quinta-feira, 27 de março de 2014

China: o maior desafio não é a desaceleração




A longa marcha do desenvolvimento chinês continuará a avançar – agora, também em direção ao interior do país.     Há, no entanto, uma muralha entre o que é possível e o que deve acontecer de fato no comércio do Brasil com a China neste ano

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Milton Pomar*
 


As perspectivas para o Brasil são as melhores possíveis no que diz respeito às demandas chinesas em 2014 –  demandas  que  tendem  a  continuar  aumentando,  principalmente  nos  setores de alimentos e matérias-primas.   E não só porque o mercado consumidor chinês está se fortalecendo com o ingresso de milhões de pessoas.    Há também o aumento do poder aquisitivo e a urbanização acelerada, que obrigam a construção de moradias, escolas, hospitais, ferrovias, telecomunicações, estruturas de água e energia etc. Ainda que em menor  velocidade,  a  longa  marcha  do  desenvolvimento chinês continuará a avançar – agora, também em direção ao interior do país.    Há, no entanto, uma muralha entre o que é possível e o que deve acontecer de fato no comércio  do  Brasil  com  a  China neste ano   . Do lado brasileiro, a muralha é feita de um misto de acomodação,  preconceito  e  despreparo.    Do   lado   chinês,  é  feita  de  comportamentos  muitas  vezes prejudiciais à efetivação dos negócios – em parte, pelo fato de a China ser um comprador ambicionado pelo mundo inteiro.

O  despreparo da maioria das empresas brasileiras para o comércio internacional é sabido e reconhecido. Com a China, ele se evidencia ainda mais. Além de profissionalismo, é preciso estudar o país – algo que a maioria dos governos, entidades e empresas brasileiras não faz. É justamente do desconhecimento que vem o ceticismo e o preconceito em relação a tudo que se diz sobre o mercado chinês. Exemplo disso é o ataque que se faz à exportação de commodities para a China no lugar de produtos de maior valor agregado. Ataca-se o sucesso dos setores do agro e da mineração em vez de se questionar as dificuldades competitivas da indústria brasileira. Ninguém fala que os empresários brasileiros importam máquinas e matérias-primas da China. Ninguém diz que os chineses não vendem aqui – somos nós que vamos lá comprar deles. Desse falso debate surgem argumentos que não se sustentam. Até porque os produtos agrícolas e pecuários, ainda que vendidos in natura, resultam hoje de processos produtivos que incorporam muito capital, tecnologia e insumos industriais. Aliás, o que teria ocorrido com as indústrias que fornecem para o agro sem as exportações superavitárias de grãos e carnes para a China? E o que seria da nossa balança comercial se não fossem os valores crescentes das exportações de minérios para os chineses?


A demanda chinesa continuará aumentando nos setores de construção civil, alimentos, bebidas, energias renováveis e  meio ambiente (aliás, a situação ambiental piorou muito com a chegada de 17 milhões de carros novos por ano às ruas; a poluição aérea já é insuportável em grandes cidades, como Shanghai e Beijing; e a poluição hídrica torna mais insustentável a escassez natural). Isso sem contar uma infinidade de produtos para nichos de mercado, que na China contabilizam milhões de consumidores cada um. À medida que os chineses forem se adequando a práticas mundiais (por exemplo, o uso de capacete pelos 500 milhões de ciclistas e 100 milhões de motociclistas), novas demandas serão colocadas para o mundo. A indústria chinesa não dá conta de abastecer sozinha o seu imenso mercado. A dificuldade maior para vender ao mercado chinês é a quantidade de concorrentes. É preciso um grau muito elevado de competitividade, o que leva a margens menores e à necessidade de quebra de paradigmas. Poucas empresas brasileiras se dispõem a isso. Recentemente, conheci uma tradicional fábrica do sul do Brasil cujo dono se recusou a alterar a composição do seu produto principal para adequá-lo ao paladar chinês. Aí fica difícil.


*Editor da revista Negócios com o Brasil e colunista do blog Conexão Ásia.

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