Por José Goldemberg
A credibilidade internacional de um país é tão ou mais importante que sua credibilidade interna. Sem ela a segurança nos contratos assumidos é questionável, e isso afeta gravemente as trocas comerciais, os empréstimos e a colaboração em projetos conjuntos com outros países.
A credibilidade internacional de um país é tão ou mais importante que sua credibilidade interna. Sem ela a segurança nos contratos assumidos é questionável, e isso afeta gravemente as trocas comerciais, os empréstimos e a colaboração em projetos conjuntos com outros países.
Essa é a razão pela qual os
Ministérios de Relações Exteriores – no nosso caso, o Itamaraty – têm a
reputação de ser cautelosos e são sempre considerados como instituições a
serviço do Estado, que é algo permanente, e não de governos, que são
transitórios. Os tratados internacionais e os compromissos assumidos
pelo Brasil sobre as mudanças climáticas caem nessa categoria, apesar de
vacilações que ocorreram ao logo do tempo desde 1992, quando se
realizou no Rio a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, conhecida como a Cúpula da Terra.
Essas vacilações têm várias origens, as principais das quais são as seguintes:
•
Muitos países demoram a levar a sério as consequências do aquecimento
global e as mudanças do clima, dando prioridade aos seus interesses de
crescimento econômico, embora em 1992 se tenha aceitado claramente a
ideia que a emissão de gases de efeito estufa deveria ser reduzida. Esse
é o caso da China, que baseou sua enorme expansão industrial dos anos
1990 no uso de carvão barato, de baixa qualidade e poluente, sem maiores
preocupações com as consequências ambientais do seu uso.
• Vários
países expressaram temores de que um acordo sobre o clima significaria
interferência internacional na soberania nacional. No caso do Brasil,
desde o período militar havia setores que acreditavam que poderia haver
tentativas de “internacionalizar” a Amazônia para protegê-la, já que o
próprio País não o fazia.
A maneira como a diplomacia do Brasil e a
da China enfrentaram a pressão internacional para tratarem mais
seriamente do problema do clima foi a de argumentar durante longo tempo
que os países industrializados poluíram o planeta durante os séculos 19 e
20 para se desenvolverem e seria injusto impedir que os países em
desenvolvimento – China, Brasil, Índia e outros – fizessem o mesmo,
contribuindo para a emissão de poluentes. Não há base legal para
justificar essa posição antes de 1992.
Essa atitude de atribuir
culpas ou responsabilidades por emissões que tenham ocorrido no passado e
usá-las como justificativa para não combatê-las agora é uma situação
análoga à proibição vigente de fumar em ambientes fechados, como
restaurantes, que existe hoje em dia, mas não era esse o caso há 20
anos. Naquela época ninguém podia ser punido por permitir fumantes em
seu restaurante, mas ninguém, atualmente, diria que pode fumar nesse
tipo de local porque no passado qualquer um podia fazê-lo.
• Além
disso, o desenvolvimento econômico, hoje, tem à sua disposição
tecnologias que não existiam no passado e são muito mais eficientes e
menos poluentes. Não há razão para repetir o caminho seguido no passado
pelos países industrializados, quando se desenvolveram no fim do século
19 e no século 20. Os países em desenvolvimento podem fazer crescer suas
economias emitindo menos poluentes. Isso foi o que a China percebeu
claramente nos últimos anos, reduzindo gradualmente o uso do carvão, que
é o pior dos poluentes e estava tornando o ar irrespirável nas grandes
cidades chinesas. É também o que os brasileiros perceberam a partir de
2005, quando se começou a reduzir o desmatamento da Amazônia, o qual era
predatório e desnecessário.
Essa evolução na visão dos governos da
China e do Brasil foi essencial para assegurar o sucesso da Conferência
de Paris: ambos os governos apresentaram metas quantitativas para
reduzir suas emissões e um calendário para cumpri-las. As ações
propostas pelo Brasil incluem a redução do desmatamento da Amazônia, que
está em andamento, apesar de alguns problemas.
As metas do Brasil
apresentadas em Paris preveem que as emissões da Amazônia cairão
praticamente a zero até 2030 e que as emissões das demais atividades do
País continuarão a crescer, eliminando os receios de alguns de que as
metas de Paris seriam um obstáculo ao crescimento econômico. Estas
atividades incluem transporte rodoviário, dominante no Brasil, consumo
de energia na indústria e no setor residencial e emissões de metano pelo
imenso rebanho bovino do País.
Esse crescimento, contudo, não pode
ser predatório e desorganizado: é preciso que um grande esforço seja
feito para reduzir o consumo de derivados de petróleo nos transportes
por meio da melhoria da eficiência dos motores e do aumento da
participação dos biocombustíveis (etanol e biodiesel), bem como que se
introduzam medidas para reduzir a emissão de metano e outros gases das
atividades agrícola e pecuária, com métodos modernos de plantio e
confinamento do gado.
Além disso, energias renováveis deverão ser
estimuladas, o que inclui a eólica e a solar. Mas, sobretudo, usinas
hidrelétricas com reservatórios, que são complemento essencial para o
aumento da contribuição das energias renováveis intermitentes, como a
eólica e a solar. Hidrelétricas são a melhor forma existente para
armazenar energia. A geração de eletricidade com bagaço de cana nas
usinas de álcool e açúcar poderá também contribuir para esse esforço.
Os
compromissos assumidos pelo Brasil em Paris receberam apoio das
organizações não governamentais e até de setores da oposição graças,
sobretudo, à operosidade da ministra do Meio Ambiente, Izabella
Teixeira. Foi ela quem assumiu a liderança das negociações em Paris, e
não o Itamaraty, que até então desempenhava esse papel.
Esse raro
consenso obtido em propor compromissos à Conferência de Paris precisa
ser mantido agora, para enfrentar os problemas decorrentes da
necessidade de cumpri-los (José Goldemberg é Professor Emérito da USP e
presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(Fapesp); O Estado de S.Paulo, 19/4/16))
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