudo e bloqueamos.
DINHEIRO – Haverá mudanças em 2014?
MAZONI – Todo ano temos inovações no Imposto de
Renda. Em 2013, lançamos a possibilidade de fazer declarações pelo
tablet. Agora vamos permitir o uso também de smartphones e começar a
trabalhar com informações pré-editadas. A declaração virá pronta e o
contribuinte só precisa confirmar se está tudo certo e enviar para a
Receita. Ou corrigir, se houver algo errado. É assim que funciona no
Chile. Vamos cruzar as informações disponíveis em cerca de 30 bancos de
dados do governo.
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