quarta-feira, 27 de abril de 2016

Mudança na regra da dívida dos Estados com a União é vista com desconfiança





Caso o cálculo dos juros seja alterado pelo STF, economistas se preocupam com insegurança jurídica


Por Infomoney
 

O plenário Supremo Tribunal Federal (STF) deverá julgar nesta quarta-feira (27), o mérito das liminares que foram concedidas recentemente por ministros da Corte que alteram o cálculo dos juros sobre a dívida dos estados com a União, ao julgar a reivindicação de três estados.  Nas últimas semanas, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Minas Gerais ganharam no Supremo liminares que permitem o pagamento da dívida repactuada com a União com juros simples em vez de compostos (juros sobre juros). 

No caso gaúcho, a liminar concedida pelo relator da ação, ministro Edson Fachin, autoriza o estado a pagar a dívida com a União calculada por juros não capitalizados e impede novas sanções por descumprimento de contrato, como o bloqueio das contas até o julgamento do conteúdo da ação. A liminar para Santa Catarina, concedida na semana passada pelo plenário do Supremo, permite que o estado pague a dívida repactuada com a União usando também juros simples, e não compostos. Com a decisão, o estado pode pagar as parcelas da dívida em valores menores do que os exigidos pela União e sem sofrer sanções legais.

Os governadores entraram no Supremo para alterar a correção das dívidas ao enxergar brechas na regulamentação da lei complementar 148, que trocou o indexador das dívidas por IPCA mais 4% ao ano ou pela Selic, o que for menor, no lugar de IGP-DI mais juros de 6% a 9% ao ano. Os Estados argumentam que a regulamentação, feita em decreto no fim de 2015, acabou penalizando-os, pois houve aumento no estoque da dívida nem um momento em que sofrem com baixa arrecadação em função da recessão econômica. Também apontam que não há no texto menção direta ao cálculo com juros compostos, mas apenas a juros acumulados. 

Os efeitos da possível mudança nas regras são vistos com desconfiança e temor por muitos economistas. Conforme destaca a Rosenberg Consultores Associados, se o STF der ganho de causa aos estados, além de ampliar significativamente a dívida do governo (a estimativa do governo, que era de impacto de mais de R$ 300 bilhões, foi revisada pelo ministro Nelson Barbosa para R$ 402 bilhões), criará uma insegurança jurídica enorme no país, cujos reflexos não estão nem perto de serem contabilizados. Seria um enorme retrocesso e muito danoso à imagem do país, afirmam os economistas da consultoria. "É fato que os Estados estão em uma situação fiscal falimentar, mas uma saída simples como essa é totalmente equivocada. Será necessária  uma repactuação federativa, associada a reformas amargas, para reequilibrar as finanças dos Estados. Temer já parece estar a par dessa situação, tanto é que no áudio vazado, menciona um novo pacto federativo", afirma a consultoria.

O Bank of America Merrill Lynch reforça que a utilização de taxas de juros simples para calcular a dívida dos estados com o governo federal piora a situação fiscal global. Primeiro, porque aumenta o peso da dívida do governo federal, pois os estados terão de fazer pagamentos em menores montantes da dívida e, em segundo lugar, porque os estados teriam menos incentivo para poupar mais através de resultados fiscais primários mais elevados, uma vez que o compromisso da dívida seria agora menor. "Isso aumenta os riscos já decrescentes para a previsão de um déficit primário de 1,5% do PIB em 2016", aponta o banco. 

E não há sinais de alívio: a situação fiscal dos estados vem se deteriorando e o risco de se tornar um fardo para o resultado primário do setor público só aumenta, alerta o Merrill Lynch. "Anteriormente, a economia estava crescendo e contribuindo assim com o aumento das receitas fiscais; agora, estamos entrando no segundo ano de recessão, esgotando significativamente o Estado e a Receita Federal. Desde 2009, os governos estaduais ficaram aquém das suas metas fiscais primários e até produziram um déficit em 2015 para 0,15% do PIB. Durante os anos 1990 e o início dos anos 2000, os governos elevaram impostos e fizeram privatizações a fim de sustentar os ajustes fiscais. No entanto, não há mais espaço para aumentar os impostos em meio ao momento econômico em recessão. Além disso, a carga tributária efetiva do Brasil em 33,5% do PIB está entre as mais altas do mundo. A redução do consumo, que está reduzindo a arrecadação, deve neutralizar um eventual aumento de impostos", avaliam os economistas do BofA. 

“Essa é uma situação absurda que poderia custar uma fortuna para o país”, declarou David Beker, economista-chefe e estrategista de renda fixa do banco americano, à agência Bloomberg. “Num cenário dominado por notícias políticas, esquecemos que principais problemas do Brasil ainda estão aí, e esse é um deles. É como um esqueleto que foi esquecido no armário e agora está sendo trazido à luz do dia”, destacou. 


Possibilidades
 

A LCA Consultores destaca que não se descarta um pedido de vistas por algum membro do Supremo que interromperia o julgamento. O objetivo seria esperar o desfecho do impeachment e a posse de Michel Temer. Dessa forma, o futuro ministro da Fazenda teria melhores de condições de fechar um acordo que envolvesse algum alívio aos Estados e sem causar grandes prejuízos ao Tesouro.  Temer tem se preocupado com o assunto. Tanto que interlocutores do vice conversaram nos últimos dias com ministros do Supremo sobre o impacto nas contas do governo com a possível mudança no cálculo, relata reportagem de O Globo desta quarta. Segundo o jornal, pelo menos dois ministros do STF foram procurados e receberam argumentos sobre os efeitos da mudança. "Isso vai provocar um rombo para o governo e vai afetar todas as dívidas das pessoas. Esse julgamento é muito importante. O rombo seria de R$ 330 bilhões", afirmou um interlocutor do vice-presidente.


Efeitos bilionários
 

Em meio ao "efeito manada", o Ministério da Fazenda divulgou nota em meados de abril afirmando que o governo federal poderá perder centenas de bilhões com a decisão do STF de alterar o cálculo dos juros sobre a dívida estaduais. “Recursos que deverão ser, ao fim, providos por toda a sociedade brasileira”, diz nota do ministério. “Não bastassem os ganhos iniciais decorrentes da renegociação realizada em 1997, a aplicação da lei nos termos defendidos pela União, ou seja, com juros compostos, também propicia descontos expressivos para todos os estados”, continua o documento. 

A Fazenda afirma que seria criada uma enorme distorção entre a remuneração da dívida da União e as dívidas dos Estados, com a primeira sendo calculada a partir de juros compostos e a segunda, com juros simples. "Essa diferença poderá gerar, ao longo do tempo, custos ainda maiores para a União, prejudicando o equilíbrio financeiro entre todos os entes federados. “Os dados divulgados pela Fazenda apontam que o Rio de Janeiro apresentaria ter um ganho estimado com a LC 148 de R$ 4,5 bilhões, enquanto São Paulo teria o maior ganho, de R$ 18,8 bilhões”, relata a pasta. 

Para o governo federal, o caminho para um alívio fiscal aos Estados passa pela aprovação no Legislativo de proposta de alongamento da dívida que esses entes possuem com a União, com impacto de até R$ 45,5 bilhões de 2016 a 2018. O texto, que prevê uma série de contrapartidas de maior rigor fiscal para a concessão de benefícios, foi enviado ao Congresso Nacional em março, mas sua tramitação segue paralisada em meio à profunda crise política e ao andamento do pedido de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff no Legislativo.


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