A região era o seu outro lado do mundo, teoriza Fernando Dourado
Aos 32 anos, J.D. Salinger publicou o livro "O apanhador no
campo de centeio", até hoje uma história que intriga até o mais
implacável dos leitores. Pois bem, quem esperava que o autor estivesse
apenas nos primórdios de uma carreira literária tão longeva quanto ele
próprio foi, teve que lidar com uma frustração que só estancou com sua
morte, aos 90 anos. Isso porque o escritor passaria quase seis décadas
na mais completa reclusão e anonimato. Até o fim a vida, não voltaria a
publicar, aparecer em público e muito menos a falar de sua obra
consagrada. Muitos tentaram se aproximar e outros tantos especularam
sobre suas razões mais íntimas. Afinal, respeitou-se a opção de um homem
mítico que mais parecia refém de outra esfera.
Na mesma toada,
lembro de Belchior no palco do teatro do Parque, no Recife, na década de
1970. Tímido, nitidamente acanhado diante do sucesso repentino, o
cearense boa gente empunhava o microfone e chegava a rir da reação
mesmerizada de uma plateia que delirava com "Paralelas". Mais adiante,
Elis Regina transformaria algumas de suas músicas em clássicos,
dando-lhes uma roupagem de gala, como só ela sabia fazer. Os anos se
passaram e eis que Belchior sobrevivia incólume aos modismos mesmo
porque o lugar que ocupava em nossos corações era só dele. Mais tarde,
voltei a vê-lo em São Paulo e no Rio, sempre com a mesma sensação de
reencontro comigo mesmo e com os anos trepidantes da juventude.
Então
veio o sumiço e o alerta, ambos ditados pela memória coletiva e que
ressoariam em uníssono. O que é feito de Belchior? Acharam-no no
Uruguai. Por trás do sorriso à repórter da Globo, percebia-se uma
resistência em explicitar as razões que o teriam levado a sair do Brasil
da forma como saiu, como se fugisse de um tsunami aterrador. É sabido
que as palavras também servem para esconder o que sentimos. Veio então
novo interregno e, afinal, soubemos que morava no interior do Rio Grande
do Sul. No imaginário dele talvez, certamente o extremo sul da
fronteira brasileira representava o outro lado do mundo, um lugar
indevassável, a milhares de quilômetros do Ceará, onde não seria
importunado. Foi o momento Sailinger do poeta.
No fundo, jamais
conheceremos totalmente os bastidores de uma depressão ou desencanto.
Seja o que tenha sido, ele deixou saudades.
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