quarta-feira, 26 de março de 2014

A guerra das periguetes no mercado de cervejas

 

 

Bebida apreendida, contratos milionários, descontos agressivos. Nenhum mercado de cerveja cresce tanto quanto o do Nordeste — e, na guerra para conquistá-lo, vale até vender latinhas por 50 centavo

Vicente Vilardaga, de
Fernando Vivas / EXAME
Fábrica da Petrópolis na Bahia
Fábrica da Petrópolis na Bahia: até agora, a vitoriosa na guerra

São Paulo - Houve um pandemônio em alguns supermercados de Salvador durante o Carnaval. Vídeos gravados pelos próprios clientes mostram consumidores afoitos carregando caixas e correndo em direção à saída. Alguns reservavam carrinhos para enchê-los com as compras.

Outros jogavam produtos para os amigos e iam comprar mais. Não faltou comida em Salvador. Nem água. O corre-corre era para comprar cerveja — mais especificamente, “periguetes”, o apelido dado pelos consumidores baianos às latinhas de 269 mililitros, as menores do mercado e bastante populares no Nordeste do país.

A Ambev fez uma das mais agressivas promoções de sua história durante o Carnaval e vendeu cerveja com descontos brutais para os distribuidores da cidade — com isso, algumas lojas e supermercados venderam as latinhas por até 50 centavos, menos da metade do preço usual.

Muitos dos que se estapearam nos supermercados eram comerciantes ambulantes, que revenderam as periguetes perto dos blocos de Carnaval pelo dobro do que pagaram. Com isso, a Ambev conseguiu o que queria: brecar, pelo menos em parte, o avanço dos concorrentes no mercado de cerveja que mais cresce no país, o Nordeste.

Na verdade, não foi a Ambev que declarou guerra — a tática da latinha barata foi uma reação. Pela primeira vez, a Ambev não pôde vender cerveja nas ruas próximas ao circuito Barra-Ondina-Campo Grande, por onde circulam os principais blocos do Carnaval de Salvador.

A Brasil Kirin, dona da marca Schin, e a Petrópolis, dona da Itaipava, pagaram para a prefeitura 10 milhões de reais, cada uma, para garantir a exclusividade de vendas nesses locais. “Resolvemos, então, devolver ao consumidor o dinheiro do patrocínio que deixamos de fazer dando desconto no preço da cerveja”, diz Ricardo Amorim, gerente de comunicação da Ambev. É a guerra das periguetes.

A disputa do Carnaval é um exemplo localizado da competição extrema das cervejarias pelo mercado de Salvador, em particular, e do Nordeste, de forma geral. A Ambev inaugurou recentemente sua oitava fábrica na região — fica em Itapissuma, no interior de Pernambuco, onde a Petrópolis começará a engarrafar suas cervejas em maio.

A primeira fábrica da Petrópolis no Nordeste foi inaugurada em novembro, em Alagoinhas, na Bahia. Nessa mesma cidade, a Brasil Kirin investiu 400 milhões de reais nos últimos dois anos para ampliar a capacidade de produção de sua unidade instalada há dez anos. A Heineken, dona da marca Kaiser, fez um movimento parecido em Feira de Santana, na Bahia. Em dezembro, a produção regional das cervejarias no Nordeste chegou a 340 milhões de litros, um recorde mensal.

As empresas têm investido como nunca para ganhar espaço na região em que o consumo de cerveja mais cresce no país. Nos últimos três anos, o aumento da produção no Nordeste foi de 10%, enquanto a média nacional ficou em 5%, segundo a CervBrasil, associação do setor (não há dados públicos sobre as vendas, mas a estimativa de especialistas é que o crescimento tenha sido similar).

O consumo por habitante continua abaixo da média do país, o que tem provocado a disputa entre as cervejarias para conquistar novos clientes — ou fazer os atuais beber mais. Durante o Carnaval, a prefeitura de Salvador chegou a apreender cerca de 150.000 periguetes de Brahma e Skol que estavam sendo vendidas por ambulantes em locais exclusivos da Brasil Kirin e da Petrópolis (depois da festa, as cervejas foram devolvidas aos ambulantes).

“Não concordamos com a tática da Ambev, porque ela gerou uma invasão na área de bloqueio”, diz Douglas Costa, diretor de mercado da Petrópolis. A empresa foi a única que informou seus resultados no Carnaval: vendeu 9 milhões de latinhas em uma semana. O número equivale à média mensal de vendas em Salvador, mas ficou 10% abaixo da previsão inicial — e seus executivos culpam a guerra de preços da Ambev.

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