sábado, 15 de março de 2014

Deu o curto-circuito

 

 

 

 

Míriam Leitão

O governo fingiu até a véspera que não havia um problema na área de energia. E ontem ele rasgou a fantasia. Assumiu que o rombo deste ano será de R$ 21 bilhões e já avisou que haverá aumento de impostos e elevação futura nas tarifas. Isso para cobrir os custos do preço irreal da energia e da desastrosa gestão na área. O consumidor vai pagar os R$ 8 bilhões de empréstimos tomados pela CCEE a juros de mercado.

Tudo o que foi anunciado ontem é para resolver o problema que o governo negava existir. O ministro Mantega e a cúpula do setor elétrico disseram que, além dos R$ 9 bilhões previstos no Orçamento, o governo vai pôr mais R$ 4 bilhões na Conta de Desenvolvimento Energético e autorizou a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica a tomar um empréstimo de R$ 8 bilhões no mercado. No futuro, quando o custo for passado para as tarifas, a CCEE vai ser ressarcida pelos consumidores por esse empréstimo. Eles pagarão, assim, além do preço das térmicas, os juros desse financiamento bilionário.

O secretário Arno Augustin disse que não é para somar essas parcelas todas e concluir que o rombo é de R$ 21 bilhões. Sim, é para somar, o rombo é esse. O dinheiro sai de pontos diferentes mas vão todos para o mesmo lugar: subsidiar hoje o preço da energia para manter a fantasia político-eleitoreira do preço barato e depois jogar tudo no bolso do contribuinte-consumidor assim que passarem as eleições. O eleitor que foi ludibriado pela propaganda enganosa da queda dos preços da energia no ano passado está, sem saber, ficando endividado com um passivo que cresce.

São duas as fontes de rombo. Uma é a energia mais cara gerada pelas térmicas e que é paga pelas distribuidoras. Pelas regras do jogo, elas podem repassar isso para a conta de energia. A segunda é o custo extra que algumas distribuidoras estão tendo por ter que comprar energia no mercado livre para cobrir as suas necessidades. E isso porque o leilão de energia entre geradores e distribuidores foi tão mal feito que as distribuidoras não conseguiram contratar toda a energia que precisavam entregar.

É isso que o setor define como "exposição involuntária". Ao fazer um leilão no começo do ano passado para contratar a energia de 2014, a EPE forçou o preço máximo para baixo de maneira artificial. Ninguém quis vender a energia a esse preço e por isso as geradoras não apareceram no leilão. Isso deixou as distribuidoras descobertas. Agora a energia no mercado spot explodiu e as mais expostas estão quebrando.

O que tudo isso mostra é o quanto o governo tem sido imprudente na questão energética. Na quarta-feira, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim, disse no Congresso que o Brasil enfrenta "a pior hidrologia desde os tempos que começaram a ser registrados em 1931". Já o secretário executivo do Ministério das Minas e Energia, Márcio Zimmerman, disse que não seria feita nenhuma medida de redução do consumo para não incomodar o consumidor porque se chovesse haveria o "o custo do arrependimento".

Ora, se é a pior hidrologia da história tem que haver medidas preventivas, sim, para reduzir o consumo. Mas o governo não a toma para não "incomodar". Se alguém quisesse imaginar um roteiro de erros não teria tanta imaginação. O governo baixou uma MP mudando regras do jogo e antecipando o fim de concessões para reduzir o preço de energia, exatamente quando o custo estava subindo pelo uso das térmicas no ano passado. Para isso, o Tesouro teve que usar R$ 9 bilhões para subsidiar o preço.

Este ano tudo piorou porque a chuva foi ainda menor. As térmicas estão sendo usadas num nível ainda mais intenso. E, além disso, as distribuidoras estão comprando energia no mercado livre porque não houve a gestão eficiente do modelo dos leilões entre fornecedores e distribuidores de energia.

A solução foi mais gambiarra. Além dos R$ 9 bilhões já no Orçamento para cobrir essa diferença entre preço e custo de energia, o governo vai colocar mais R$ 4 bi. E de onde virá o dinheiro? De "medidas tributárias", ou seja, impostos. Além disso, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica vai tomar um empréstimo para ajudar no socorro às distribuidoras. A CCEE é uma entidade privada que o governo está mobilizando para ajudar a resolver o problema. Só que subsidiar a energia com empréstimo é uma insensatez. E os juros sobre esse empréstimo, a quanto levará esse valor? O governo entrou em curto-circuito na área de energia.

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