sábado, 19 de outubro de 2013

"O Brasil não depende da Microsoft nem do Google"


Marcos Mazoni, presidente do Serpro

"O Brasil não depende da Microsoft nem do Google"

Integrante do grupo do governo do Rio Grande do Sul que introduziu o soft­ware livre no Brasil, ainda no final dos anos 1990

Por Denize BACOCCINA

O administrador gaúcho Marcos Mazoni, presidente do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), está prestes a transformar a empresa, um órgão do Ministério da Fazenda que fatura R$ 2 bilhões por ano, na administradora de três milhões de contas de e-mails. Por determinação da presidenta Dilma Rousseff, será implantado um e-mail seguro em todos os órgãos da administração federal. Trata-se de uma resposta à bisbilhotice de agências de segurança do governo americano, praticada com a cumplicidade de empresas de tecnologia. “O Brasil não depende da Microsoft nem do Google”, afirma Mazoni à DINHEIRO. “Não precisa se submeter à espionagem para isso.” 

DINHEIRO – O Serpro vai implantar o Expresso V3, um sistema de e-mail, webcam e webconferência, em todos os órgãos do governo federal. Como isso muda a segurança da comunicação do governo?
MARCOS MAZONI – O sistema retira do nosso ambiente de comunicação esses softwares que podem trazer algum risco de segurança. Mais especificamente produtos ligados aos fabricantes americanos, que, ao obedecer à legislação do seu país de origem, são obrigados a permitir esses back doors, essas portas dos fundos, para uso do governo dos Estados Unidos, se forem solicitados. Isso faz com que tenhamos muita vulnerabilidade. A determinação da presidenta Dilma é para que todo o governo use os nossos serviços, desenvolvidos a partir de soft­ware livre, com conhecimento dominado por brasileiros.
 
 
 
DINHEIRO – Como será esse e-mail?
MAZONI – Será um webmail, com um visual parecido com o e-mail do Google. Nos equipamentos oficiais haverá a opção da criptografia. Em outros equipamentos, como smartphones, isso ­não será possível, mas ainda assim o sistema é seguro, porque o túnel é criptografado. 
 
 
 
DINHEIRO – Isso aconteceu por causa das denúncias de espionagem ?
MAZONI – Sim, é por isso. Há uma preocupação adicional com essa vigilância. E há outro aspecto extremamente positivo, que é o reconhecimento da nossa capacidade intelectual de prover essas soluções. O Brasil não é dependente dessas empresas de tecnologia. O Brasil não depende nem da Microsoft nem do Google. Não precisa se submeter à espionagem para isso. Temos capacidade para prover essas soluções. É um padrão de complexidade que nós dominamos.
 
 
 
DINHEIRO – E por que essa capacidade nunca foi utilizada pelo governo?
MAZONI – Nós temos uma demanda muito grande de soluções, de produtos que não existem no mercado e precisam ser desenvolvidos, como renegociação de dívida e modernização de portos. O e-mail, como já é oferecido por outras empresas, acabou ficando para depois. Alguns órgãos já utilizam o nosso sistema, mas o número de usuários ainda é pequeno, cerca de 70 mil pessoas. Pela questão cultural, muitos optaram por soluções proprietárias de empresas como Microsoft e Google. Agora, temos a determinação da presidenta, o que vai fazer com que essa migração aconteça.
 
 
 
DINHEIRO – Não havia uma certa ingenuidade no governo quanto à vulnerabilidade dos sistemas de e-mails contratados dessas empresas americanas?
MAZONI – Acho que havia uma ingenuidade na sociedade mundial, com exceção de alguns países, como a Alemanha, que desde a Segunda Guerra usa soluções abertas, justamente para não ficar dependente de nenhuma empresa. Mesmo os Estados Unidos, onde estão sediadas essas empresas, tiveram muitos problemas na Guerra do Golfo com a comunicação com os aliados ingleses e os espanhóis. Essa não era uma questão premente para nós. Mas a sociedade está mudando e, atualmente, as invasões são cibernéticas e não mais físicas.
 
 
 
DINHEIRO – A presidenta Dilma vem usando o Gmail e o Outlook em suas comunicações pela internet. O presidente americano, Barack Obama, quando foi eleito, teve de deixar de usar o seu Blackberry, e só voltou a usá-lo depois que foi desenvolvido um sistema seguro. O Brasil não se deu conta da falta de segurança? Ninguém disse à presidenta Dilma que esses e-mails eram vulneráveis?
MAZONI – O problema não é a segurança do sistema, mas o fato de o servidor estar nos Estados Unidos e, portanto, sujeito às leis americanas. Então, o acesso pode ser feito pela via jurídica. A preocupação do Serpro com segurança é muito grande, porque nós cuidamos do sigilo fiscal dos brasileiros. A ferramenta que gera o Imposto de Renda foi desenvolvida por nós. Por isso, desenvolvemos os nossos próprios sistemas, a nossa nuvem. Essa preocupação com a segurança é natural para nós, mas não é tão natural para pessoas de outras áreas. De um modo geral, as pessoas têm uma grande preocupação com segurança física e acham que os produtos de software são inofensivos. Agora, estamos descobrindo que não são inofensivos, que essas possibilidades estão embutidas.
 
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A presidenta Dilma Rousseff, que foi espionada pelo governo de Barack Obama
 
DINHEIRO – Qual é o faturamento do Serpro e quanto ele pode crescer?
MAZONI – Faturamos R$ 2 bilhões no ano passado, e devemos ter um acréscimo em torno de R$ 600 milhões no próximo ano, em função desse contrato com a Presidência. Mesmo sendo uma empresa pública, temos contratos com os órgãos de governo e recebemos pagamentos pelos serviços. É uma ampliação proporcional ao investimento que teremos de fazer para aumentar nossa capacidade de processamento e armazenamento dos e-mails.
 
 
 
DINHEIRO – Quanto a empresa investe em tecnologia?
MAZONI – Investimos R$ 200 milhões por ano, mas no próximo ano o valor será superior a R$ 300 milhões, porque estamos montando um quarto datacenter, em São Paulo, a um custo de R$ 250 milhões. Já temos três centros, em Brasília, 
São Paulo e no Rio de Janeiro.
 
 
 
DINHEIRO – Quanto foi o investimento em nuvem?
MAZONI – Para colocar a nuvem do Serpro no ar, no mês passado, investimos R$ 10 milhões. É um investimento pequeno, porque nós usamos software livre e todo o conhecimento é do pessoal do Serpro. Temos 11 mil funcionários e 11 centros de desenvolvimento em todo o País, cada um deles com uma especialidade diferente.
 
 
 
DINHEIRO – Onde o serviço de e-mail será hospedado?
MAZONI – Totalmente no Brasil, nos centros de dados que já temos. A comunicação por internet na Esplanada dos Ministérios será feita por fibra ótica, através da infovia administrada pelo Serpro. A Telebras vai prover os serviços de longa distância. Quando contratamos operadoras, só contratamos os circuitos, usamos os nossos próprios roteadores. Toda a rede e o tráfego são administrados por nós.
 
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Agência dos Correios, em Brasília
 
DINHEIRO – Se este sistema já estivesse em funcionamento, ele teria evitado os casos de espionagem que vimos?
MAZONI – Sim. Agora teremos controle sobre todo o processo.
 
 
 
DINHEIRO – Além dos órgãos diretos do governo, vocês vão atender também empresas estatais, ou mistas, como a Petrobras?
MAZONI – A determinação da presidenta é que o conjunto do governo se dirija a uma solução aberta, como o Expresso V3. Alguns órgãos do governo têm a sua própria área de tecnologia de informação. Eles podem fazer download do produto e implantar, com suas equipes.
 
 
 
DINHEIRO – O sistema está disponível também para empresas privadas?
MAZONI – Qualquer empresa pode baixar os códigos-fonte sem pagar nada por isso. Inclusive uma empresa de TI pode oferecer o Expresso V3 a seus clientes. Ela não pode cobrar licença, mas pode cobrar pelo serviço de instalação e manutenção. Como se trata de um produto aberto, ele é mais seguro porque não existem autorizações prévias, tudo é autorizado no momento da instalação. É inclusive mais seguro quanto a vírus, porque as modificações feitas por cada usuário impedem que o vírus se dissemine.
 
 
 
DINHEIRO – O Serpro pode se transformar numa Microsoft brasileira?
MAZONI – Não é nosso objetivo. Já somos a maior empresa estatal de TI da América Latina. Nosso objetivo é continuar trabalhando para o governo. Já temos clientes como a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, o Ministério do Meio Ambiente, ICMBio, Ministério do Planejamento, e temos o Expresso na Autoridade Olímpica e na Receita.
 
 
 
DINHEIRO – E agora o universo será ampliado para todos os funcionários?
MAZONI – Sim, serão cerca de três milhões até junho de 2014.
 
 
 
DINHEIRO – Quanto o governo gasta hoje com pagamento de licenças para empresas como Microsoft e quanto vai economizar?
MAZONI – Num primeiro momento o governo pode economizar cerca de R$ 50 milhões. Em 2010, último dado disponível, o governo poupou R$ 350 milhões com o não pagamento das licenças. Somente os portais do governo, no sistema Linux, resultaram numa economia de R$ 15 milhões com as licenças iniciais, que precisam ser renovadas todos os anos.
 
 
 
DINHEIRO – Como é o contrato do Serpro com os Correios?
MAZONI – Estamos desenvolvendo um projeto para desmaterializar as correspondências. Os clientes terão uma conta exclusiva para receber boletos e contas, como a caixa de mensagem, que está hoje nos sites dos bancos. Outro projeto, que foi pedido agora pelo governo, é o de um e-mail gratuito, para o público em geral, que será oferecido pelos Correios, utilizando a tecnologia Expresso V3.
 
 
 
DINHEIRO – O Serpro administra todo o sistema da Receita Federal. Vocês já tiveram alguma invasão?
MAZONI – Nunca. Tivemos tentativas de derrubar o sistema, especialmente próximo ao prazo de entrega das declarações, mas nunca foram bem-sucedidas. Nós rastreamos tudo e bloqueamos.
 
 
 
DINHEIRO – Haverá mudanças em 2014?
MAZONI – Todo ano temos inovações no Imposto de Renda. Em 2013, lançamos a possibilidade de fazer declarações pelo tablet. Agora vamos permitir o uso também de smartphones e começar a trabalhar com informações pré-editadas. A declaração virá pronta e o contribuinte só precisa confirmar se está tudo certo e enviar para a Receita. Ou corrigir, se houver algo errado. É assim que funciona no Chile. Vamos cruzar as informações disponíveis em cerca de 30 bancos de dados do governo.

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