O primeiro sinal veio em
outubro passado. Na época, o governo argentino anunciou, para a surpresa
de muitos, que havia aceitado pagar US$ 677 milhões (o equivalente a R$
1,59 bilhão) a cinco empresas contra as quais havia perdido uma causa
no Centro Internacional de Arbitragem para Disputas sobre Investimentos.
Depois, veio a inesperada demissão do secretário
de Comércio Interior, Guillermo Moreno, considerado o mentor de muitas
das medidas econômicas mais polêmicas do governo de Cristina Kirchner.
Mas os gestos mais significativos
vieram em 2014: em janeiro, o ministro de Economia Axel Kicillof, que
havia assumido dois meses antes, apresentou uma oferta ao Clube de
Paris, que compreende os 19 países aos quais a Argentina deve mais de
US$ 9 bilhões (R$ 21,1 bilhões) desde a moratória dos pagamentos de sua
dívida, em 2001.
Poucas semanas depois, aconteceu o que muitos
acreditavam ser impossível: a pedido do Fundo Monetário Internacional
(FMI), a Argentina apresentou um novo índice de medição de preços, que
admitiu, pela primeira, a dimensão problemática da inflação, algo que
até então vinha sendo negado pelas autoridades do país.
Finalmente, na semana passada, a Argentina deu
por terminada uma longa disputa internacional ao entrar em acordo com a
petrolífera espanhola Repsol sobre o pagamento de uma indenização pela
expropriação de 51% do pacote de ações da petrolífera YPF,
renacionalizada em 2012 - um acordo que será selado em maio, se o
Congresso argentino o aprovar.
Para muitos analistas, todas estas medidas são
um indício claro de que o governo quer "fazer as pazes" com o mercado de
capitais, até mesmo com a intenção de voltar a contrair dívidas.
Mas por que um governo que se vangloria de sua
política de desendividamento e que por anos criticou governantes
passados por endividarem o país agora está mandando tantos sinais de
aproximação com o mercado?
Necessidade
Especialistas como Dante Sica, diretor da
consultoria econômica Abeceb.com, acreditam que a resposta é óbvia. "O
governo precisa de dólares", assegurou ele à BBC Mundo.
"A mudança de atitude se deve ao fato de que, a
partir de 2011, a Argentina passou de um superavit para um deficit e que
as medidas tomadas pelo governo para frear a diminuição de divisas não
funcionaram", disse Sica, em referência às restrições cambiais impostas a
partir deste ano.
A rigor, o país tem um déficit fiscal há anos
(ou seja, gasta mais do que arrecada), ainda que mantenha um superavit
comercial, que até agora tem sido a principal fonte de entrada de
divisas no país.
Mesmo assim, em 2014, o saldo comercial teve uma
queda preocupante: segundo os números oficiais, em janeiro, o superavit
foi de apenas US$ 35 milhões (R$ 82,3 milhões), 88% a menos do que no
mesmo mês do ano anterior.
Por isso, economistas como Sica acreditam que o
governo está sendo forçado a buscar dinheiro para compensar o gasto
público exagerado e, com este objetivo em mente, tem se esforçado para
dar sinais de boa vontade ao mercado.
Novo endividamento
Economistas alinhados com o governo, como
Fernanda Vallejos, do grupo kirchnerista La Gran Marko, dizem que os
sinais dados pelo governo têm o objetivo de melhorar a situação para uma
futura emissão de títulos da dívida pública.
Mas Vallejos refuta que isso signifique uma mudança na política governamental.
"O governo nunca se opôs a voltar ao mercado, mas sim a pagar as altas taxas que queriam cobrar", comentou ela à BBC Mundo.
De fato, a própria Cristina Kirchner deu sinais neste sentido durante um discurso no fim de janeiro.
"Como resultado da moratória de 2001, o mercado
de capitais estava fechado para nós e, quando não estava fechado,
oferecia taxas muito altas", disse.
Mas os críticos do governo afirmam que não foi a
moratória que afastou o mercado durante a década kirchnerista, mas a
falta de confiança gerada pelas políticas governamentais.
A isso é atribuído o fato de países vizinhos
como Brasil, Chile e Uruguai terem atraído nos últimos anos muitos
investimentos estrangeiros, multiplicando assim suas reservas
internacionais, enquanto os fundos do Banco Central argentino tiveram
uma forte queda, de cerca de 30% em 2013.
Por sua vez, Vallejos nega que haja falta de
confiança e considera que grande parte do dinheiro que ingressou nos
países vizinhos veio de investimentos especulativos, que não são vistos
com bons olhos pelo governo argentino por considerá-los prejudiciais a
longo prazo.
Restrição externa
Um ponto em que simpatizantes e críticos do
governo concordam é que a chamada restrição externa - ou falta de
dólares - é um dos principais problemas da economia argentina e que ela
limita o poder de compra e o crescimento do país.
A saída de divisas em dólares se intensificou
nos últimos três anos devido ao forte aumento das importações de
energia, que representam cerca de 10% do orçamento nacional.
Por outro lado, o gasto público se manteve alto
devido às políticas de subsídios à energia e ao transporte implementadas
em 2002, em meio à crise econômica, e que o kirchnerismo continua a
aplicar até hoje.
Por isso, muitos acreditam que um retorno ao mercado de capitais é inevitável.
Mesmo assim, ainda falta ver se as medidas que
estão sendo tomadas pelo país serão suficientes para que os organismos
internacionais de crédito voltem a emprestar dinheiro à Argentina, a uma
taxa que o governo considere aceitável.
Um dos fatores que levará a isso é o resultado
da disputa judicial que Argentina enfrenta nos Estados Unidos com os
credores que não aceitaram as trocas de dívidas por bônus de valor de
face menor oferecidas pelo país em 2005 e 2010.
Em fevereiro, o governo argentino solicitou que a
Suprema Corte americana revise a decisão que obriga o país a pagar mais
de US$ 1,3 bilhão (R$ 3 bilhões) a um grupo de fundos de investimento,
que exige o pagamento de 100% do valor dos bônus que detêm.
Se a decisão for mantida, a Argentina poderá voltar a uma moratória técnica, o que complicaria seu acesso a novos recursos.
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