O nome de
Nelson Mannrich
costuma ser precedido pela palavra “professor”. Nada mais preciso. O
advogado, que dá aulas de Direito do Trabalho na graduação da
Universidade de São Paulo e em dois cursos de mestrado, já lecionou em
oito instituições.
Atualmente, divide o tempo em sala de aula com a
atuação no escritório Mannrich Senra Vasconcelos — com 22 advogados —,
para o qual foi em 2013, depois de 13 anos como sócio em uma banca com
mais de 200 profissionais.
Mannrich costuma estar do lado das
empresas na mesa de audiência e os desafios que aponta para o Direito do
Trabalho são muitos. No dia a dia, enfrenta temas como terceirização,
contratação de pessoas com deficiência, trabalho escravo e termos de
ajustamento de conduta, os TACs, além da tão criticada falta de
segurança jurídica. A insegurança, diz ele, vem inclusive da falta de um
Código de Processo do Trabalho.
A falta de leis também atinge a
bola da vez na Justiça do Trabalho: a terceirização. Atualmente, os
limites são traçados pela jurisprudência, que, em vez de defini-los,
discute o que são atividades-meio e o que são atividades-fim de cada
empresa que chega aos tribunais por terceirizar. A discussão é vazia, na
opinião de Mannrich, pois as empresas devem ser observadas por suas
especialidades — o que não pode é uma empresa se especializar em ser
“intermediadora de mão de obra sem ter um objeto especifico”.
O
Brasil, porém, perdeu o momento certo de aprovar uma lei sobre a
terceirização, diz ao se referir ao Projeto de Lei 4.330/2004, que
estava na pauta do Congresso em meados de 2013, mas saiu da mira do
Legislativo. O projeto foi alvo de críticas de 19 ministros do Tribunal
Superior do Trabalho, que assinaram um
manifesto contrário à peça, em uma atitude que, para Mannrich, não condiz com a de quem vai julgar casos relacionados a isso.
O
advogado também critica o que o Judiciário aponta como um dos remédios
para a insegurança jurídica: as súmulas. Para ele, elas são úteis, mas
têm sido usadas para atender a demandas populares, criando normas — o
que é papel do Legislativo.
Nelson Mannrich tem 67 anos e quase 50
de profissão. Foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC nos
anos 1970, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda atuava
na entidade. Agora, atende empresários em seu escritório em São Paulo,
na Avenida Paulista, onde recebeu a reportagem da revista eletrônica Consultor Jurídico duas vezes, para mais de duas horas e meia de conversa.
Leia a entrevista:
ConJur
— O senhor diz que assinar um Termo de Ajustamento de Conduta é pedir
para fechar as portas ou para pagar uma multa dobrada. Por quê?
Nelson Mannrich — Tem situações em que a
empresa não deve assinar o TAC, porque vai ficar sempre pendurada, vai
ter aquela vinculação permanente com o Ministério Público. Um TAC coloca
a empresa em um desequilíbrio em relação ao concorrente. Se todos têm
que cumprir uma norma e o descumprimento implica o pagamento de uma
multa que é igual para todo mundo, a empresa que assina o TAC assume o
compromisso de cumprir aquela mesma obrigação, mas sob pena de uma multa
milionária. O concorrente fica em uma situação confortável. O TAC não
deveria ser a reprodução do que está na lei.
ConJur — O cumprimento da lei deveria independer de um TAC, correto?
Nelson Mannrich — Isso. A empresa acaba
assinando por conta disso, mas não vê que tem um diferencial: o
Ministério Público vai exigir que o Ministério do Trabalho sempre
verifique se a empresa cumpriu aqueles itens que foram objeto do TAC. A
fiscalização vai ser bem maior nela do que nos concorrentes.
ConJur — É difícil negociar TAC com o MP?
Nelson Mannrich — É muito difícil discutir os
termos de um TAC para depois assinar. Normalmente o Ministério Público
dá pouca abertura. Uma vez assinado o TAC, dificilmente a empresa vai se
livrar dele. Uma vez dei parecer sobre se era possível rever um TAC.
Era uma empresa que tinha um dificuldade de cumpri-lo e a discussão era
muito interessante, envolvia terceirização. Eles haviam se comprometido a
não terceirizar, mas os concorrentes de um determinado setor
continuaram terceirizando, e o custo da empresa ficou inviável. Por
conta disso, a discussão judicial de um TAC se justifica.
ConJur — É comum discutir o TAC na Justiça?
Nelson Mannrich — Não é comum a empresa tentar
mudar ou anular um TAC. O que é comum é discutir o cumprimento dele. Ou
seja, o Ministério Público alega que ele não foi cumprido e a empresa
tentar provar que cumpriu.
ConJur — E quando vale a pena assinar um TAC?
Nelson Mannrich — As empresas às vezes assinam
em um momento de muito desespero. É uma forma de tentar resolver um
problema urgente, como a pressão da comunidade por conta de um problema
enfrentado, mas é uma ilusão, pois vai ficar aquela dívida para sempre. É
uma forma, digamos, de resolver do ponto de vista sociológico. Do ponto
de vista jurídico, o Ministério Público desiste da ação trabalhista,
mas praticamente ganha uma cadeira no conselho da empresa. Por exemplo,
se você assinou um TAC de não mais terceirizar, então não vai
terceirizar, dependendo do que está escrito, nem contador, nem advogado.
ConJur — Com anda a discussão a respeito da terceirização?
Nelson Mannrich — Nós perdemos o momento
histórico de regrá-la, no ano passado. Lá em Brasília, tem, seguramente,
mais de dez projetos de lei sobre terceirização. Uns bons, outros mais
ou menos. Esse do Sandro Mabel (4.330/2004) foi “retocado” e estava bem
adiantado. Parecia que ia ser aprovado, mas, de repente, deu problema no
andamento. Veio, então, aquele manifesto dos ministros do TST contra
qualquer tipo de terceirização. Aquilo foi uma coisa terrível. Foi
inclusive questionado em eventos públicos: como é que pode um ministro
se posicionar sobre uma questão que ele vai ter que julgar amanhã? Ele
tem que ser neutro.
ConJur — Estavam se posicionando contra o projeto de lei antes mesmo de ele ser aprovado...
Nelson Mannrich — Quando o ministro [João
Oreste] Dalazen era presidente do TST e convocou uma audiência pública
sobre terceirização, o objetivo dele foi bastante interessante: ele
queria que a sociedade levasse ao tribunal quais eram os fatos, as
questões econômicas, as questões políticas envolvidas na terceirização.
Ele queria elementos para poder entender melhor o fenômeno. Na pratica,
essa audiência pública infelizmente não deu o resultado que a gente
esperava. Esperávamos que o TST revisse a Súmula 331, porque o tribunal
não pode dar uma de legislador e criar regra que não está na lei.
ConJur — Mas as súmulas têm sido muito usadas pelo TST, não é?
Nelson Mannrich — Sim, e com o alcance de um
dispositivo legal. Existe a possibilidade de interpretar por esse
caminho, por aquele caminho ou por outros caminhos. Mas não pode criar
uma obrigação, uma norma. E o TST tem feito isso, lamentavelmente.
ConJur — A ideia das súmulas não é interessante para dar segurança jurídica?
Nelson Mannrich — É. A súmula tem a ideia de
que o TST desenvolve o papel de unificar a jurisprudência, papel que ele
tem feito muito bem. Mas às vezes temos uma pressão da sociedade por
conta da leniência ou omissão do Legislativo e o tribunal acaba ocupando
aquele espaço vazio. Às vezes acontece algo pior: na área trabalhista, a
visão ideológica das relações do trabalho.
ConJur — O senhor acha que a gente perdeu o momento certo para discutir a terceirização. E agora, para onde a gente vai?
Nelson Mannrich — Começar tudo de novo. Tem
que começar a costurar uma nova norma. Porque essa norma era a melhor
possível naquele momento, era a mais adequada.
ConJur — É melhor do que a indefinição que a gente tem hoje?
Nelson Mannrich — É. Sem uma lei regulando a
terceirização, o TST vai ocupar esse espaço se arvorando a legislador.
Ou, pelo menos, como não tem uma lei que diga quais são as regras, as
diretrizes, quais são os limites da terceirização, vai aflorar uma visão
ideologia para dizer que é assim, não assado. Dizem que terceirização é
uma forma de precarização, que é o retorno da era industrial. Não
conseguem ver que houve uma transformação da empresa. A empresa não é
mais aquela vertical, grande, que faz tudo. Não. É uma empresa
horizontal — e aqui não tem espaço para aquele modelo antigo. A visão
ideológica protecionista, que são princípios que deviam ser revistos à
luz de questões muito mais importantes, como a questão da igualdade, a
dignidade e a segurança do trabalhador, proíbe qualquer tipo de
terceirização, e as empresas fecham.
ConJur — O TST julgou há pouco tempo, em 2013, que o call center não poderia ser terceirizado. Como é que isso mexeu com as empresas?
Nelson Mannrich — Isso é muito importante e
agora está sendo levado adiante, para ser discutido no Supremo Tribunal
Federal. Eu, confesso, fiquei perplexo. Como é que pode um call center
ter que ser empregado da própria empresa, se ela tem uma especialidade?
Não tem nada a ver com a realidade da empresa. Eu acho uma incoerência
grande. O próprio Estado terceiriza muito. Em uma reunião no Ministério
Público, eu apontei para os presentes que eles terceirizavam os
recepcionistas, a equipe da limpeza...
ConJur — Nesse caso há ainda as multinacionais, muitas com call center até em outros países.
Nelson Mannrich — Exatamente. Em grandes
empresas de aviação, a área para emissão de passagem está na China ou na
Índia. Alias, tem um debate muito interessante sobre essa questão da
globalização. Um autor francês chamado Antoine Jamour tem uma visão
incrível, mostrando que, como nós temos os Direitos do Trabalho, uma
empresa francesa não consegue impor regras para uma filial brasileira.
ConJur
— A Justiça do Trabalho busca definir a atividade-fim para decidir
sobre a terceirização. No caso do call Center foi dito que resolver
problema do cliente era atividade-fim. É possível fazer essa definição?
Nelson Mannrich — Não tem como. Nós temos que
partir da ideia de especialidade. Em tese, não precisaria ter uma lei
sobre terceirização. Quando você parte do conceito de empregador, que é a
empresa, significa que ela tem que ter uma especialidade, ela não pode é
ser uma intermediadora de mão de obra sem um objeto especifico. Ser
empregador é dirigir a atividade do empregado, ter responsabilidade pelo
cumprimento das obrigações trabalhistas. O conceito de empregador que
exerce uma atividade resolve o problema da terceirização.
ConJur — A ideia do empregador respondendo solidariamente aos terceirizados faz sentido?
Nelson Mannrich — Não tem sentido, porque
quando a companhia assume uma terceirização, se a terceirizada sabe que a
responsabilidade é solidária, se acomoda. A responsabilidade deve ser
da terceirizada, não da tomadora. A responsabilidade da tomadora de
serviço é subsidiária, porque se a terceirizada não pagar, a conta vai
para a outra empresa. A companhia não pode ficar em uma posição tão
confortável.
ConJur — Parece que vai ser muito difícil este ano, com Copa e eleição, discutir isso.
Nelson Mannrich — Nenhum político vai querer
se comprometer na sua base. Mudar a legislação trabalhista significa
mexer com o privilégio de uma minoria. No fundo é isso. E falam de pleno
emprego... Imagina. O tamanho do trabalho informal no Brasil é uma
coisa incrível. É a terceirização a culpada? Absolutamente. Com
terceirização, a empresa exige que a terceirizada registre seus
empregados, recolha o fundo de garantia, pague férias, pague horas
extras, e ainda provar que recolheu e pagou tudo direitinho.
ConJur — Então, a terceirização facilita a formalização?
Nelson Mannrich — A formalização e o
cumprimento efetivo das leis. Porque existe hoje, digamos assim,
estruturas dentro da empresa, ou empresas especializadas para controlar o
processo de terceirização, de exigir o cumprimento da legislação
trabalhista.
ConJur — O Presidente do Sindicato dos
Advogados de São Paulo fala que a contratação de advogados como
associado é ilegal, porque não está prevista na lei e nem na CLT, só no
regulamento do Estatuto da Advocacia. Qual a sua opinião a respeito?
Tende a acabar esse tipo de contratação como associado?
Nelson Mannrich — Não. Ao contrário, tem que
manter e regulamentar isso. É muito interessante examinar como é que
funciona em outros países. Na Itália, por exemplo, se o bacharel faz o
curso até certo período, pode trabalhar internamente como empregado do
escritório, e se ele continuar o curso, pode atuar externamente — e esse
nunca será empregado. Tem uma lei também interessante da Espanha nesse
sentido. Há situações realmente complicadas, mas, de modo geral, o
associado de uma sociedade de advogados define a linha que adota, avisa
quando quer sair de férias, escolhe quando vai de manhã ou de tarde, ou
se nem quer ir ao escritório no dia. Existe de fato um espírito
societário. Eu acho que há fraudes, há situações específicas, mas a
figura do advogado é típica de um profissional liberal, que, com apoio
até na própria OAB, tem instrumentos para dar uma estrutura legal para
isso.
ConJur — O senhor não acha que o crescimento das
bancas vai aumentar o número de advogados empregados, por exemplo?
Porque as bancas estão ficando muito grandes, a gente está vendo muito
escritório de massa. Faz sentido manter um advogado associado em um
escritório de massa?
Nelson Mannrich — Depende da situação, do tipo
de atividade. Porque às vezes ele pode assumir, por exemplo, um tipo de
atividade onde ele tenha autonomia para definir o que e como ele vai
fazer e vai ganhar por resultado. Tem que ver cada caso concreto, mas se
você colocar um advogado em uma linha de produção, como temos notícia
de algumas bancas enormes, se de fato ele tiver hora pra entrar, hora
pra sair e subordinação, ele é empregado. A CLT está ai para dizer isso.
ConJur — E faz sentido ter advocacia trabalhista sem ser de massa, não hoje, mas daqui uns cinco anos?
Nelson Mannrich — Olha, no nosso caso
especifico, não somos só advocacia trabalhista, fazemos as cinco áreas
principais do Direito. Mas nós não fazemos massa aqui. Não porque eu
acho que seja errado, mas porque acho que não tenho vocação para isso.
ConJur
— Mas vai ter como um escritório sobreviver, daqui cinco anos, sem
fazer demandas de massa, sendo que a parte trabalhista é o carro-chefe?
Nelson Mannrich — Tem, porque, cada vez mais, a
legislação trabalhista será sensível para as empresas. Nós estamos
criando uma complexidade, uma rede tão complexa de relações
trabalhistas, das mais variadas fontes, seja do Estado ou das
organizações sindicais, com obrigações para as empresas de todo tipo.
Então é cada vez mais difícil para o empresário manter o seu negócio sem
ter um passivo. Ele tem que ter sempre a atuação preventiva do advogado
trabalhista, que é aquele vai dar mais consultoria, que vai trabalhar
muito em arbitragem, em negociação.
ConJur — Arbitragem no Direito do Trabalho faz sentido?
Nelson Mannrich — Não. Nós temos uma cultura
de que só o Estado pode resolver o conflito, que só o Estado pode criar a
norma. A causa dos maiores problemas é o monopólio do Estado. Se nós
tivéssemos mais negociação, teríamos menos conflito. Se nos tivéssemos
mais formas de solução de conflitos, nós teríamos um custo Brasil menor.
ConJur
— Essa ideia de o Estado ser o detentor das normas, acaba colocando-o
como o detentor do Direito, na prática, não é? Vemos casos de o Estado
impedir o trabalhador negociar, por exemplo, horário de almoço. Por que
isso acontece?
Nelson Mannrich — O que se coloca é que a
matéria objeto de negociação é saúde, e saúde não se negocia. Eu acho
uma coisa muito complicada, porque qualquer pessoa pode dizer que
prefere almoçar em 20 minutos — tomar um lanche — e ir para casa mais
cedo. Eu pergunto: Será verdade que a questão da hora de almoço envolve
saúde do trabalhador? Não tem sentido nenhum. Nós já tivemos uma
portaria que permitia ao sindicato negociar com a empresa a redução da
hora do almoço. Foi um escândalo, porque o sindicato negociava com a
empresa meia hora de almoço, o empregado demitido ia para a Justiça do
Trabalho e a empresa era obrigada a pagar indenização para o empregado.
Eu estou falando de uma visão ultrapassada de colocar como interesse da
sociedade questões que não têm nada a ver. O interesse público não se
confunde com os interesses da coletividade, de um determinado grupo. A
saúde do trabalhador, no sentido de ele trabalhar com substância
agressiva, em um ambiente que possa ser inseguro para ele, tem regras.
Não tem sentido dizer que o problema da hora de almoço está na mesma
dimensão de grandeza desse valores da ordem pública da sociedade.
ConJur — Que outros direitos têm sido tutelados pelo estado?
Nelson Mannrich — As férias, por exemplo. A
lei diz que as férias são de 30 dias e você pode negociar um terço em
dinheiro. Então, eu teria 20 em descanso e 10 em dinheiro. Mas se as
férias forem coletivas, você pode fracionar as férias, mas nenhum
período pode ser inferior a 10 dias. Mas o juiz do Trabalho, por
exemplo, pode dividir as férias dele em diversos períodos, como é no
serviço público.
ConJur — A ideia do assédio moral tem
bastante repercussão na imprensa. É impressionante como ele se replica,
como aparece em diversos ambientes completamente diferentes. Como se
explica a quantidade de casos de assédio moral no país?
Nelson Mannrich — Existe uma cultura do poder
dentro das empresas, e não há espaço para democracia. Isso é um problema
complicado. Existe uma visão de que você trabalha para ganhar salário e
tem que ficar quieto. Existe hoje um cuidado por parte das empresas,
principalmente as que já sofreram ação por assédio moral. De modo
particular, quando aquela ação foi movida pelo Ministério Público,
porque aí ela dá uma repercussão nacional. O Ministério Público tem
exercido um papel importante na mudança desse perfil da empresa, no
trato com o empregado. Tem exageros, mas esse ponto é muito importante,
porque as empresas hoje tem a preocupação com a cultura do respeito à
dignidade do trabalhador. Nós mudamos o Direito do Trabalho da era em
que se valorizava muito o princípio da proteção para uma época em que
valorizamos o trabalhador pela sua dignidade e pela participação que ele
tem na empresa, sua cidadania. Mas isso não é uma coisa que o Estado
impõe, é uma coisa que se conquista. É educação. Evidente que assédio
moral não é um problema jurídico, é um problema que envolve psicologia e
outras matérias, evidentemente. Mas o Direito tem uma influencia aí.
ConJur — Faz falta um Código de Processo do Trabalho?
Nelson Mannrich — Sim. O Código de Processo
Civil é usado para preencher lacunas, mas cada um entende que uma coisa
diferente sobre o que é lacuna. Um processo lá em Manaus é totalmente
diferente do processo em João Pessoa, diferente do Rio Grande do Sul.
Por exemplo, aqui [em São Paulo], se não levar testemunha, não
pode adiar um julgamento. É um processo por vara. Nós temos que ter um
processo único para a Justiça do Trabalho.
ConJur — Podemos prever uma reforma trabalhista em alguns anos ou parece fora de cogitação?
Nelson Mannrich — Nós só introduzíamos
segurança na empresa depois de um assalto. Nós esperamos uma desgraça
acontecer. Tem uma estrada em Ibiúna, que cada lombada corresponde a um
acidente. Eu tenho, porém, que fazer uma lombada antes de ocorrer o
acidente. Nós não podemos esperar uma grande crise de desemprego no
Brasil para fazer a reforma. Mas isso não interessa para o governo. A
Dilma, quando abriu a conferência da CNI, falou de tudo, de aeroportos,
de portos, de infraestrutura, do paraíso de pleno emprego, mas não disse
uma palavra sobre a parte trabalhista.
ConJur — E está na hora de mexer na CLT?
Nelson Mannrich — Precisa mexer na base da
CLT, dessa visão paternalista, do Estado protetor. Significa quebrar
monopólios do Estado na criação de norma e permitir uma participação do
trabalhador na negociação coletiva e na solução do conflito. É preciso
ter estímulos a um sistema de solução de conflitos dentro da empresa, ao
dialogo interno, ao mecanismo onde o trabalhador possa resolver com seu
chefe diretamente o seu conflito, e, se ele não resolver, que ele possa
ir ao superior. O processo não pode ser uma possível vingança,
resultado da vida de um trabalhador isolado, não ouvido, uma panela de
pressão sem válvula de escape... Ele não tem com quem conversar, com
quem resolver, e deixa tudo guardado para no final processar. Isso é um
desafio para o governo e para o empresário também. O empresário deve
abrir um espaço dentro da empresa para criar instâncias de negociação. E
aí entra aí obviamente a questão sindical.
ConJur — A estrutura dos sindicatos e a estrutura de relação com os sindicatos deve ser alterada?
Nelson Mannrich — O Direito do Trabalho começa
pela reforma sindical. Esse é o grande desafio. Enquanto não fizer
isso, nada vai mudar no Brasil. Tem que introduzir a liberdade sindical,
para pensar então em negociação coletiva. Porque o sindicato que está
aí... Tem muitos sindicatos bons, mas eles estão naquela velha
estrutura. Quem vai ser o representante do trabalhador na solução do
conflito é aquele que nós vamos entender que é o mais adequado.
ConJur — Vemos muita pressão por acordos na Justiça do Trabalho. Essa é a função da Justiça?
Nelson Mannrich — O papel da Justiça é
pacificação. A pacificação não depende de uma sentença. Depende de uma
solução imposta, que é a sentença, ou uma solução acordada. O importante
é que haja uma solução do conflito. Eu acho que 50% dos conflitos são
resolvidos já na fase inicial, por acordo. Aí você percebe que nós
precisaríamos rever o nosso modelo, que nós poderíamos ter uma instância
aonde as questões pendentes seriam resolvidas sem necessidade de
movimentar o Judiciário.
ConJur — A CLT deveria tratar diferente cada escalão de empregado?
Nelson Mannrich — A minha proposta é essa. Ter
uma legislação própria para altos quadros, diretores e altos
executivos, em uma linha de exclusão desse protecionismo da CLT. Países
europeus fazem isso. Na França tem o operário, que é o trabalhador
braçal, o empregado, que é o colarinho branco, e tem o alto quadro, que
são os dirigentes.
ConJur — Isso desafogaria a Justiça de alguma forma?
Nelson Mannrich — Sim. E daria mais segurança jurídica para todo mundo.
ConJur — É possível reduzir o custo de um trabalhador sem reduzir direitos.
Nelson Mannrich — Ninguém entende direito o
que é custo trabalhista. Os economistas mesmo falam em 102% de custo,
outros reduzem para 67% ou 50%. Eu tenho que definir o que vai para o
Estado: isso é custo. O que vai para o empregado não é custo
trabalhista. INSS sem encargo, fundo de garantia sem encargo e um terço
de acréscimo no salário das férias não é custo trabalhista, é uma forma
de pagar o salário dele. Nós não temos uma transparência em relação a
isso ou um levantamento claro para dizer se o Brasil tem mais ou menos
custo trabalhista que outros países. Como eu posso falar que temos o
custo trabalhista mais alto do mundo se nós temos um dos salários mais
baixos do mundo?
ConJur — Mas aí entram questões tributárias também, não é?
Nelson Mannrich — Estou muito convencido de
que a reforma trabalhista passa por uma reforma fiscal. O governo tentou
desonerar a folha de pagamento cobrando INSS sobre faturamento em
alguns segmentos em vez de vir na folha. Alguns criticam que o Estado,
dizendo que só se fez isso porque é uma forma de arrecadar mais. Eu vejo
que nós poderíamos resolver grande parte dessa questão do custo
desonerando a folha. Por que hoje tem tanto empregado chamado PJ (pessoa
jurídica) ou não registrado? Porque se eu registro o empregado, preciso
pagar o dobro. Então, se eu tiver uma reforma tributária, não será pelo
fato de ele ser empregado ou não que vai dar mais imposto ao Estado.
ConJur — O que o Brasil tem a enfrentar ainda para conseguir acabar com o trabalho análogo à escravidão?
Nelson Mannrich — Do ponto de vista jurídico,
tem que primeiro definir o que é trabalho escravo, com uma lei clara,
objetiva, e não um conceito em aberto, que não define claramente as
regras do jogo. Nós não sabemos exatamente o que é trabalho escravo.
ConJur — Não existe uma jurisprudência fechada sobre isso?
Nelson Mannrich — Tem muita coisa, descrevendo
aquela situação. Mas quais são os critérios? Tem o artigo 149 do Código
Penal. Por exemplo, jornada excessiva. Aí vêm as instruções normativas
do Ministério do Trabalho, que não são leis. Segundo elas, se você tiver
uma empregada doméstica em casa que um dia trabalhou 15 horas, é
trabalho escravo, pois é jornada excessiva. Precisamos de parâmetros
objetivos, critérios.
ConJur — Já noticiamos que uma
empresa foi acusada de ter trabalho escravo porque não tinha o bebedouro
na altura certa. Como isso é possível?
Nelson Mannrich — Um desses quatro itens do
Código Penal fala de condições de saúde e segurança. Uma portaria do
Ministério do Trabalho sobre as condições de saúde tem 35 normas
regulamentadoras. Cada norma regulamentadora pode ter até mais de mil
itens. Tem vestiário, refeitório, sinalização, rede elétrica. Se uma
dessas normas é descumprida, é, em tese, trabalho escravo. Mas a
realidade não é assim. A lei tem que dizer o que é trabalho escravo de
verdade. Uma das penas é por usar trabalho escravo é privar da liberdade
o autor do crime. Ora, eu não posso privar alguém da liberdade de uma
maneira simplista. Ele tem que ser acusado da prática de um crime que a
lei estabeleça de forma clara e definida para que possa se defender. A
lei não pode simplesmente criar uma nuvem da qual vão extrair gotas que
interessam caso a caso.
ConJur — Quanto às cotas para
pessoas com deficiência, vemos diferentes decisões sobre a obrigação de
contratar ou não deficientes, de acordo com a disponibilidade de alguém
para o serviço específico da empresa. A jurisprudência parece bem
dividida. Como o senhor enxerga a questão?
Nelson Mannrich — No começo, houve uma lei
bastante complicada para as empresas. Nós não tínhamos a cultura ou o
devido respeito ao deficiente que ele fosse um homem produtivo. Com a
lei, verificamos que de fato tem espaço, e muito espaço, para pessoas
com deficiência. Foi adotada uma posição muito dura por parte dos órgãos
de fiscalização, em parte do Ministério Público, e até da própria
Justiça do Trabalho. Hoje nós avançamos muito. Há uma integração muito
grande, mas ainda temos o problema de formação de mão de obra. Com isso
esbarramos em um critério discutível: precisamos saber se a porcentagem
de deficientes a serem contratados será feita a partir dos cargos que
podem ser ocupados por esses funcionários ou a partir de todos os postos
da empresa. Se eu não tiver pessoas com deficiência que possam, por
exemplo, dirigir caminhão, coloco em risco o patrimônio da empresa, a
sociedade e terceiros ao obrigar uma empresa a ter uma cota de
motoristas com deficiência. Aí a discussão pega fogo. Uma vez fiz um
acordo com determinada empresa que, em vez de contratar, ela se
comprometeu a qualificar mão de obra para outros utilizarem. O que se
pretende hoje é excluir do cálculo da cota os empregados que estão na
área técnica, onde não posso colocar ninguém. Então, onde eu tenho 200
empregados, mas só posso alocar um deficiente em uma área com 100, então
eu vou calcular a cota em cima de 100.
ConJur — As decisões do TST são seguidas nos tribunais regionais e nas varas?
Nelson Mannrich — Normalmente são, mas há uma relutância em levar em conta o TST como uniformizador da jurisprudência.
ConJur — Qual é a função do Conselho Superior da Justiça do Trabalho e qual tem sido a aplicação dele?
Nelson Mannrich — É uma revolução que ocorreu
dentro do Judiciário. Eu, pessoalmente, acho que é fundamental esse
papel de supervisionar o trabalho dos magistrados, mas há uma cobrança
muito forte por metas. Isso cria uma pressão muito grande, que gera uma
reação por parte dos juízes. Gera estresse, depressão... É muito fácil o
tribunal condenar as empresas porque submeteu o trabalhador a uma meta
difícil de ser atingida, quando seu próprio integrante é submetido a
esse estresse.
ConJur — Existe algum incentivo para o advogado que está saindo da faculdade atuar na Justiça do Trabalho?
Nelson Mannrich — Tem um mercado incrível para
as pessoas que são bem preparadas. Mas precisa gostar do que faz.
Quando começa meu curso na faculdade, eu sempre digo: Olha, vamos
enfrentar um curso que é obrigatório para vocês, mas que não será
provavelmente a escolha de vocês como profissionais. Eu estou falando
para 5% da turma só. Por isso que eu vou exigir de todos o mínimo
daquilo que é o básico. Advogado tem que saber tudo aquilo que é básico.
Há um preconceito muito grande na área Trabalhista, com diversas
explicações. Talvez porque alguns vejam um viés ideológico na área, como
algo mais ligado ao empregado, ao proletariado, ao sindicato.